Skip to main content

A insustentabilidade dos megaeventos no Rio de Janeiro

By 23/05/2012janeiro 29th, 2018Notícias, Publicações
A insustentabilidade dos megaeventos no Rio de Janeiro
A insustentabilidade dos megaeventos no Rio de Janeiro

O dossiê “Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio” analisa, no eixo temático “Esporte”, as perspectivas de um legado efetivo da Copa do Mundo 2014 e das Olimpíadas 2016 para a população carioca. O documento discute a elitização do futebol brasileiro – presente no alto custo dos ingressos, passando pelo acesso às instalações esportivas e a elaboração de programas de lazer, como também avalia os custos com a reforma do Maracanã e o chamado acesso à governança do esporte, relacionado à transparência da CBF e do COB durante os preparativos dos eventos.

Os pesquisadores do Observatório das Metrópoles participaram, em parceria com o Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas, da elaboração do dossiê “Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro”, o qual foi lançado no dia 19 de abril no Clube de Engenharia no Centro do Rio de Janeiro, reunindo a relatora da ONU para o direito à moradia, Raquel Rolnik; o presidente da Associação de Moradores da Vila Autódromo, Altair Antunes Guimarães, e o professor Orlando Santos Júnior, representante do Comitê Popular da Copa e do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ).

Após o lançamento, a equipe do Boletim Observatório tem divulgado, a cada semana, os eixos temáticos do dossiê com o objetivo de ampliar, ainda mais, o debate sobre os megaeventos na capital fluminense. Nesta edição, o destaque é o tema do Trabalho. Leia a seguir as principais questões discutidas.

DOSSIÊ: “Megaeventos e Violação dos Direitos Humanos no Rio”
Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas
Tema: Esporte

Uma das razões pelas quais o Brasil sediará a Copa de 2014 é sua excelência em futebol masculino. Pentacampeão mundial, celeiro de craques, o país do futebol é assim chamado pela profunda difusão do jogo na cultura e suas manifestações cotidianas, originais e espetaculares.

Apesar dessa fama, o futebol no Brasil está vivendo um momento bastante complicado. Os estádios históricos estão sendo destruídos para serem reconstruídos em forma de shoppings. Os ingressos dos campeonatos nacionais e estaduais estão cada vez mais caros, fora do alcance do torcedor “tradicional”. A média de público nos estádios está em plena queda. Os torcedores são todos tratados como potenciais criminosos à espera das mesmas leis criadas supostamente para protegê-los. A Confederação Brasileira de Futebol CBF -, ente máximo de futebol brasileiro, está em crise com seus dirigentes acusados de corrupção e lavagem de dinheiro internacional.

Em 2011, o Ministério do Esporte se envolveu num escândalo de corrupção. O presidente do Comitê Olímpico Brasileiro COB – está no seu quinto mandato consecutivo e dirige uma instituição que repassa verbas públicas destinadas ao esporte de base para os cartolas das federações esportivas. As escolas públicas, na sua vasta maioria, não possuem áreas de lazer nem programas de educação física. Ao contrário dos bairros da Zona Sul, os subúrbios do Rio de Janeiro vivem com uma escassez de parques, praças públicas, campos de futebol, e Vilas Olímpicas. Para piorar, com a chegada dos megaeventos, quase todo o investimento público em esporte está sendo dirigido ao esporte de alta lucratividade (estádios e centros esportivos de luxo, centros de treinamento, centros de mídia, etc.), deixando para lá o desenvolvimento do esporte de base e as questões básicas de saúde pública, que políticas efetivas de esporte deveriam atender.

A Elitização do Futebol

A Tabela a seguir mostra claramente os processos de elitização no futebol brasileiro e o afastamento do torcedor comum dos estádios. Percebemos que nos últimos cinco campeonatos nacionais há um progressivo aumento no custo médio dos ingressos. O que não consta nesses números é que o público inclui não apenas os pagantes, mas o público total, incluindo as gratuidades. No Rio de Janeiro, o público não pagante tende a ser entre 15% a 20% dos espectadores, aumentando o custo do ingresso comum. Mesmo sem esse acréscimo, percebe-se que a tendência é ter menos expectadores no estádio, pagando mais para assistir aos jogos. A situação é ainda pior quando consideramos que um ingresso na extinta geral do Maracanã só custava R$ 5,00, em 2005. Mesmo considerando o aumento no público total de 16%, entre 2007 e 2011, a arrecadação no mesmo período aumentou em 47% – evidência clara que o torcedor está pagando mais do que nunca para assistir jogos de futebol profissional.

