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Cerca de 100 integrantes dos 21 Núcleos Regionais do INCT Observatório das Metrópoles estiveram reunidos no Seminário Nacional da rede. Com o tema, “Transformações da Ordem Urbana e Estratégias de Desenvolvimento Urbano Inclusivo, Igualitário, Democrático e Ambientalmente Sustentável”, título do novo programa de pesquisa 2025-2030, o evento ocorreu no Rio de Janeiro, entre os dias 28 e 31 de julho.

“Este seminário teve como objetivo discutir o marco teórico que deve formar e orientar o novo programa de pesquisa que vamos iniciar no segundo semestre deste ano. Faz parte da nossa prática de pesquisa construir coletivamente, de maneira compartilhada, as nossas referências, os conceitos e as hipóteses que devem ser adotadas nos vários projetos”, ressaltou o coordenador da rede Observatório das Metrópoles, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro.

A primeira atividade do seminário foi uma apresentação do programa de pesquisa, realizada pelo coordenador do novo projeto INCT Observatório das Metrópoles, Orlando Santos Junior. “Pretendemos colocar o debate do desenvolvimento em torno das metrópoles no centro do debate nacional. Vamos atualizar a leitura da ordem urbana brasileira, em um eixo mais voltado para a pesquisa acadêmica, e um segundo eixo voltado a uma ação mais propositiva para a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano”, salientou. Após a fala de Santos Junior, o seminário iniciou com a mesa de abertura “O Brasil nas mudanças estruturais do capitalismo do século XXI: a dominância rentista neoextrativista“. Os expositores foram o presidente do IBGE, Marcio Pochmann, e o professor da UFRJ, Carlos Eduardo Martins.

Segundo Pochmann, o Observatório é uma referência fundamental nas questões de desenvolvimento urbano no Brasil. “O tema da mesa reafirma o conceito e a visão do capitalismo”, disse. Durante a apresentação, ele informou que a partir de 2040 o Brasil terá uma estagnação da população. “Este é um ponto importante para se pensar políticas públicas, porque isso vem acompanhado do processo de envelhecimento e mudança demográfica”, mencionou. Pochmann também comentou sobre o fato de que as regiões litorâneas no Brasil foram se transformando em vazios industriais com ocupações precárias e população dependente de transferência de renda.

“Hoje, temos mais de 40% da população vivendo de transferência de renda e uma parcela enorme está nas regiões litorâneas”, revelou. Conforme o presidente do IBGE, há 40 anos existem debates sobre como seria o Brasil, mas o debate sobre o futuro é quase cancelado. “Temos a ideia de que o passado pode continuar nos sucedendo, mas parece que estamos de fato vivendo uma mudança de época, e podemos buscar fazer história com nossas próprias mãos. Vamos construir conhecimento que ofereça uma transformação para a realidade nacional”, avaliou.

Após a apresentação de Pochmann, o professor da UFRJ, Carlos Eduardo Martins, foi o segundo expositor da mesa de abertura. “É fundamental situar o capitalismo contemporâneo na história. Há um período de acumulação primitiva, depois uma revolução científico-técnica, e isso gera contradições”, afirmou. Para ele, uma forma de contradição é a financeirização, gerando o capital fictício, que não é produzido nas relações de trabalho, mas depende do emprego do monopólio da força de trabalho da população. “Há um movimento de substituição da força de trabalho e, para reduzir os custos de produção nos países centrais, o resultado é a superexploração do trabalhador. É a vitória do capital sobre os trabalhadores e o declínio produtivo no âmbito da divisão internacional do trabalho”, explicou.

De acordo com Martins, a partir do golpe de 1964, o Brasil manteve uma estrutura econômica concentrada no monopólio da terra pelo agronegócio, e começou a financeirizar a economia para transferir valor e manter uma reserva fora do país. “A burguesia se financeirizou de forma brutal e o Brasil é o principal caso de desindustrialização do mundo”, ponderou. Segundo ele, com a revolução e criação de um paradigma tecnológico, exigindo dinâmica de extração de recursos naturais, as terras raras estão sendo disputadas no mundo. “Se o extrativismo se coloca como necessidade, a reprimarização é uma forma de se inserir nesse mundo de maneira específica, e certamente é o objetivo dos EUA com os países da América Latina para que possa enfrentar o novo poder emergente”, observou Martins.

