A criação de um programa de pesquisa envolve muitas conversas e trabalho coletivo. Para debater os objetivos e metas do novo INCT Observatório das Metrópoles, cerca de 80 integrantes dos 21 Núcleos Regionais se reuniram de 02 a 04 de dezembro, no Seminário Nacional da rede.
O evento ocorreu no Rio de Janeiro e recebeu apoio financeiro da FAPERJ. Pelos próximos anos, o grupo estará engajado na execução do projeto “Transformações da ordem urbana e desafios para o desenvolvimento urbano igualitário, justo, inclusivo e ambientalmente sustentável”, aprovado na última chamada de novos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) divulgada pelo CNPq em 2025.
“Discutimos os 20 projetos que fazem parte da linha dorsal do INCT e todo esse debate é necessário para que se haja um conhecimento desses projetos. Vamos buscar articulações entre eles e, depois, utilizar o resultado desse evento para desenvolvermos mais cada um desses projetos e começarmos a executar o novo programa já no início do ano que vem”, pontuou o coordenador nacional da rede, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro.
O coordenador do novo INCT, Orlando Santos Junior, comentou que a qualidade dos projetos é realmente impressionante. “Nosso ponto de partida é esse reconhecimento do engajamento dos grupos, alcançando uma qualidade impressionante nos projetos. Neste seminário, estamos dando ênfase aos projetos de pesquisa, reunidos em três linhas, ou seja, vamos fazer a exposição em cada linha de todos os projetos de pesquisa”, observou.

Foto: Karina Soares.
No primeiro dia do Seminário Nacional, a rede discutiu a Linha I, que analisa como o modelo econômico rentista-neoextrativista influencia a rede urbana do Brasil. São cinco projetos no total, e o objetivo é entender as mudanças no sistema urbano-regional, o nível de integração dos municípios e o papel das atividades industriais. “A Linha I tem uma macro linha de abertura das agendas territoriais, e é âncora para o desenvolvimento das pesquisas das linhas subsequentes”, ressaltou a coordenadora do Núcleo Natal, Maria do Livramento Clementino.
Linha I do novo programa é composta por cinco projetos de pesquisa
A exposição de abertura da Linha I foi feita por Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, que apresentou os eixos teóricos do programa de pesquisa e destacou a necessidade de construir estratégias de desenvolvimento urbano e regional capazes de promover inclusão, igualdade e sustentabilidade. Segundo ele, a transformação recente do capitalismo brasileiro, marcada pelo avanço do agronegócio, pelo controle corporativo do território e pela expansão de corredores logísticos, tem produzido novas formas de desigualdade e fragmentação espacial. A partir dessa hipótese, o projeto “Padrão de acumulação rentista-neoextrativista e a reestruturação da ordem urbano-regional: novas tendências, dinâmicas e morfologias”, propõe desenvolver uma tipologia das aglomerações urbano-regionais neoextrativistas, realizar estudos de caso e aprofundar a compreensão das mudanças em curso.
Em seguida, Juliana Bacelar de Araújo apresentou o projeto sobre “Economia Metropolitana e Desenvolvimento Regional”, que dá continuidade a pesquisas anteriores e amplia a participação dos Núcleos Regionais. O estudo busca compreender o papel das metrópoles brasileiras na divisão territorial do trabalho, tendo como referência as mudanças estruturais do capitalismo e processos como desconcentração produtiva, desindustrialização e financeirização. Entre os produtos previstos, estão a construção de um banco nacional de indicadores econômicos e a publicação de um livro e artigos científicos.
O terceiro projeto, conduzido por Regina Tunes e Sandra Lencioni, aborda a Megarregião Rio de Janeiro – São Paulo, considerada a maior macroestrutura urbana do país. A pesquisa reunirá 15 pesquisadores de quatro países e deve analisar se esse espaço integrado pelo capital e pelo trabalho mantém seu papel estratégico na dinâmica urbana e econômica do Brasil. Entre os resultados esperados estão um atlas impresso e digital da megarregião, além de materiais audiovisuais e publicações acadêmicas.
Em seguida, Érica Tavares e Matheus Bartholomeu apresentaram o projeto “Metropolização e Transformações na Rede Urbana Brasileira”, que aborda o fenômeno urbano-metropolitano. A pesquisa pretende desenvolver uma metodologia nacional de análise da metropolização, examinando todas as cidades brasileiras a partir de dimensões como formas urbanas, fluxos, financeirização, mobilidade populacional e relações cidade-campo.

