Autora de um dos capítulos da obra “A nova urbanização dependente no capitalismo rentista-neoextrativista”, a pesquisadora do Núcleo Fortaleza do INCT Observatório das Metrópoles, Denise Elias, participou da Sessão Especial de lançamento da publicação, durante o XXI ENANPUR (Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional). O Capítulo 11, “Agronegócio e urbanização dependente no Brasil”, elaborado pela pesquisadora, sustenta que as cidades do agronegócio têm nas desigualdades socioespaciais algumas das suas principais características. “São exemplos de riqueza cada vez mais concentrada e da pobreza e da exclusão cada vez mais difundidas”, revelou.
A realização da Sessão Especial foi uma forma de apresentação mais ampla da coletânea organizada pelo coordenador nacional do Observatório, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro e pelo pesquisador do Núcleo Rio de Janeiro, Nelson Diniz. Dividida em cinco partes, com 24 capítulos escritos por 42 autores e autoras nacionais e internacionais, a obra soma 840 páginas. Todo o projeto de publicação está disponível em um blog criado com o material do projeto. O livro está à venda no site da Letra Capital Editora (para adquiri-lo, clique aqui). Na oportunidade, Denise Elias explicou que a tese central do capítulo é que o agronegócio é um dos principais vetores de reorganização do território brasileiro, especialmente a partir da década de 70, sendo responsável pela reestruturação do espaço, não só agrícola, mas também urbano e regional em todo o território brasileiro, incrementando a urbanização e a reestruturação urbano-regional.
Segundo ela, uma segunda tese associada a anterior, é que a urbanização que se processa a partir do agronegócio é corporativa, já que está calcada em interesses de grandes empresas e corporações transnacionais, que são os agentes hegemônicos do agronegócio. “Uma vez que elas realizam um uso extremamente seletivo do território, e lembrando o geógrafo Milton Santos, os lugares se distinguem por diferentes capacidades de oferecer rentabilidade aos investimentos produtivos”, pontuou. Isso culmina numa maior divisão do trabalho e numa reorganização do território, incrementando especializações territoriais produtivas. Para ela, como consequência da fragmentação do território, a formação de novos arranjos territoriais produtivos, chamados de regiões produtivas do agronegócio, tornam-se regiões mais competitivas e mais especializadas na produção de commodities.
“A região produtiva do agronegócio é um recorte espacial que soma o campo ao urbano-regional. É um híbrido do campo extremamente racionalizado, moderno, produtor de commodities e espaços urbanos não metropolitanos, cidades pequenas e, também, de porte médio, com funções especializadas para o agronegócio e para atender às suas demandas mais prementes. Temos uma região onde campo e cidade, ao contrário das tradicionais dicotomias campo-cidade, estão em permanente relação, num contínuo permanente”, salientou.
A pesquisadora afirma que os principais agentes produtores do espaço, seja agrícola, urbano ou regional, são as grandes empresas e corporações do agronegócio. Conforme Elias, nessas áreas a solidariedade organizacional é mais importante do que as solidariedades orgânicas historicamente tecidas no lugar pelas populações locais. “O que significa que os capitais do agronegócio têm cada vez mais poder e controle sobre os meios de produção. É importante destacar que, nessas regiões, elas são apenas uma parte do território do agronegócio”, ressaltou.
De acordo com ela, essas regiões são o mero lugar da exploração, da expropriação e que se articulam diretamente com várias outras localidades do mundo, seja para consumo, para onde se dá o controle e o comando de todo esse processo. “Por outro lado, devemos lembrar que o agronegócio não acontece somente no campo, mas em uníssono com espaços e economias urbanas de vários extratos da rede urbana. Então, eu defendo que é na cidade que se processa a parte da materialização das condições gerais de reprodução desse agronegócio”, destacou.

Denise Elias durante apresentação na Sessão Especial. Foto: Karina Soares.
Ou seja, a cidade se constitui em um nó fundamental das relações econômicas, sociais, políticas e de logística de toda essa produção. Segundo Elias, isso leva também a uma chave explicativa para uma outra tese, que é a formação do que ela vem chamando como uma derivação da cidade do agronegócio. Isso porque esses espaços urbanos são especializados no atendimento às demandas mais importantes e prementes que compõe essas regiões de produção de commodities. “A cidade do agronegócio é essa que vai polarizar uma ampla região produtora de commodities. É onde se dá a gestão local e regional de toda essa produção, onde reside os trabalhadores, sejam os braçais, os especializados, os que trabalham no campo e os que trabalham na cidade”, ressaltou.