É claro que o poder público e os times de futebol não querem que os estádios fiquem lotados. Pelo menos, esse é o raciocínio decorrente dos dados da próxima tabela. Nela, pode-se ver que os clubes não dependem muito da arrecadação decorrente das arquibancadas. Como o futebol no Brasil é cada vez mais voltado para o mercado de consumo dos produtos vinculados ao futebol, e cada vez menos condicionado pela cultura futebolística em si, de mobilização e participação nos estádios, não há duvidas de que os interesses financeiros dos clubes se manifestem nas suas políticas de venda desses produtos. A tabela também mostra que o Brasil segue sendo um país exportador de “produtos naturais” do futebol, seus craques. Exportam-se os jovens craques para serem refinados no exterior e compram-se os mesmos jogadores mais caros de volta, principalmente quando estes estão no fim de carreira.

Em razão da dependência dos times de futebol das receitas provenientes da televisão (que compõem 24% das suas receitas), os canais de TV que compram os direitos dos campeonatos são quem determinam os horários e condições de transmissões. No Brasil, é normal ter jogos começando no meio da semana às 21:50 horas, depois das novelas. No Rio de Janeiro, essa situação se complica tendo em vista o horário do transporte público, e o fato do metrô não funcionar depois da meia-noite, diminuírem as linhas de ônibus, e o funcionamento dos trens suburbanos serem ainda mais limitados. Os táxis que saem do único estádio de grande porte na cidade frequentemente se recusam a ir à Zona Norte da cidade, querendo levar clientes para as trajetórias mais lucrativas. Combinando os altos custos para assistir um jogo, a precariedade do transporte público, a agressividade das forças policiais, o medo gerado pela mídia, a disponibilidade dos jogos na televisão, e os horários abusivos, não 28 há surpresa no fato dos clubes buscarem extrair mais dinheiro de menos torcedores.

Acesso à governança do esporte

Em todos os níveis do esporte “oficial” constata-se uma grande falta de transparência. As duas principais instituições do esporte no país, a CBF e o COB, são dirigidos por cartolas de longa geração. A concentração de poder está facilitada através de uma despolitização do esporte e um persistente amadorismo na gestão dos clubes e federações. O público em geral não tem como participar no desenvolvimento dos projetos. No Brasil, não há informação sobre os tipos de esportes praticados, dados sobre participação formal ou informal, ou outras informações que seriam úteis na avaliação dos programas públicos e privados para aumentar a participação esportiva.

Acesso às áreas e aos programas de lazer

Nos últimos anos, os preparativos para receber os megaeventos na cidade do Rio de Janeiro paralisaram o uso do principal estádio da cidade, o Maracanã, por mais tempo do que ele ficou em atividade. O Maracanã sofreu uma intervenção de R$430 milhões entre abril de 2005 e janeiro de 2007. O estádio foi fechado totalmente por 9 meses e parcialmente por 21 meses. A reforma atual, orçada em quase R$1 bilhão, fechou o estádio em outubro de 2010, com previsão de abertura para janeiro de 2013, ou seja, um período de 27 meses. Somando os recursos das duas obras (2005-2007 e 2010-2013) são quase R$1,5 bilhão de dinheiro público investido em um estádio que não recebeu um jogo sequer durante quatro dos últimos oito anos. Mesmo estando pronto para a Copa, é bastante provável que o Novo Maracanã só voltará ao uso público em 2016, depois das Paraolimpíadas. Para piorar essa perspectiva, há uma licitação em andamento para criar uma Parceria Público-Privada para a exploração financeira do estádio, entregando às mãos privadas mais um bem público.

Diz-se que os megaeventos esportivos abrem novas oportunidades para a população praticar esportes. No entanto, ficou claro depois do PAN 2007, que as instalações esportivas construídas não serviram à população local e que os programas de estímulo à prática esportiva não saíram do papel. O caso do Engenhão é emblemático. Antes da construção do estádio havia no local um terreno baldio onde os moradores costumavam jogar futebol, dentre outras praticas de lazer. O estádio foi construído nesse terreno, eliminando um espaço popular. De fato, pode-se questionar se os investimentos em instalações olímpicas abrem efetivamente mais espaço para a prática do esporte popular. Mas também é preciso refletir sobre a concepção dos programas de “desenvolvimento social” associados aos eventos esportivos. Conforme informações disponíveis no site da Transparência Olímpica, da prefeitura do Rio de Janeiro, existe um programa chamado “Rio em forma Olímpico” que prevê a criação de 244 núcleos de esporte comunitário. No site, não há dados disponíveis sobre o projeto nem orçamento. Cabe se perguntar se esse programa está ativo ou se é apenas uma propaganda enganosa.

