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Na seção especial da Revista e-metropolis, as pesquisadoras Larissa Lacerda, Mariana Werneck e Bruna Ribeiro mostram um levantamento inédito realizado pelo Observatório das Metrópoles sobre os cortiços da área portuária do Rio de Janeiro. O Projeto Prata Preta aponta que são 54 cortiços situados na área portuária, distribuídos nos bairros Santo Cristo, Gamboa e Saúde, envolvendo no mínimo 712 quartos, onde habitam cerca de 1.120 pessoas. A pesquisa faz parte das ações em defesa do direito à moradia no contexto da Operação Urbana Porto Maravilha. E tem como objetivo dar visibilidade à situação econômica, social, cultural, jurídica e urbanística dos moradores dos cortiços da área central do Rio; e também identificar a demanda por regularização fundiária e habitação de interesse social.

A seção especial “Cortiços de hoje na cidade do amanhã: notas sobre a pesquisa Prata Preta e o levantamento de cortiços na área portuária do Rio de Janeiro” é um dos destaques da edição comemorativa nº 30 da Revista e-metropolis.

INTRODUÇÃO

POR LARISSA LACERDA, MARIANA WERNECK E BRUNA RIBEIRO

Desde 2009, a área portuária carioca vem sofrendo grandes transformações realizadas no escopo da operação urbana consorciada conhecida como Porto Maravilha. Parte importante na tentativa de tornar o Rio de Janeiro um polo de serviços internacional, a “revitalização” urbana deveria deixar para trás uma paisagem geográfica que ainda recordava a cidade do início do século passado, para abrir espaço, em seu lugar, à instalação de modernas torres comerciais, espaços de consumo e lazer inéditos e cerca de cem mil novos moradores. Seu intuito, em outras palavras, é produzir uma nova configuração socioespacial, capaz de alçar a área portuária do Rio de Janeiro ao patamar dos waterfronts de Baltimore, Barcelona e Buenos Aires.

Os ares da mudança, prometidos desde a década de 1980, pareciam reeditar as reformas que Rodrigues Alves e Pereira Passos implementaram há mais de cem anos. Naquela época, a abertura de largas vias e a política do bota-abaixo que levaram à demolição de 1.700 prédios e à remoção de pelo menos 20 mil pessoas inauguraram uma capital que simbolizasse concretamente a importância do país como principal produtor de café do mundo, que expressasse os valores e os modi vivendi cosmopolitas e modernos da elite econômica e política nacionais.

Não obstante, as inovações tecnológicas na movimentação de cargas e a realização de novas obras viárias monumentais, que respondiam à expansão da cidade do Rio para as áreas suburbanas e para os núcleos elitizados da Zona Sul e da Barra da Tijuca, logo levaram à desvalorização das infraestruturas físicas e sociais da área portuária. A transferência da capital para Brasília, em 1960, também causou grande impacto sobre a obsolescência da região central do RJ. Descartada pelos grandes circuitos de capital, a área portuária curiosamente permitiu, assim, a reprodução econômica, social e cultural das classes populares ao longo do tempo.

Zona de prostituição, região de pequenos comércios e depósitos de mercadorias de camelôs, lugar de galpões de blocos de samba, de terreiros de umbanda e candomblé, concentração de edifícios vazios transformados em moradia precária, a área portuária se consolidou como um território estratégico para a experimentação do direito à cidade, dada sua proximidade com o centro de negócios da cidade, com as redes de serviços públicos e com as malhas de transporte. Talvez seja essa a explicação para o adensamento populacional da á rea portuária observado na última década, movimento acompanhado pelo esvaziamento dos estratos médios e pelo aumento das classes de baixa renda. Em contraste com a elitização assistida no Centro, a proletarização da área portuária vinha, de fato, se aprofundando até pelo menos 2010, quando foi produzido o último Censo do IBGE.

Requalificar a região portuária, devolvê-la ao restante da cidade e mostrar ao mundo como o lugar onde o Rio nasceu foi capaz de se reinventar, como já afirmou Eduardo Paes, implicava, portanto, não apenas o desmantelamento da infraestrutura portuária e urbana que ainda organizava a área portuária, como também a desarticulação das relações sociais que lhe eram concomitantemente condição e expressão. A abertura de uma nova fronteira urbana para os setores imobiliário e comercial, em si, já imporia pressão sobre os moradores, que enfrentariam o aumento potencial dos aluguéis e a dissolução de laços comunitários devido à atração de novos públicos. Mas a frágil política de atendimento econômico e social idealizada para a operação urbana, sem que houvesse por lei a destinação de qualquer recurso financeiro à sua implementação, combinou-se perversamente à violência das remoções levadas a cabo pelo poder público.