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Saúde Urbana, metrópoles e desigualdades

By 26/04/2012janeiro 29th, 2018Notícias

Saúde Urbana, metrópoles e desigualdades

 Saúde Urbana, metrópoles e desigualdades

Com o propósito de ampliar a rede de investigações sobre a temática urbana, o Observatório das Metrópoles tem incorporado novos temas que se inserem na fronteira das áreas do saber, permitindo abordagens de caráter transdisciplinar. É o caso da saúde urbana que ganha destaque a partir de evidências históricas e atuais de que o agravamento das condições de saúde das populações mais pobres tem acompanhado do processo de urbanização acelerada. Tomando por base esse argumento um grupo de professores da UFRGS se organizou para contribuir com as discussões sobre o tema. Exemplo é o texto “Por que é importante medir os efeitos de vida na saúde das populações urbanas?”, no qual a professora Maria Inês Azambuja propõe um diagnóstico para a ação.

Os ambientes psicossocial, econômico e físico, nos quais se nasce, cresce, vive e trabalha, afetam a saúde e a longevidade, tanto quanto o fumo, o exercício e a dieta. A atenção individual à saúde não é suficiente para prevenir ou controlar os efeitos das más condições ambientais. Evidências históricas e atuais apontam para o agravamento das condições de saúde das populações mais pobres, acompanhando processos de urbanização rápida. Esperadamente, o envelhecimento populacional num ambiente urbano de desigualdade social deverá agravar a situação de saúde da população mais pobre, resultando em mais sofrimento e em perdas econômicas para o país.

Com base nestas justificativas, um grupo de professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), vinculados ao Programa de Extensão e Pesquisa em Saúde Urbana e ao núcleo Observatório das Metrópoles de Porto Alegre, se organizou, via extensão universitária, para contribuir com a discussão e as iniciativas nacionais de intervenção sobre a saúde urbana. Os projetos do grupo abarcam: o debate sobre o impacto potencial de iniciativas privadas e políticas públicas setoriais (de habitação, saneamento, transporte, educação, inovação tecnológica, sustentabilidade ambiental etc.) na saúde urbana; a produção e divulgação de conteúdos sobre determinantes sociais e ambientais da saúde; a produção e disseminação dos indicadores de desigualdade social dos determinantes da saúde; a formação de recursos humanos; e a participação em redes sociais.

Por que é importante medir os efeitos das condições de vida na saúde das populações urbanas? 

Maria Inês Reinert Azambuja, Aloyzio Achutti, Sérgio Bassanesi, Roger dos Santos Rosa
Programa de Extensão e Pesquisa em Saúde Urbana, FAMED, UFRGS. Observatório das Metrópoles – Núcleo Porto Alegre

“A Medicina é uma ciência social, e a Política nada mais é do que Medicina em grande escala” 
Rudolf Virchow

Esta frase famosa proferida na metade do século XIX, na Europa, refletia a precária situação da saúde pública nas grandes cidades do continente em consequência da revolução industrial. Em 100 anos, a população de Londres aumentara  5 vezes e a de Berlim 10 vezes (Azambuja e cols, 2011). A Medicina era uma ciência social porque a doença era claramente associada às más condições de vida e de trabalho nas cidades (Susser 2001, Sretzer 2004). E melhorar as condições de saúde da população urbana, ou seja, praticar Medicina em grande escala (o que não é sinônimo de assistência médica) só poderia ocorrer através da mudança social. Em direção à segunda metade do século XIX, frente às epidemias recorrentes, ao medo da revolução, e talvez, principalmente, ao reconhecimento progressivo de que uma população doente e pobre era uma desvantagem para as economias industriais emergentes, o ambiente torna-se mais favorável à reforma urbana. Investimentos em habitação e saneamento, ao mesmo tempo que melhoravam as condições de vida, gerariam empregos e diminuiriam a pobreza – argumento usado por Chadwick em Londres para aprovar o Public Health Act de 1848, numa iniciativa que mais do que apenas beneficiar as populações mais pobres incidiria sobre “a condição da Inglaterra” (Susser 2001, Sretzer 2004).

A situação das metrópoles brasileiras hoje também é em boa parte resultado do processo de urbanização acelerada que se seguiu à nossa industrialização. Nossa população urbana aumentou 7 vezes entre 1950 e 2000 (Azambuja, 2011). Em 2010, mais de 85% da população brasileira já era urbana, e em torno de 40% vivia em regiões metropolitanas. Somam-se, aos efeitos da  urbanização desordenada, influências de tendências globais, governos nacionais e locais, sociedade civil, mercado e o setor privado (Caiaffa, 2011). Deste conjunto de fatores emerge o ambiente urbano de cada lugar, com contrastes econômicos e sociais que se manifestam, entre outras coisas, como formas e riscos diferenciados de adoecer e morrer (Bassanesi e cols, 2008).

Investimentos em políticas urbanas de reduçãoda pobreza, controle ambiental, mobilidade urbana, moradia digna, etc, dependerão, aqui também, de estimativas de custo X benefícios  destes investimentos para o país. Indicadores de saúde podem ser utilizados como medidas de efeito de diferenças nas condições de vida nas cidades e para a avaliação de políticas urbanas. Por exemplo, como se compara a mortalidade infantil entre bairros pobres e ricos? E as mortes por violência, ou doenças do coração? Há relação entre a prevalência de obesidade e o modelo dominante de mobilidade nas cidades?

Num segundo momento, estas medidas podem ser utilizadas para calcular custos econômicos da má qualidade da urbanização. Indicadores do tipo DALYs (anos de vida perdidos corrigidos por incapacidade) e HALEs (expectativa de vida com saúde) poderão ajudar a transformar medidas de desigualdades em saúde em estimativas de custos diretos (para os indivíduos, o SUS, e a previdência social) e indiretos (perda ou limitação precoce da capacidade produtiva) associados à má urbanização, para a sociedade (Achutti e Azambuja, 2004; Azambuja e cols, 2008). Isto nos permitirá adicionar argumentos econômicos aos de uso racional de recursos ambientais e de justiça social, em favor da melhoria da qualidade de vida nas cidades.

Leia também:

Achutti AA, Azambuja MI. Doenças crônicas não-transmissíveis no Brasil: repercussões do modelo de atenção à saúde sobre a seguridade social. Ciênc. saúde coletiva 2004: (9): 833-840. http://www.scielosp.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232004000400002&lng=pt&nrm=iso 

Azambuja MIR, Foppa M, Maranhão MC, Achutti AC. Impacto econômico dos casos de doença cardiovascular grave no Brasil: uma estimativa baseada em dados secundários. Arq Bras Cardiol. 2008; 91 (3): 163-71. http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0066-782X2008001500005&lng=en

Azambuja MI, Achutti AA, Reis RA e cols, Saúde Urbana, Ambiente e Desigualdades. Rev Bras Med Fam Com 2011; 6: 110-115.    http://www.rbmfc.org.br/index.php/rbmfc/article/view/151/311 

Bassanesi SL, Azambuja MI, Achutti AC. Mortalidade precoce por doenças cardio-vasculares e desigualdades sociais em Porto Alegre: da evidência à ação. Arq Bras Cardiol. 2008; 90: 403-12.
http://www.scielo.br/pdf/abc/v90n6/a04v90n6.pdf