Além do mais, a localização das instalações Olímpicas, em geral, favorece áreas da cidade que já têm bastante infraestrutura esportiva. A Barra da Tijuca e a Zona Sul já têm praias, ciclovias, praças públicas arborizadas e, se isso não bastasse, seus moradores têm poder aquisitivo para frequentar academias de ginástica e clubes esportivos. Com os investimentos bilionários nas instalações olímpicas na Barra da Tijuca,há uma tendência da concentração dos equipamentos esportivos ser redobrada e prejudicar a prática esportiva em outras áreas da cidade. Embora existam investimentos em programas e instalações esportivas em áreas menos favorecidas, tais como a Rocinha e Deodoro, o poder público está efetivamente centralizando os espaços de participação, quando poderia estar desenvolvendo programas mais amplos de prática esportiva nas escolas e nos espaços públicos espalhados pelos bairros.

Atualmente, a Prefeitura do Rio tem duas áreas de lazer, uma localizada em Ramos (Piscinão) e outra em Santa Cruz. Além desses parques, a Prefeitura tem oito Vilas Olímpicas que normalmente fecham às 17 horas durante a semana e às 16 horas nos fins de semana, eliminando a possibilidade do seu uso depois da jornada de trabalho. As ciclovias da cidade estão em péssimas condições e têm percursos limitados. Há quatro quadras públicas de tênis na cidade inteira, e nenhuma delas está situada fora da Zona Sul. Um programa exitoso é o das Academias da Terceira Idade, cujas 39 instalações em espaços públicos trouxeram boas oportunidades para o exercício físico informal. É preciso ter mais programas em espaços públicos dedicados ao lazer informal e investir prioritariamente nas práticas esportivas (com seus requerimentos de espaço físico) nas escolas públicas.

Acesso à Copa do Mundo

Outra questão importante em um evento do porte da Copa do Mundo está relacionada ao alto custo dos ingressos, fora do alcance do cidadão comum. Apesar do grande investimento público no evento, o evento em si é privado e a FIFA tem direitos de exploração dos estádios e de outros espaços públicos nas 12 cidades-sede. Como os ingressos são limitados e distribuídos por uma empresa terceirizada (MATCH), a FIFA desenvolveu um projeto para amenizar a preocupação do governo com o acesso dos cidadãos comuns, que não teriam como assistir aos jogos da Copa, na qual teria tanto investido.

A Copa do Mundo terá quatro categorias de ingressos, além dos pacotes particulares reservados para patrocinadores oficiais, organizadores do evento e o governo brasileiro. Os preços expressos na tabela abaixo para a Copa 2014 são baseados no incremento entre 2006 e 2010 para as categorias 1, 2 e 3. Por exemplo, a Categoria 1 aumentou 26% entre 2006 e 2010. Aplicando-se o mesmo aumento de 26% de 2010 para 2014 chegamos à US$ 203. Fica claro que as categorias 1 a 3 estarão fora do alcance da vasta maioria dos brasileiros. Os ingressos da categoria 4 são razoavelmente acessíveis, mas só permitem acesso aos piores lugares nos estádios.

Um dos pontos de negociação entre FIFA e o governo brasileiro em relação à Lei Geral da Copa é a manutenção do meio ingresso para idosos, estudantes e professores da rede pública. Nas suas negociações, a FIFA reservou 300.000 ingressos da Categoria 4 só para brasileiros e 100.000 para pessoas de baixa renda, indígenas e idosos que terão direito à meia entrada. Considerando-se que o restante da população só poderá comprar ingressos através de sorteio na Internet (que restringe o acesso, tendo em vista que é necessário ter cartão de crédito) e que esse sorteio será dirigido pelo MATCH (empresa vencedora do contrato de distribuição de ingressos, dirigida pelo sobrinho do presidente da FIFA), pode-se inferir que, de modo geral, poucos brasileiros terão acesso aos jogos da Copa.

Acesse o conteúdo completo do dossiê “Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio” aqui.

Leia também:

Rio olímpico e mobilidade urbano: qual será o legado?

Direitos Humanos: as condições dos trabalhadores nos megaeventos do Rio de Janeiro

Lei Geral da Copa: contexto de exceção para a Fifa