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A profª Ana Lúcia Britto (Observatório das Metrópoles) e o profº Léo Heller (UFMG) coordenaram a sessão livre, no XVI ENANPUR, com o tema “Direito humano à água e segurança hídrica: acesso a serviços de saneamento e os desafios para o Brasil contemporâneo” na qual se debateu a desigualdade histórica no acesso à água da população metropolitana, sobretudo a que marca as diferenças entre núcleos e periferias nas principais metrópoles brasileiras.

O INCT Observatório das Metrópoles vem desenvolvendo vários estudos relacionadas ao tema do saneamento básico nas regiões metropolitanas do país. A profª Ana Lúcia Britto (PROURB/UFRJ) coordena uma equipe no Rio de Janeiro que investiga as políticas de saneamento na RM do Rio de Janeiro – sobretudo com ações na Baixada Fluminense.

Ana Lúcia participou da equipe que elaborou o Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB) e desenvolve atualmente um estudo inédito: um banco de dados eletrônico com a sistematização das informações referentes às experiências de consórcios públicos de saneamento no país. Com recursos da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e CNPq, o projeto visa propor um novo caminho para a gestão dos serviços de saneamento básico a partir da constituição de espaços institucionais de cooperação interfederativa. Serão produzidas ainda cartilha de boas experiências e mais metodologia para incentivar o consorciamento entre municípios.

No XVI Encontro Nacional da ANPUR, Ana Lúcia coordenou a sessão livre em parceria com Léo Heller, do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG e pesquisador do Centro de Pesquisa René Rachou (Fiocruz) e atual Relator Especial da ONU para o Direito Humano à Água e ao Esgotamento Sanitário.

A seguir a Apresentação da Sessão Livre “Direito humano à água e segurança hídrica”.

Título da Sessão Livre: Direito humano à água e segurança hídrica: acesso a serviços de saneamento e os desafios para o Brasil contemporâneo

Proponente/coordenador: Ana Lucia Britto, Professora do Programa de Pós Graduação em Urbanismo PROURB -UFRJ; Léo Heller, professor colaborador do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG e pesquisador do Centro de Pesquisa René Rachou, Fiocruz.

Resumo da Sessão Livre:

A questão do acesso aos serviços de saneamento e da qualidade dos recursos hídricos vem ganhando cada vez maior visibilidade na mídia. Em São Paulo, em torno das questões relacionadas ao cenário atual de escassez e das alternativas para abastecimento da Macrometrópole; no Rio de Janeiro, no debate em torno do cumprimento das metas relacionada à recuperação das águas, que se encontra presente no compromisso assumido para os Jogos Olímpicos de 2014; na disputa recente entre São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais em torno das águas do Paraíba do Sul.

Temas que se somam a uma desigualdade histórica no acesso à água da população metropolitana, sobretudo a que marca as diferenças entre núcleos e periferias metropolitana nas principais metrópoles brasileiras. No que diz respeito à Região Metropolitana de Belo Horizonte, o Altas Brasil de Abastecimento Urbano indica que os mananciais que a abastecem possuem disponibilidade hídrica suficiente para o atendimento das demandas futuras, com destaque para o rio das Velhas e os afluentes do rio Paraopeba. Entretanto, o mesmo documento indica que uma série de adequações aos sistemas produtores é necessária para conferir maior flexibilidade operacional, otimizar o abastecimento e garantir o atendimento à população. No Nordeste, a seca vem se agravando: mais de mil municípios enfrentaram no segundo semestre de 2014 situação de emergência reconhecida pelo Ministério da Integração Nacional.

Essa sessão livre buscará discutir as ameaças de escassez de água para consumo humano, associadas às alterações climáticas, e o direito humano de acesso aos serviços de saneamento básico em diferentes contextos do Brasil, colocando as seguintes questões:

A escassez hídrica é produzida por mudanças ambientais (em termos de estiagem e qualidade) ou é social e politicamente construída? Como essa escassez confronta o direito humano à água e ao esgotamento sanitário? Como se dá efetivamente o acesso aos serviços de saneamento em territórios metropolitanos e em áreas do semi-árido nordestino? Quais são os conflitos existentes sobre a utilização de recursos hídricos nesses territórios?

Como se dá a adaptação às mudanças climáticas no contexto de gestão das águas? De que forma modelos de gestão de saneamento orientados pela produção de lucro agravam a segurança do fornecimento de água em situações de baixa disponibilidade hídrica? Quais são as políticas públicas relacionadas à gestão do saneamento e dos recursos hídricos, e qual a capacidade dos atores institucionais para atuar na redução da desigualdade hídrica e atender às demandas previstas para próximas décadas?