Ela explica que nesses locais estão instalados os frigoríficos, as esmagadoras de soja e as torrefadoras de café. Onde se localiza parte das indústrias metalmecânicas que produzem todo o equipamento para a atividade agropecuária e para as agroindústrias. E, também, onde está localizada uma gama de comércios e serviços para atender a esse tipo de produção. “Como cada commodity tem as suas especificidades, as cidades também apresentam as suas especificidades. Então, as cidades associadas à soja são diferentes, por exemplo, das cidades que produzem melão para exportação. Algumas dessas cidades já existiam naturalmente muito antes da difusão de todos esses processos, mas elas são refuncionalizadas para essa nova lógica”, apontou.
De acordo com Elias, outras cidades já são criadas a partir de todo esse processo, se desmembrando de antigos municípios e sendo ainda mais especializadas. Nas últimas décadas, elas têm um importante crescimento do ponto de vista econômico, demográfico e bastante dinâmico. Ocorre que todos esses processos vão resultar em mudanças muito fortes nas formas de uso e ocupação do espaço, numa ocupação desenfreada de matas nativas, áreas de proteção ambiental, reservas indígenas, com a monopolização dos espaços pelo capital do agronegócio, mudanças nas relações sociais de produção, a desterritorialização de um conjunto de povos originários, e tudo isso com um grande incremento da urbanização, com novas relações de áreas entre campo e cidade, distintas dinâmicas demográficas, com a reestruturação de cidades e, ainda, urbano-regional. Elias explica que tudo isso leva, entre outros, a um verdadeiro curto-circuito da rede urbana, já que não é mais possível pensar o esquema clássico de hierarquia urbana, válido até os anos 80 e 90.
“Então, hoje, uma pequena cidade do sul do Piauí, um dos estados mais pobres do país, ela pode manter relações permanentes e cotidianas com a Bolsa de Valores de Nova Iorque, com uma sede de um escritório de fundo de investimentos em Xangai. Aí, o curto-circuito já está posto”, refletiu. Segundo ela, por outro lado, a divisão e a difusão do agronegócio, se dá de forma espacialmente seletiva, economicamente concentradora, socialmente excludente, ambiental e culturalmente devastadora. Isso vai promover cada vez mais concentração de riquezas, crescimento da pobreza, acirramento das desigualdades socioespaciais por todo o território nacional, no campo e nas cidades, não só nas regiões produtivas do agronegócio.
Seria um aumento da já histórica concentração fundiária ou a destruição da biodiversidade em todos os biomas do país, e com uma mudança radical dos sistemas alimentares, com aumento do consumo de alimentos industrializados ultraprocessados. “Com uma concentração econômica da produção dos alimentos industrializados, assim como na distribuição, comandada por três ou quatro redes de supermercados transnacionais, com aumento dos preços dos alimentos tratados cada vez mais como uma mercadoria e não como direito social como consta na nossa Constituição. Assim sendo, as regiões produtivas e as cidades do agronegócio, apesar de todo o dinamismo econômico propagado cotidianamente para todos nós, são territórios de exclusão e de toda sorte de desigualdades socioespaciais”, advertiu.
A pesquisadora entende que essas cidades são meros lugares do fazer, do agronegócio, da extração das riquezas de todo o povo brasileiro. “E eu diria mesmo que as cidades do agronegócio são efetivamente o reverso do direito à cidade. São lugares da rede de comando imediato e subalterno, da extração das riquezas, espoliação e efetivamente elos inferiores na hierarquia da rede de cidades associadas ao agronegócio, já que o comando efetivo dessas regiões se dá nas principais cidades globais do mundo. E é nas cidades globais que se dá o efetivo comando de tudo que de formas distintas e diversas maneiras impacta em todo o nosso cotidiano. Então, diante de todo o esforço óbvio, nos parece que tudo isso evidencia a forma subordinada e dependente que o Brasil se insere na divisão internacional do trabalho no período histórico atual”, concluiu Denise Elias.