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Dossiê: Mobilidade urbana nas metrópoles brasileiras

O tema da mobilidade urbana tornou-se central no debate sobre o mal-estar das nossas metrópoles a partir da deterioração do transporte coletivo e da precarização das condições de deslocamento nas áreas metropolitanas. O INCT Observatório das Metrópoles lança a edição nº 30 da Revista Cadernos Metrópole que traz o dossiê especial “Mobilidade urbana nas metrópoles brasileiras”, reunindo artigos que abordam o tema sob diferentes ângulos e discutem a mudança de paradigma, tanto em relação ao transporte individual motorizado, como às políticas para o transporte de mercadorias em áreas urbanizadas, apontando suas consequências em termos dos investimentos em infraestruturas e dos elevados custos ambientais.

A revista Cadernos Metrópole completa 15 anos de existência com o lançamento da edição nº 30 “Mobilidade urbanas nas metrópoles brasileiras”. Ao longo desse período a revista se consolidou como referência no debate da questão urbana  e dos processos de urbanização nas diferentes formas que assume na realidade contemporânea. Trata-se de periódico interdisciplinar dirigido à comunidade acadêmica em geral e, especialmente, às áreas de Ciências Sociais, Arquitetura e Urbanismo, Planejamento Urbano e Regional, Geografia e Demografia. É um importante veículo de intercâmbio universitário e de discussão de temas contemporâneos, com ênfase em temas como pobreza e desigualdades socioespaciais, estudos urbanos, processos sociodemográficos, políticas públicas e gestão metropolitana. A revista publica textos de pesquisadores e estudiosos que discutem os efeitos das transformações socioespaciais no condicionamento do sistema político-institucional das cidades e os desafios colocados à adoção de modelos de gestão voltados à governança urbana e metropolitana.

Na Apresentação da edição nº 30, os editores da revista Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro e Lúcia Bógus mostram que as metrópoles brasileiras vivem um processo de apagão urbano relativo à mobilidade resultante da deterioração do transporte coletivo – sobretudo ao longo dos últimos vinte anos – e da precarização das condições de deslocamento nas áreas metropolitanas. Esse processo tem afetado a qualidade de vida da população, “agravada no caso dos trabalhadores de baixa renda que percorrem, em geral, grandes distâncias entre locais de trabalho, em áreas centrais, e a moradia, em regiões periféricas”.

Uma das causas desse caos urbano pode ser explicado pela priorização do modelo de transporte individual em detrimento dos transportes coletivos. O Brasil, por exemplo, terminou o ano de 2012 com uma frota total de 76.137.125 veículos automotores. Desde 2001, houve um aumento da ordem de 138,6%, uma vez que a quantidade de automóveis exatamente dobrou, passando de 24,5 milhões (2001) para os 50,2 milhões (2012). Em São Paulo, o acréscimo foi superior a 1 milhão no período 2001/2012; no Rio de Janeiro, a frota de motocicletas triplicou, passando de pouco mais de 98 mil para 472 mil.

Leia: “Evolução da frota de automóveis e motos no Brasil: Relatório 2013”

Por outro lado, segundo dados do Censo 2010, para chegar até seus locais de trabalho, cerca de 24,2 milhões de pessoas se deslocam diariamente, nas 15 metrópoles brasileiras, em tempo que se alonga na medida em que a frota cresce e que o sistema de transportes coletivos entra em colapso. Por trás dos indicadores, que apontam a piora das condições de deslocamento, está uma realidade ainda mais preocupante. Trata-se do fato de que as formas precárias e insuficientes de deslocamento, asseguradas por um sistema de mobilidade ineficiente, geraram efeitos contrários aos ganhos de renda obtidos pelos trabalhadores na atual conjuntura de geração de emprego. Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, por exemplo, moradores em áreas com fortes diferenças de mobilidade urbana podem perder até 22,8% do seu potencial de renda do trabalho, considerando o nível de escolaridade.

Segundo Luiz Cesar Ribeiro e Lúcia Bógus, o nº 30 da Revista Cadernos Metrópole tem como propósito contribuir para o debate do tema da mobilidade urbana “que constitui o grande desafio para planejadores e gestores, sobretudo de municípios metropolitanos. Os textos do dossiê abordam a mobilidade urbana sob diferentes ângulos e discutem a mudança de paradigma, tanto em relação ao transporte individual motorizado, como às políticas para o transporte de mercadorias em áreas urbanizadas, apontando suas consequências em termos dos investimentos em infraestruturas e dos elevados custos ambientais”.

Acesse no link a seguir a edição completa nº 30 da Revista Cadernos Metrópole.

