Durante o XXI ENANPUR (Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional), ocorreu uma Sessão Especial para marcar o lançamento da coletânea “A nova urbanização dependente no capitalismo rentista-neoextrativista”. A atividade foi realizada como forma de apresentação mais ampla da obra organizada pelo coordenador nacional do INCT Observatório das Metrópoles, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, e pelo pesquisador do Núcleo Rio de Janeiro, Nelson Diniz. Dividida em cinco partes, com 24 capítulos escritos por 42 autores e autoras nacionais e internacionais, a coletânea soma 840 páginas. Todo o projeto de publicação está disponível em um blog criado com o material do projeto. O livro está à venda no site da Letra Capital Editora (para adquiri-lo, clique aqui).
Um dos convidados da Sessão Especial foi o pesquisador do Núcleo Rio de Janeiro, Alexandre Yassu. Ele é um dos autores do Capítulo 18, intitulado “Finanças, infraestrutura e o espaço nacional: da integração produtiva à desintegração neoextrativista da nação”, em parceria com o professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), Jeroen Klink. Na ocasião, Yassu explicou que o capítulo procurou investigar como os nexos entre logística, finanças, agronegócio e o Estado, vem reestruturando e reorganizando o espaço nacional. Segundo o pesquisador, a inflexão dos anos 1980, que também acontece no Brasil pela inserção passiva e por um ajuste exportador, por transformações do capitalismo global, vão impactar sobre o novo momento de arranjo da Divisão Internacional do Trabalho, da forma de inserção do país e das possíveis transformações do complexo produtivo que estava sendo formado nos 50 anos de industrialização.
“Dialogamos com formulações teóricas sobre a fragmentação da nação, onde exploram os impactos da globalização nesse período que se inicia nos anos 1980, principalmente preocupado com a desarticulação dos laços de solidariedade existentes e formados no complexo produtivo ao longo de 50 anos de industrialização, dos novos requisitos corporativos no território, da nova geografia econômica, do reposicionamento do país na Divisão Internacional do Trabalho, cada vez mais voltado para fora, e os novos padrões de concentração, tanto da atividade produtiva e das novas dinâmicas de desigualdade regional”, salientou.
Yassu mencionou o recorte da questão dos novos requisitos da alocação e dos requisitos locacionais das indústrias, principalmente em um olhar sobre a infraestrutura e as políticas macroeconômicas e setoriais. “É um momento de fragmentação da nação. E eu uso também nesse diálogo a formulação de desintegração competitiva, que fala do planejamento que surge nos anos 90 no governo Fernando Henrique, dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, como também uma dinâmica de desintegração da nação, a partir desse planejamento focado em territórios competitivos”, pontuou.
Segundo ele, existe um senso comum de que se inaugura um novo período, colocado como neoextrativismo. Nesse sentido, como um padrão de reprodução do capital baseado nas exportações de recursos naturais, que também está na questão histórica, o que teria de novo são os grandes empreendimentos produtivos, logísticos e financeiros, muito intensivos em capital e com outros tipos de articulação, principalmente através das finanças e da logística. “Sobre o neoextrativismo como projeto político de conciliação, que também é uma coisa histórica, mas que já estava previsto, é essa expansão territorial”, observou. Para Yassu, estaria sendo transformado esse padrão de reprodução do capital no país para um padrão de reprodução do capital exportador de especialização produtiva, para entender como se forma um arranjo espacial, uma geografia nova para a reprodução desse padrão de acumulação do capital.
“Nesse capítulo, tentamos entender esse avanço numa periodização pós-democratização a partir do governo Fernando Henrique, olhando o que chamamos de dispositivos de abertura de fronteiras, que seriam formas de reorganização corporativa, centralização de capitais, uma série de legislações que vão surgindo nos anos 90, nos governos neoliberais, regulações sobre a terra e tecnologias como sementes, que são dispositivos de expansão dessas fronteiras”, analisou. De acordo com ele, isso é importante porque ao olhar a logística e o planejamento, esses dispositivos se retroalimentam, ou seja, se o agronegócio vai cada vez mais profundo no território, cada vez mais precisa de infraestrutura e projetos maiores para buscar a soja no interior do país.
“Isso porque, ao longo desse período de Fernando Henrique, dos governos do Partido dos Trabalhadores, Bolsonaro e Temer, essa leitura foi meio conjunta para entender esses dispositivos de abertura de fronteiras e as transformações do planejamento e da infraestrutura com a financeirização”, afirmou. Ele explica que os avanços dessa coalizão desintegradora neoextrativista seriam os nexos entre finanças, infraestrutura e o neoextrativismo. “Mas não coalizões no sentido dos estudos de bloco de poder, no sentido da ciência política, mostrando um pouco da evolução desse bloco de poder do agronegócio no Estado brasileiro, a partir das ações. Ou seja, como isso vai se manifestando em transformações e o poder deles articular em muitas frentes. Uma ação orquestrada muito complexa, que hoje eu reflito como essa coalizão com dimensões políticas, intelectuais, com projeto consolidado e uma capacidade muito grande de se organizar”, refletiu.
Seguindo com a apresentação, Yassu comentou que o período Fernando Henrique foi de uma intensa neoliberalização do Estado, ligada a um processo intenso de centralização de capital no agronegócio, ou seja, dos dispositivos de expansão de fronteiras. “Por exemplo, a empresa Cargill compra uma grande empresa que era uma das maiores detentoras de conhecimento bioquímico e de biotecnologia, de conhecimentos do bioma do Cerrado, e ela adquire essa empresa, ou seja, ela adquire um instrumento de se expandir territorialmente”, pontuou. Segundo ele, não só Fernando Henrique também desmonta o sistema de armazenagem nacional que tinha da Conab e outros sistemas de armazenamento públicos, mas também dá abertura para iniciar o sistema de armazenagem privado, que tem grandes impactos, porque esse sistema regula preços de alimentos. “Ele vai deixar de se abastecer de determinados alimentos para estocar commodity, que vai pagar mais e, então, isso tem um impacto no sistema alimentar do país”, ponderou.

