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Por Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro
Coordenador Nacional do INCT Observatório das Metrópoles

Devemos colocar em discussão crítica na sociedade e na mídia, a categoria de “desastres naturais” difundida pelos veículos de comunicação de massa e incorporada no senso comum da população? A rigor, a natureza funciona em sua dinâmica cíclica própria de equilibro-desequilíbrio-reequilíbrio. Os desastres são gerados pela ação da lógica de apropriação da natureza como recurso para fins da acumulação privada da riqueza, exacerbada nesta etapa liberal, financeira e neoextrativista do capitalismo e alterando este ciclo natural.

Os desastres resultam da concentração em determinados locais dos efeitos combinados das várias escalas em que esta dinâmica destrutiva se realiza. Há, portanto, um desastre capitalista sobre a natureza. Está em curso neste capitalismo um outro “moinho satânico” Polanyiano.

Como se sabe, Karl Polanyi acreditava que as guerras e crises econômicas da primeira metade do século XX eram consequências do sistema de mercados autorreguláveis, uma vez que este implicava a constituição da economia como uma esfera separada da sociedade, e a subordinação de todos os aspectos da vida humana às relações de mercado. Agora são os “desastres naturais”, além das guerras, a expressão desta separação.

Sei que estas ideias são quase um truísmo, pois todos nós as compartilhamos. O desafio é desconstruir este consenso conservador em torno da ideia de desastre natural, e convencer a sociedade de que precisamos construir outro marco civilizatório para a nossa relação com a natureza e com reformarmos as nossas cidades.

Tarefa difícil, porque governos estaduais, municipais e mesmo o federal no período anterior, vêm atuando na mercantilização das terras, através da destruição do frágil sistema de proteção e regulação do uso das áreas ambientais, que deveriam ser preservadas por políticas locais de preparação das cidades para os efeitos do aquecimento climático. Está em funcionamento no Brasil vários “moinhos satânicos” mercantilizando o uso da natureza, em nome dos negócios neoextrativistas, da agricultura predatória ao extrativismo dos recursos naturais.

Foto: Lauro Alves (SECOM).

E o exemplo do que fez o governador ultraliberal Eduardo Leite, ao alterar em 500 pontos do avançado Código Ambiental do Rio Grande do Sul, como mostra a matéria publicada pelo Brasil de Fato, intitulada “Eduardo Leite cortou ou alterou quase 500 pontos do Código Ambiental do RS em 2019”.

Pode não ser a causa direta com a extensão da tragédia que atinge o Rio Grande de Sul, mas é, certamente, uma variável importante a ser considerada para compreender a ausência de ações do governo estadual, no fortalecimento dos mecanismos de proteção de Porto Alegre construídos após as enchentes de 1941.

Segundo a matéria do Brasil de Fato acima mencionada, a devastação do Código deixou os ambientalistas gaúchos em pé de guerra. “É um projeto desestruturante, destruidor e prostituinte, porque prostitui a questão ambiental numa liberalização infundada que destrói 10 anos de trabalho”, reagiu Francisco Milanez, então presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), a mais antiga entidade ambientalista do país, fundada por Lutzenberger. “É uma proposta leviana e precipitada. Deixa fazer o que (os empresários) quiserem”, disse.

Passado o momento das urgências e tendo diminuída as dores das perdas, como acadêmicos e pesquisadores devemos nos empenhar na promoção do debate na sociedade sobre as causas sociais  deste desastre e as responsabilidades políticas, para além da menção ao fenômeno do aquecimento climático global, que embora real é mobilizado para naturalizar a ação do moinho satânico do capitalismo ultraliberal e suas práticas predatórias.

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