 

APRESENTAÇÃO – REVISTA CADERNOS METRÓPOLE Nº 30

Lúcia Bógus

Luiz Cesar de Q. Ribeiro

No primeiro texto que compõe o dossiê Mobilidade urbana nas metrópoles brasileiras, Fernando Nunes da Silva afirma que “essa mudança de paradigma não se fez sem resistências e sem que, em certo momento, se tentassem ainda outras soluções que não pusessem em causa de modo tão evidente o papel do automóvel na mobilidade urbana”. De fato, conforme o autor, “para quem via no automóvel o maior símbolo da moderna industrialização, o principal motor das economias mais desenvolvidas e com os maiores interesses na exploração do petróleo (…), o (quase) incontestável fetiche do novo status urbano e, sem dúvida, o instrumento da democratização da mobilidade individual, tais constatações, mais que um alerta, constituíram um primeiro choque” (p. 380). Em seu texto, Nunes da Silva analisa a evolução das políticas de mobilidade e aponta algumas conclusões quanto aos caminhos a seguir, ressaltando as especificidades que existem nos diferentes países, mas também o que se pode aproveitar dos ensinamentos de um passado recente.

O texto de Wouter Jacobs et al. afirma que os problemas gerados pelo sistema de transporte, não apenas de pessoas, mas também de mercadorias, atingem até mesmo cidades menos centrais do ponto de vista das cadeias metropolitanas, como é o caso de Belém do Pará, na Amazônia brasileira. Ali, as cidades “como portais ou centros precisarão acomodar espacialmente o movimento de mercadorias físicas propriamente dito, com todos os tipos de efeitos externos que ocorrem” (p. 390). Alguns desses movimentos de mercadorias são voltados ao abastecimento da região metropolitana com bens de consumo e insumos de produção que garantem o funcionamento das empresas locais. Esse movimento de mercadorias gera, no entanto, custos sociais negativos em relação ao congestionamento e à poluição. Ao mesmo tempo, ainda conforme os autores, a elevação do valor da terra no núcleo urbano tende a deslocar os meios de distribuição de menor valor para as periferias urbanas “e, como tal, aumentar ainda mais os custos de transporte para atender a esse mesmo núcleo econômico urbano” (p. 391).

Focalizando o núcleo de uma das maiores áreas metropolitanas do país, o terceiro texto aborda a crise da mobilidade no Rio de Janeiro e discute as consequências dos grandes congestionamentos das vias públicas e dos ruídos excessivos para a saúde e para a qualidade de vida da população. Os autores, Renato Gama-Rosa Costa, Claudia G. Thaumaturgo da Silva e Simone Cynamon Cohen, lembram ainda que essa situação tenderá a agravar-se durante a realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, configurando uma situação de caos. E, retomando Le Corbusier, em seu livro Urbanismo (1925), relembram que:

“Descongestionar o centro das cidades para fazer frente às exigências do trânsito aumentar a densidade do centro das cidades para  realizar  o contato exigido dos negócios; aumentar os meios de circulação, ou seja, modificar completamente a concepção atual de rua,  que se acha  sem efeito ante o fenômeno novo dos meios de transporte modernos: metrôs ou carros, bondes, aviões; aumentar as  superfícies  arborizadas, único meio de assegurar a higiene sufi ciente e a calma útil ao trabalho atento exigido pelo ritmo novo dos  negócios”. (Le  Corbusier, 2000, p. 91)

Ampliando o debate para além da questão do transporte stricto sensu e destacando a integração da mobilidade com outras políticas setoriais, o texto de José Marcos Pinto da Cunha et al. analisa a mobilidade pendular da população residente em grandes aglomerados metropolitanos, tendo em vista a avaliação dos processos de interação e complementaridade no âmbito de tais aglomerados. O problema é discutido a partir do caso da Macrometrópole Paulista, que reúne quatro regiões metropolitanas e três aglomerações urbanas do estado de São Paulo, com uma população superior a 30 milhões de pessoas e que mantêm fortes relações com o município-polo da Região Metropolitana de São Paulo. O uso de dados censitários e as análises empíricas constituem elementos importantes para a compreensão do fenômeno presente em outras regiões metropolitanas brasileiras e aglomerados urbanos.

Um oportuno detalhamento das análises referentes à Macrometrópole Paulista é trazido pelo estudo de um caso representativo da região. Adriana Fornari Del Monte Fanelli e Wilson Ribeiro dos Santos Jr. focalizam a inserção do Aglomerado Urbano de Jundiaí (AUJ) naquele complexo metropolitano, apresentando importantes elementos para a compreensão da mobilidade intrametropolitana, no quadro de uma “aglomeração urbana intersticial”, situada entre as Regiões Metropolitanas de São Paulo e Campinas e com as quais mantém fortes ligações. Com base em dados demográficos e indicadores socioeconômicos, os autores consideram a mobilidade como um fator estruturante da forma urbana do AUJ com desdobramentos sobre o processo de redistribuição da população no contexto regional.

O texto de Ivanilde Maria de Rezende Abdala e Antônio Pasqualetto trabalha o conceito de mobilidade urbana sustentável em suas interações com o ambiente urbano mais amplo e com a qualidade de vida da população. O trabalho discute o alcance do Índice de Mobilidade Urbana (Imus), calculado de acordo com metodologia específica, para algumas cidades brasileiras, e toma como base a aplicação desse índice na cidade de Goiânia. Ponderando que as soluções para os problemas de trânsito e transporte não podem ser desvinculadas de outras dimensões da política urbana, os autores destacam o Imus como importante ferramenta para a formulação, implantação e monitoramento de políticas públicas voltadas à mobilidade urbana sustentável.

