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Metrópole latino-americana e a fragmentação urbana

By 22/04/2014janeiro 25th, 2018Artigos Científicos, Revistas Científicas

Cidade do México

Neste artigo Michael Chetry aborda um tema muito presente na literatura latino-americana, mas pouco definido conceitualmente: a fragmentação urbana. Este termo se refere às mudanças na organização social do espaço urbano como consequências da inserção cada vez maior das metrópoles na globalização. A abordagem diz respeito ao desenvolvimento da noção de fragmentação nos estudos dedicados às cidades na América Latina, enfatizando os seus limites, bem como as suas contribuições na análise das diferenciações socioespaciais em relação a outros conceitos utilizados comumente, como os de centro-periferia ou de segregação.

Michael Chetry é pesquisador do Observatório das Metrópoles via bolsa de Pós-Doutorado da FAPERJ no IPPUR/UFRJ, possui doutorado em Geografia e Planejamento Urbano pela Université Jean Moulin – Lyon 3 (França) e mestrado em Planejamento Urbano pela Institut d’Urbanisme de Lyon (2004). O artigo dele “Os conceitos da metrópole latino-americana contemporânea” é um dos destaques da edição nº 16 da Revista eletrônica e-metropolis.

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INTRODUÇÃO

Por Michael Chetry

A fragmentação urbana tem sido objeto, durante os últimos vinte anos, de uma literatura abundante, sendo apresentada atualmente como uma característica comum a todas as grandes cidades, tanto do norte como do sul. Raramente, uma noção tem sido tão presente em tantas disciplinas, revelando o seu caráter altamente multidimensional, desdobrando-se em componentes espaciais, econômicos, políticos e sociais. As diferentes abordagens sobre fragmentação estabelecem uma conexão entre as dinâmicas espaciais relacionadas com a metropolização e a globalização (mobilidade, dispersão,…) e os processos de “estouro” da unidade social urbana. Ou seja, “a noção de fragmentação pode servir então como resumo dos efeitos socioespaciais da globalização sobre o urbano” (GERVAIS-LAMBONY, 2004, p. 59). Essa acepção, um pouco vaga, faz com que a noção seja usada numa diversidade de sentidos, o que certamente contribui para sua riqueza, mas lhe confere também certa ambiguidade.

Assim, na América Latina, como em outros lugares, a fragmentação se instalou na pesquisa urbana sem ter sido submetida a uma reflexão crítica. Este artigo não tem como objetivo fazer uma análise epistemológica propriamente dita da fragmentação, mas, mais modestamente, levantar alguns pontos sobre sua aplicação no contexto latino-americano e trazer alguns esclarecimentos conceituais a fim de fornecer elementos ao debate em torno deste tema. Além de se basear na literatura latino-americana, serão utilizados trabalhos científicos realizados no meio acadêmico francês, nos quais o uso da fragmentação é acompanhado, de uma forma ou de outra, de uma tentativa de desconstrução do conceito.

USO E ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA NOÇÃO DE FRAGMENTAÇÃO NA AMÉRICA LATINA

Um novo padrão de segregação Na América Latina, o surgimento e a difusão do termo fragmentação na literatura dedicada à cidade está associado à aparição de novas formas de segregação socioespacial nas grandes metrópoles. A noção foi utilizada pela primeira vez por Milton Santos (1990a, 1990b), em referência ao aumento da pobreza no centro de São Paulo, que ele interpretou como um processo de “involução urbana”1. Em paralelo, obser- va-se um movimento contrário, aquele de difusão das

classes médias e altas nos municípios periféricos. Embora esse fenômeno possa ser interpretado como uma diminuição da segregação na esfera metropolitana, para alguns autores, ele corresponde apenas a uma simples redistribuição espacial e, no pior dos casos, a um agravamento da pobreza (ROLNIK et al., 1990). Esta evolução é acompanhada por novas formas de urbanização com o surgimento de áreas residenciais ou comerciais exclusivas, como os condomínios fechados e os shoppings centers.

Em outras palavras, as tendências que ocorrem nas cidades latino-americanas convergiriam para instalar um “novo padrão de segregação”, fragmentado e excludente, resultando na transformação, por um lado, da escala da segregação com a redução da distância física entre ricos e pobres e, por outro, na natureza da segregação com a formação de enclaves no tecido urbano, seja pela autossegregação das camadas superiores e médias, seja pela crescente estigmatização dos espaços de pobreza com espaços da violência (LAGO, 2002). Vários estudos confirmam que outras grandes cidades da América Latina experimentam uma mudança similar de um padrão de segregação para um modelo fragmentado: Buenos Aires (PRÉVÔT-SCHAPIRA, 2001), Santiago do Chile (SABATINI, 1999), Montevidéu (VEIGA, 2005), Caracas (CARIOLA e LACABANA, 2001), São Paulo (CALDERIA, 2000).

A invalidação do modelo da cidade dual?

Essas mudanças são particularmente perceptíveis na América Latina devido ao fato de que o conjunto desses processos coloca em questão o modelo dual centro-periferia que não parece mais capaz de compreender a nova organização do espaço urbano. Muito provavelmente, o encontro dessa descoberta com um terreno fértil propiciou o sucesso da noção de fragmentação no continente. O padrão centro-periferia foi o modelo dominante no período desenvolvimentista dos anos 1940 até os anos 1980, para descrever e explicar a dinâmica de organização das metrópoles latino-americanas. Ele opunha o centro, lugar de concentração do capital, dos investimentos e das categorias superiores e médias, à periferia pobre e desprovida de infraestruturas e de equipamentos. No entanto, esse conceito, elaborado no âmbito do pensamento econômico marxista, não significa a exclusão, mas sim uma forma de integração desigual entre um centro dominante e de uma periferia dominada.

Portanto, para muitos autores, as mudanças que ocorrem no espaço urbano das grandes cidades a partir dos anos 1980 são interpretadas como uma ruptura fundamental nos modos de produção da cidade, ou até mesmo como o nascimento de uma nova ordem urbana. Outros interrogam, em vez disso, certa continuidade dos processos anteriores que “aprofundariam na era neoliberal, uma brecha aberta pelo planejamento e a industrialização fordista” (CAPRON & ALBA, 2007). Lago (2002) demonstra, no caso do Rio de Janeiro, que os anos 1980 foram marcados, por um lado, pela reprodução da lógica segregadora nas políticas de investimento em equipamento e serviços urbanos, que continuam a beneficiar o centro em detrimento da periferia; e, por outro, pela relativa estabilidade da estrutura socioespacial.

De fato, muitos autores vêm adotando uma posição intermediária, analisando essas mudanças como uma superposição de novos processos sobre o modelo centro-periferia em vez de invalidá-lo. Embora a dúvida quanto a saber se a noção de fragmentação corresponde realmente a uma transformação dos fatos já existentes ou apenas reflete uma nova leitura deles aparecesse muito cedo, a reflexão em torno dessas questões vai contribuir para consolidar o termo de fragmentação (ao lado de outros como partição, ruptura etc.) para caracterizar esta nova organização do espaço urbano.

 

Acesse o artigo completo “Os conceitos da metrópole latino-americana contemporânea”, na edição nº 16 da Revista e-metropolis.