Quem são os atores chave na construção dessas políticas – governo (federal, estadual e municipal); grandes empresas públicas e privadas; organizações da sociedade civil que representam os interesses do setor (os sindicatos de trabalhadores , etc.); as agências internacionais (por exemplo, instituições financeiras internacionais e outros agentes do processo de ” governança global ”), ONGs e outros detentores de poder relevantes? Que concepções eles defendem (usos prioritários, valores: água como direito, água como mercadoria). Qual é o papel da regulação dos serviços? Os paradigmas tecnológicos hoje adotados estão adequados para o enfrentamento desse duplo desafio: atender à demanda crescente e adaptar-se às inseguranças decorrentes das mudanças climáticas? Existem alternativas sócio-técnicas que possam contribuir para o enfrentamento dessas desigualdades? Quais são elas e quais os impasses para adotá-las?

Reconhecendo que no Brasil existe conhecimento científico e de soluções tecnológicas capazes de enfrentar a escassez objetiva de recursos hídricos, nosso ponto de partida é assumir que os obstáculos mais importantes a serem enfrentados na ação pública voltada para a redução da desigualdade e da insegurança no acesso à água e a construção de soluções para os problemas decorrentes de calamidades de origem hídricas (secas ou inundações) derivam principalmente de processos de caráter socioeconômico, político, cultural e institucional, incluindo-se aí a formulação e implementação de políticas públicas.

Parte-se da hipótese de que a escassez de água para o abastecimento, decorrente do crescimento da demanda, confrontada com a degradação dos recursos hídricos, é um problema que tem sua origem nas falhas dos sistemas da gestão e provisão de serviços, que não conseguem ser sustentáveis em termos econômicos, ambientais, sociais e institucionais. Estas falhas estão relacionadas à influência dos condicionantes sistêmicos, definidos como “processos políticos e econômicos, mas também importantes fatores culturais – como a cultura política dominante – que podem facilitar ou dificultar a adoção de políticas públicas particulares.” (HELLER; CASTRO, 2007, p.285, CASTRO, 2013).

O enfrentamento da supracitada desigualdade passa pela superação de impasses que marcam o setor de saneamento. O planejamento é um primeiro passo. Contudo, para além do planejamento, um impasse fundamental a ser superado são as abordagens predominantemente tecnocêntricas, ditadas principalmente a partir da visão focada exclusivamente na engenharia sanitária.

Nesse sentido, preocupações com obras têm tradicionalmente dominado o setor, em detrimento de uma visão que busque enquadrar a abordagem técnica em uma moldura sócio-política. As infraestruturas para produção de água para o abastecimento certamente não são apenas artefatos técnicos mas também estruturas organizacionais, arranjos institucionais, com significados socioculturais próprios, representando um sistema sócio-técnico complexo (GUY et al., 2010). A técnica e a tecnologia são produtos da ação humana e inseridas no contexto das relações sociais e no âmbito de seu desenvolvimento histórico; expressam a combinação, em cada lugar, das condições políticas, econômicas, sociais, culturais e geográficas que permitem sua instalação, operação e aproveitamento.

A dominância da dimensão técnica, desconsiderando a complexidade e multidimensionalidade que vem caracterizando o tratamento dos problemas relacionados à gestão dos recurso hídricos e dos serviços de saneamento, bem como o papel do cidadão no processo de tomada de decisão, traz ônus para a efetividade das decisões e ações.

São frequentes, nesse aspecto, uma lógica voltada para o aumento contínuo de produção de água pelos sistemas sem operar na gestão da demanda; intervenções de saneamento não devidamente apropriadas pelos usuários, por conflitarem com suas práticas tradicionais; intervenções urbanas que não se coadunam com a dinâmica das cidades, agravando, por exemplo, a ocorrência de enchentes e inundações; incapacidade das concepções técnicas em enxergar com clareza o papel das ações no controle da ocorrência de enfermidades; ou ações que, ao contrário de cumprirem sua missão de preservar o ambiente físico, comprometem sua qualidade.

São situações que, muito provavelmente, ocorreriam com menor intensidade se o poder público contasse com um planejamento estruturado, que tivesse a capacidade de visualizar as diferentes dimensões dos problemas da gestão das águas, considerando valores culturais e o envolvimento dos usuários, especificidades ambientais e a possibilidade de tecnologias alternativas, a partir de uma abordagem sócio-técnica que privilegie a justiça ambiental.