Tratando questão recorrente que tem se agravado em todas as cidades brasileiras, a despeito de seu tamanho populacional ou de sua configuração urbana, Carlos Lobo, Leandro Cardoso e David J. A. V. Magalhães estudam o problema da mobilidade na Região Metropolitana de Belo Horizonte que, como as demais metrópoles nacionais, apresenta condições inadequadas para o deslocamento de pessoas e mercadorias, com o registro de elevados índices de acidentes, problemas de congestionamento e poluição ambiental, além da presença de outros fatores que “impactam negativamente a vida das pessoas e as diversas atividades sociais e econômicas” (p. 513). O texto tem por objetivo a elaboração e análise de indicadores de acessibilidade e de mobilidade espacial nos fluxos da RMBH, a partir de dados da base amostral do censo demográfico de 2010 e constitui uma contribuição relevante para o debate em pauta.

As dificuldades de enfrentamento dos problemas ligados à mobilidade urbana, amplamente tratadas no conjunto dos textos do dossiê, são bem exemplificadas em artigo sobre “A via portuária de Salvador: mobilidade na capital baiana a partir de intervenções viárias”. Nesse texto, os autores analisam as contribuições do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na obra rodoviária da Via Portuária no Bairro do Cabula, em Salvador/Bahia. Com base em levantamentos bibliográficos e em pesquisa exploratória, para avaliar a capacidade da referida obra de ampliar as condições de mobilidade, os autores concluíram que ela – com término inicialmente previsto para 2010 –, uma vez finalizada, trará maior interligação entre o Porto de Salvador, a Base Naval de Aratu e o Centro Industrial de Aratu, contribuindo também para a melhoria de outras ligações regionais e nacionais.

O artigo de Regina Meyer Branski, Elisa Eroles Freire Nunes e Orlando Fontes Lima Jr. discute os desafios colocados pela realização da Copa do Mundo de 2014, no Brasil, e busca avaliar se os investimentos em infraestruturas físicas e, especificamente, em sistemas de transporte constituirão um legado positivo após a realização do evento. Com base em metodologia utilizada em estudos realizados nos países que sediaram as copas anteriores, notadamente Alemanha e África do Sul, os autores apontam que os investimentos em sistemas de transporte, no caso do Brasil, não atendem às necessidades das cidades-sede, havendo também o risco de os estádios permanecerem subutilizados, a exemplo do ocorrido na África do Sul.

Partindo de estudos anteriores e das pautas recentes dos Planos Diretores Municipais, Paulo Nascimento Neto e Tomás Antonio Moreira discutem o papel das operações consorciadas como mecanismos de recuperação de mais-valias fundiárias urbanas. Ampliando o debate já existente, analisam as possibilidades da Operação Urbana Consorciada da Linha Verde, em Curitiba-Paraná, em fase de implantação, e seu potencial para alavancar transformações urbanas e direcionar adequada alocação e gestão dos recursos públicos.

Os textos complementares ao dossiê reúnem trabalhos que, de algum modo, contribuem para o conjunto das discussões, com referências, ainda que indiretas, aos problemas da mobilidade urbana. Nesse conjunto, é dado destaque aos planos urbanísticos e ao protagonismo das cidades num contexto de rápidas mudanças. Luís Carvalho e Jorge Gonçalves analisam o potencial dos planos urbanísticos elaborados para a cidade de Lisboa, apontando a limitação desses planos na medida em que não incorporaram, de maneira adequada, a incerteza e o risco na construção de um futuro sustentável para a cidade.

O texto de Felipe Fernandes de Araújo nos conduz a outro contexto, o da cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, e, mais especificamente, ao Bairro de Ponta Negra. Aí, a questão da sustentabilidade ambiental e social emerge da discussão dos processos de produção do espaço urbano e da mudança na forma urbana, com intensa verticalização da área e consequências perversas para a população originariamente residente.

Indagando se as restrições ambientais constituem oportunidade para o desenvolvimento sustentável, Harry Alberto Bollmann, Daniele Costacurta Gasparin e Fabio Duarte deslocam o debate para a Região Metropolitana de Curitiba e discutem os danos da expansão desordenada das áreas urbanas. A partir de extensa revisão da literatura, apontam a necessidade de mudanças nas formas de gestão das cidades, de modo a “reduzir os conflitos socioambientais e a diminuir o efeito da poluição gerada no ambiente urbano sobre o meio natural” (p. 646). O texto apresenta, também, os resultados de estudo de caso sobre a percepção da população residente e de representantes de instituições governamentais acerca da conservação de manancial aquífero subterrâneo na Região Metropolitana de Curitiba.

A diversidade e, ao mesmo tempo, a convergência dos debates trazidos por esse conjunto de textos constituem um convite à reflexão e à busca de novas estratégias para a gestão das cidade.

Acesse no link a seguir a edição completa nº 30 da Revista Cadernos Metrópole.

 

Leia também:

Cadernos Metrópole nº 29 – Dossiê: Sustentabilidade nas Metrópoles

 

Última modificação em 17-04-2014 18:26:37