Para Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, não há como promover cidades diferentes das que temos hoje se não houver transformação do modelo de padrão de acumulação, denominado rentismo-neoextrativismo. “Hoje, somos um paraíso do capital fictício, com capacidade de impor decisões espoliativas, ou seja, uma lógica de acumulação”, refletiu. Sobre a contribuição que o debate urbano pode gerar na busca de alternativas ao fascismo e a construção de uma social-democracia, ele afirma: “É necessário mudar a lógica de capitalismo que se apropria da força do trabalho. A burguesia muito mais compradora hoje viabiliza esse imperialismo em seu favor, e a mudança desse padrão seria possível com um projeto político de transformação, vencendo o processo de fragmentação e alienação das camadas populares”, analisou Ribeiro.

Mesa redonda debateu a nova ordem urbano-regional

A primeira mesa redonda do seminário, que ocorreu na tarde do dia 28, debateu “A nova ordem urbano-regional: hipóteses de pesquisa sobre mudanças e continuidades“. Os expositores foram Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro e os professores do Colégio Pedro II, Igor Matela e Nelson Diniz. O coordenador foi o professor da UFRN, Alexsandro Ferreira e a debatedora foi a professora da UFRJ, Luciana Lago. O tema foi a pesquisa que se desdobrou no livro “A nova urbanização dependente no capitalismo rentista-neoextrativista”, organizado por Ribeiro e Diniz. “O projeto teve como finalidade fazer uma investigação teórico conceitual para propor o novo marco teórico ao Observatório, dando conta da ordem urbano-regional brasileira e o novo padrão em função da reprimarização”, salientou Ribeiro.

Mesa 1 “A nova ordem urbano-regional: hipóteses de pesquisa sobre mudanças e continuidades”. Foto: Karina Soares.

Segundo ele, o capitalismo vem passando por uma série de transformações em virtude da própria reestruturação produtiva e outros processos, como o rentismo e a dominação financeiro-tecnológica. “É um novo poder global, que permite extrair valor ‘de fora’ dos processos de produção”, pontuou. Como reflexão, Ribeiro indica a ideia de que é necessário pensar um projeto de desenvolvimento urbano que realize a inclusão, igualdade, democracia e sustentabilidade. “Trata-se de um projeto político-econômico que coloca o tema do urbano junto com o desenvolvimento nacional”, afirma.

Sobre o capitalismo contemporâneo, Diniz explica que no rentismo (quando a renda subordina o lucro), o controle das relações de propriedade é mais importante do que o controle das relações de produção e acumulação do capital mais pela via da “apropriação”. Já o neoextrativismo, conceito ampliado do extrativismo, apresenta uma importância renovada do modelo primário-exportador. “Na dependência contemporânea, são quatro vias principais de inserção subordinada: neoxtrativismo, financeirização, plataformização e cadeias globais de valor”, apontou Diniz.

A última apresentação da mesa foi proferida do professor Igor Matela, que abordou a dependência e a produção do espaço no Brasil. Ele explicou os padrões de produção do espaço, salientando que é um momento integrante e indissociável do processo de acumulação de capital. Também falou da teoria dos ciclos sistêmicos de acumulação, apresentando quadros com o modo de funcionamento do capitalismo e dos padrões de produção do espaço com expansões materiais e expansões financeiras. Sobre a dependência rentista-neoextrativista, Matela pontuou três eixos: trabalho (economia de plataforma), terra (neoextrativismo) e dinheiro (circuito financeiro).

A professora Luciana Lago foi a debatedora da mesa redonda. Para ela, pensar um projeto de reforma urbana exige considerar as possibilidades de aliança e organização existentes hoje nas metrópoles. “Direito à cidade, hoje, passa pelo direito à integridade física e ao direito de viver na rua. Os jovens das periferias morrem todos os dias. Então, como pensar um projeto de reforma urbana de transformação profunda?”, provocou Lago.

Sobre as novas temáticas, como agronegócio, setor logístico e mineração, Lago comentou que o agronegócio está na metrópole através da subordinação, via insumos, agrotóxico e transporte. “Seria interessante ver como isso incide na escala metropolitana. O setor logístico cria enclave nas periferias, ninguém circula. É interessante, uma oportunidade de pensar a ideia de urbano hoje, ou de sociedade urbana, com o agronegócio entrando, como se dão as conexões, o que nós vivemos é uma sociedade urbana lefebvriana?”, questiona Lago ao final do debate, citando o filósofo francês Henri Lefebvre.

Rede do INCT Observatório das Metrópoles presente no Seminário Nacional, realizado no Rio de Janeiro. Foto: Karina Soares.

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