Juliana Souto Santos¹
A realização de um Plebiscito para resolver a disputa territorial pela Zona de Expansão Urbana (ZEU) entre Aracaju e São Cristóvão/SE é iminente, porque o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou inconstitucionalidade da anexação da área, por ferir o Art. n. 18 da Constituição Federal (1988), que determina a realização desse expediente em situações dessa natureza. A decisão do STF respaldou o Recurso Extraordinário n. 611.288/2012 da Justiça Federal de Sergipe, que já havia decretado a inconstitucionalidade.
Assim, a Prefeitura de Aracaju entrou com uma Ação Rescisória no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), para comprovar que o território deve permanecer sob sua jurisdição, haja vista, a efetividade de gestão e os impactos socioeconômicos sobre a população e demais instâncias, caso ocorra a devolução. Não é que a permanência do território com Aracaju seja impossível, é que com o Plebiscito será corrigido o litígio jurídico, respeitando a identidade das pessoas que vivem, trabalham, votam enquanto cidadãos aracajuanos.
Para tanto, evocamos o conceito de território abordado por Claude Raffestin no livro Por uma Geografia do Poder (2001), em suas dimensões, política – de base física, econômica – concebida por relações produtivas e culturais – trata do pertencimento. Isto porque, esse fenômeno envolve relações de poder e de soberania (municipal e estatal) que evidencia toda uma trama de configurações com raízes históricas e econômicas, arranjos políticos e de identidades simbólicas que constituem um mosaico espacial, construído socialmente.
No que tange ao território físico verificamos que, a ampliação de Aracaju na direção Sul auferiu ampla linha se inserindo sobre os terrenos de São Cristóvão, justificando-se para a anexação desse território da Lei Estadual n. 554/1954. Segundo fontes da história oral, desde os anos de 1950, acordos táticos foram firmados entre os gestores desses municípios para instalação de serviços de infraestrutura e prover a urbanização de São Cristóvão, com financiamento de Aracaju. O que levou São Cristóvão a renunciar do território em foco.

Visão aérea da zona de expansão de Aracaju (SE). Foto: Marco Vieira.
Nesse ínterim, Aracaju criou a Lei Municipal n. 873/1982 instituindo a Zona de Expansão sob sua jurisdição. Mas, o Art. n. 37 da Constituição de Sergipe (1989), a Lei Estadual n. 2.106/1989 e a Emenda Constitucional n.16/1999, também, foram consideradas inconstitucionais, porque realizadas sem o Plebiscito. Contudo, São Cristóvão somente se posicionou juridicamente sobre o fato no final dos anos 1990, em função da demarcação da linha de atuação para parcelamento do solo, construções e recolhimento de tributos, assim como, para obtenção de uma faixa de território com acesso ao Oceano Atlântico que majorasse o recebimento dos royalties.
Quanto ao território econômico, notamos que a urbanização compôs uma nova dinâmica com os agentes da especulação imobiliária e da construção civil, impulsionando o parcelamento da terra, desde o final da década de 1970. Os loteamentos foram abertos, surgindo condomínios, casas de veraneio e de segunda residências, obras e equipamentos públicos, como a pavimentação das Rodovias dos Náufragos e da Melício Machado, que também estimulou outros negócios no território. O parcelamento do solo é um instrumento da produção do espaço urbano que transforma terra rural em mercadoria, sob a ótica capitalista, em oposição aos direitos das pessoas à cidade, elucidando desigualdades na dotação da infraestrutura e/ou na sua deficiência.
O território cultural funciona como uma produção que se apoia no espaço, onde o poder, seja ele estatal/municipal, ou não, define as apropriações estabelecidas pela identidade do lugar. Nesse viés observamos o sentimento de pertencimento das pessoas como uma produção social resultante das práticas simbólicas, de poder e das particularidades coletivas realizadas no espaço, nesse caso, na Zona de Expansão. Posto que, ao realizar a dotação de infraestrutura, Aracaju promoveu a inclusão da população gerando um sentido de cidadania aracajuana. Isto o legitima como hegemônico na disputa, porque, historicamente, implementou estratégias que ratificam a função social da cidade.
Mesmo que anteriormente o Plebiscito não tenha sido executado, sua realização é uma das possibilidades constitucionais humanizadas para a questão. Entendo que a Prefeitura de Aracaju agiu de forma coerente ao apresentar à Justiça Federal todos investimentos desenvolvidos no território. Esse será o salvo-conduto para a Assembleia Legislativa de Sergipe (ALESE), junto à Lei Complementar Federal, PLP 06/2024, que tramita no Congresso Nacional, que pode respaldar a aprovação da Lei Estadual para efetivação do Plebiscito. Haja vista, os impactos que a população sofrerá mediante a retirada dos serviços ofertados por Aracaju na Zona de Expansão.
¹ É doutora em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Sergipe (PPGEO/UFS), com tese sobre Espaço Geográfico e Territórios de Conflitos: Demarcação e Posse da Zona de Expansão Urbana de Aracaju/SE, em 2015. Trabalha como professora da rede pública, lotada no Setor de Obras Raras da Biblioteca Pública Epiphânio Dória (BPED/SEED).