Alexandre Yassu durante apresentação na Sessão Especial. Foto: Karina Soares.
Também há o avanço da financeirização ativa, uma transformação das infraestruturas com as concessões e a chamada retomada do planejamento que foram os eixos nacionais de integração e desenvolvimento. Conforme Yassu, o governo Lula entrou com um momento de conciliação neoextrativista mais orquestrado e bem delineado, com estratégias em vários desses setores, e ainda com dispositivos de expansão das fronteiras, com as leis dos transgênicos e o avanço das sementes geneticamente modificadas que se permitiram a expansão da soja em outros biomas, o Código Florestal, o PAC, a expansão do Plano Safra e os novos papéis do BNDES. “Mas, também, o governo em vez de talvez intervir mais nesse sistema de abastecimento, o BNDES vai entrar para financiar silos dentro da lógica privada, ou seja, são produção imobiliária de silos, financiado pelo BNDES sob essa lógica do domínio das grandes corporações”, observou.
Por fim, o governo Bolsonaro/Temer afirma o caráter autoritário desse setor, que quando tem certos bloqueios ao acúmulo centralizado na terra, nas fugas para frente, esses setores se voltam ao autoritarismo sempre que necessário. Yassu também falou que no campo do planejamento sobre o comando do ministro Tarcísio Gomes de Freitas, é elaborado o Plano Nacional de Logística, que avança numa lógica de uso privado do território, junto com a agenda que vai sendo posta politicamente do Arco Norte. “Isso para fazer um parâmetro para caracterizar um pouco esses ciclos, a respeito dessa coalizão é como o agronegócio e esses setores entram no planejamento e na infraestrutura”, pontuou.
Para ele, no campo do planejamento, os eixos nacionais de integração e desenvolvimento dão abertura, como resgate de um planejamento, após os períodos de ditadura dos Planos Nacionais de Desenvolvimento. “É um regate com novas linguagens e novos léxicos dos corredores, não que os corredores sejam uma novidade no planejamento regional, mas eles entram a partir de formulações do Eliezer Batista, pai do Eike Batista, que quando era presidente da Vale elaborou um estudo de corredores logísticos para ligar Minas Gerais a Portos, o que seria uma nova estratégia de desenvolvimento nacional, que depois influencia os eixos nacionais de desenvolvimento”, exemplificou.
No governo Lula, de acordo com o pesquisador, o planejamento logístico foi focado em corredores de exportação, que tem um apagamento do território. Ele aponta que no dia de lançamento do PAC e do Plano Nacional de Desenvolvimento Regional, este último foi esvaziado sem o seu fundo de financiamento, e o PAC totalmente atrelado ao Plano Nacional de Logística e Transporte. “Acompanhando essa lógica de domínio corporativo do território, principalmente, da logística como essa ciência corporativa, que vai para além de transportes, porque ela controla fluxos, estoques, a cadeia produtiva desde a produção, da circulação e do consumo. A financeirização tem importância muito grande, porque ela vai influenciar a formação de preços e permite capturas de capitais fictícios ao longo dessas transações”, ressaltou. Conforme Yassu, o PAC se cola no Plano Nacional de Logística e Transportes e vai caminhar junto, como um efetivo plano de política regional.
No governo Temer começa a elaboração do Plano Nacional de Logística na empresa de planejamento de logística, que é uma empresa criada no governo Dilma, que tem já essa lógica, tanto financeira por trás das modelagens, etc., mas como essa lógica logística que é o oposto do planejamento regional, que visa planejar, pensar novos setores, novos desenvolvimentos regionais, novas potencialidades do território. “A lógica da logística é a do cálculo das tonelagens, dos valores, e tende a fomentar esses setores. A Comissão Técnica de Logística passa a influenciar a elaboração desses planos no Plano Nacional de Logística, materializado principalmente no Arco Norte, que surge da Comissão Técnica de Logística. Ou seja, então, o setor do agro vai cercando o Plano Nacional de Logística para se moldar do jeito que efetivamente eles desejam”, comentou.
Por outro lado, a infraestrutura dentro da financeirização dos instrumentos vai se encontrar o planejamento, porque a Empresa de Planejamento e Logística elabora os planos e, também, modela os contratos. Conforme Yassu, a busca por liquidez e rentabilidade das finanças vai encontrar suporte nos planos que já montam uma agenda de parcerias, que dos lugares onde tem os fluxos mais interessantes a serem capturados. Ou seja, é um encontro dessas finanças, do agronegócio e desses fluxos dos espaços competitivos.
No contexto pós-operação Lava Jato, além disso, as empresas mesmo do agronegócio e da mineração passaram a operar diretamente infraestruturas, tanto primeiro nos portos privados, como em ferrovias e rodovias. “Esse sistema que se monta de planejamento e da financeirização da infraestrutura, nesses contratos, vai se montando no mecanismo de controle complexo do território e dos processos decisórios sobre quais infraestruturas fazer ou não fazer num contexto de austeridade fiscal mais agravado ainda, sobre quais fluxos devem ser incentivados ou escolhidos para serem alvo de projetos. Então, agravando o processo de fragmentação do território e sendo essa política, de fato, de formação do território nacional”, concluiu o pesquisador.