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Diante de um contexto de mudanças e retrocesso das políticas urbanas e de habitação no país implementadas pelo Governo Michel Temer (como o caso da MP 759), torna-se cada vez mais necessário analisar temas como questão fundiária, financiamento imobiliário, periferização, assentamentos informais e ocupações urbanas no Brasil. Para contribuir com o debate, a Rede INCT Observatório das Metrópoles divulga o Dossiê “Políticas Públicas e Formas de Provisão de Moradia”, destaque da Revista Cadernos Metrópole, com o objetivo de construir uma perspectiva crítica sobre as tendências recentes na Política Habitacional.

Após duas décadas de obscuridade, o tema da habitação voltou a ganhar centralidade na agenda política, particularmente partir de meados da década de 2000, não apenas no Brasil como em outros países da América Latina. No entanto, isso não se fez sem uma certa ambiguidade. Embora a moradia se trate de um bem de inegável importância para a reprodução social, as políticas recentes, visando a provisão de novas oportunidades ou o melhoramento das condições habitacionais existentes, estiveram subordinadas a objetivos de promoção de crescimento econômico. E não necessariamente estes objetivos são compatíveis com aqueles relativos ao atendimento às necessidades.

Outra ambiguidade pode ser identificada através da importância do princípio do direito à moradia na concepção e na implementação das políticas de habitação. Se, por um lado, a regularização fundiária e a urbanização de assentamentos precários ganharam importância crescente nas políticas públicas, em todos os níveis de governo, nos anos recentes estas passam a conviver com ações de renovação urbana e de realização de grandes obras que implicam em despejos forçados e deslocamentos de parcelas importantes da população para periferias distantes.

A centralidade da política habitacional na agenda pública e os modelos de intervenção adotados trazem de volta ao debate contemporâneo temas característicos da década de 1970, como o crescimento periférico e a segregação socioespacial. Mas que periferias são essas, que hoje crescem não mais pela autoconstrução em loteamentos clandestinos e irregulares mas, sim, através da construção de empreendimentos de grande porte? De que forma as novas centralidades periféricas suprem (ou não) as necessidades de acesso aos serviços e equipamentos para a população que ali reside?

Um tema importante que ocupou fortemente a agenda da pesquisa urbana na década de 1980 dizia respeito aos condomínios fechados, vistos como uma forma de autossegregação das elites, reconfigurando a noção da periferia como um espaço exclusivo das classes populares. No entanto, hoje a “forma condomínio”, como modelo de ocupação do espaço ou como forma de organização e gestão dos espaços coletivos do cotidiano, ganha universalidade, estando presente também nos espaços populares e particularmente nos novos conjuntos habitacionais. Quais as consequências desse processo, do ponto de vista da construção dos tecidos urbanos e dos espaços públicos, ou do ponto de vista da gestão do cotidiano popular?

Fora do âmbito imediato das políticas públicas (mas, de alguma forma, dependentes dessas) verificam-se também transformações importantes entre os atores responsáveis pela provisão da moradia. Alguns estudos já apontam importantes transformações nas formas de organização do capital na esfera da construção civil, tendo ocorrido um forte processo de centralização e concentração do capital no setor, articulados a processos de financeirização, com impactos fortes também na base tecnológica de produção, na escala de atuação das empresas e ainda nas formas de gestão dos canteiros de obra. Por outro lado, os movimentos de moradia voltados à produção autogestionária ganham também uma maior escala de atuação, passando a disputar os recursos destinados à provisão habitacional, ao mesmo tempo em que permanecem tensionando as políticas locais e nacionais com ocupações e manifestações.

Por fim, permanece como uma continuidade, ainda pouco tocada pelas políticas públicas, o problema do acesso à terra urbanizada. Problema que se agrava com o boom imobiliário, com a disponibilização de recursos de financiamento e de subsídio que aumentam substancialmente a demanda por terra, e que tem como contrapartida a inoperância dos instrumentos de política fundiária estabelecidos pelo Estatuto das Cidades e a ausência de programas de investimentos em infraestrutura urbana, particularmente de transportes e saneamento.

REVISTA CADERNOS METRÓPOLE Nº 35

Políticas públicas e formas de provisão da moradia: continuidades e rupturas

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MP 759 e a ofensiva conservadora-liberal: a desconstrução da Regularização fundiária no Brasil

Cadernos Metrópole é A1 no Qualis Capes

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Última modificação em 03-03-2017 17:59:49