Foto: Karina Soares.
Fechando a linha de pesquisa, Joseane Souza discutiu o projeto “Regimes Demográficos na Urbanização Brasileira”, voltado a compreender o surgimento de um novo padrão demográfico no país. Considerando a queda histórica da fecundidade, o envelhecimento populacional e a crescente importância dos fluxos migratórios, o estudo analisará como essas mudanças impactam a dinâmica urbana e regional. Entre os produtos previstos estão um painel demográfico das metrópoles brasileiras, artigos, livro e mapeamentos sociodemográficos.
Após as apresentações, o debate coordenado por Maria do Livramento Clementino destacou a articulação entre os cinco projetos e a necessidade de avançar na discussão dos recortes territoriais, das tipologias e da integração das bases de dados produzidas pela rede. No encerramento, Luiz Cesar Ribeiro reforçou que o conjunto de pesquisas ainda está amadurecendo, mas já aponta caminhos para compreender como o capital opera no território brasileiro. As discussões da Linha 1 serão utilizadas como referência para o desenvolvimento das próximas etapas do programa.
Debate da Linha II iniciou com a apresentação de três projetos
Na segunda mesa do primeiro dia do Seminário Nacional, Marcelo Ribeiro ficou responsável por apresentar três dos sete projetos da Linha II, que estuda como surgem e mudam os padrões de segregação nas cidades, e como isso se conecta com exclusão, desigualdades e as dinâmicas sociais, econômicas e políticas do país. No primeiro, “Segregação Socioespacial e Desigualdades Urbanas nas Metrópoles Brasileiras”, ele detalhou a evolução da metodologia que inscreve a estrutura sócio-ocupacional no território metropolitano. Entre os resultados, Ribeiro apontou que, embora avanços tenham ocorrido, as desigualdades raciais e de sexo permanecem significativas. A próxima etapa busca aprofundar a articulação entre classe e raça na análise territorial.
Em seguida, ele apresentou o projeto “Desigualdades de Bem-Estar Urbano nas Metrópoles Brasileiras”, baseado no Índice de Bem-Estar Urbano (IBEU). O indicador permite comparar desigualdades intraurbanas e entre metrópoles, avaliando dimensões como mobilidade, habitação, infraestrutura e meio ambiente. Como produtos, está prevista a atualização do Ibeu Municipal e Metropolitano, além da ampliação de sua difusão pública. O terceiro projeto, intitulado “Condições de Vida das Famílias nas Metrópoles Brasileiras”, utiliza dados da POF para analisar como arranjos familiares, composição racial, clima educativo e fontes de renda moldam estratégias de reprodução social nas diferentes regiões metropolitanas.
Segundo dia do Seminário Nacional seguiu na discussão da Linha II
No segundo dia do evento, os participantes continuaram discutindo a Linha II. O coordenador do novo INCT, Orlando Junior, comentou que é necessário pensar a articulação dessa linha do ponto de vista conceitual e metodológico. “Precisamos estreitar o diálogo entre os projetos, encontrando questões chaves e unificadores da problemática da Linha II”, observou. Segundo ele, as perguntas unificadoras são as seguintes: há mudanças no padrão de segregação de desigualdades; no padrão de intervenção do Estado; na dinâmica de produção de espaço e nas dinâmicas de conflitos urbanos?
Conforme o debatedor da mesa, Marcelo Ribeiro, os temas estão conectados na produção do meio ambiente construído e no modo como se manifesta no capitalismo financeirizado. “Tem uma convergência explícita nessa segunda linha, que se constitui em termos dos projetos que se referem à perspectiva de elementos constituidores do próprio meio ambiente construído na cidade. Por exemplo, mobilidade, habitação e saneamento são elementos importantes para pensar o modo como nossas cidades e metrópoles vão se configurar em termos de expressões de padrões de segregação ou como os recursos urbanos de distribuem”, ressaltou.

Foto: Karina Soares.
Em relação às apresentações, Renato Pequeno foi o responsável por conduzir o projeto “Habitação, Estado e Capital”. O objetivo é contribuir com os estudos sobre as diferentes formas de produção da moradia, no atual contexto de produção imobiliária rentista e financeirizada, de retração do papel do Estado e de fortalecimento de resistências nos territórios populares. Ele mencionou que a abordagem da economia política da habitação está direcionada em eixos analíticos sobre as condições de moradia e das necessidades habitacionais.
Na sequência, Alexandre Queiroz apresentou o projeto “Expansão do imobiliário-turístico no litoral brasileiro: dinâmicas sociais, econômicas e ambientais”. Como contexto do problema está o crescimento de 70% nos domicílios de uso ocasional, segundo o Censo 2022. De acordo com Queiroz, a articulação entre o setor imobiliário e turístico gera novas formações regionais no litoral, impactos urbanísticos, ambientais, econômicos e conflitos socioterritoriais. Sobre a metodologia, será trabalhado principalmente o conceito de urbanização turística e de metropolização, buscando articular como vetor. Os produtos da pesquisa vão desde a formação de pessoas, além da produção de cinco teses, seis dissertações e dez monografias, artigos, livro, relatório final e seminários.
Seguindo com as apresentações, Juliano Ximenes falou sobre o projeto “Gestão das Águas e Saneamento”, que propõe analisar as condições e perspectivas da gestão das águas e do saneamento no país, a partir das experiências dos núcleos do Observatório, buscando compreender os principais aspectos que limitam ou potencializam e qualificam a orientação das políticas públicas, bem como o acesso da população a informações e mecanismos de governança. “Vamos discutir a privatização, um fenômeno de perda de soberania, falando sobre incidência política. Também iremos propor um monitor da privatização, cujos processos não são participativos. O Brasil privatiza enquanto outros lugares do mundo estão reestatizando”, salientou.
O último projeto debatido foi “Transporte público e mobilidade urbana nas regiões metropolitanas brasileiras”, apresentado por Juciano Martins. “Esse projeto tem uma motivação geral, uma espécie de missão que é mobilizar a rede em torno da discussão e dos estudos sobre esse tema, que não está na nossa origem, mas que vai tomando relevância ao longo dos anos”, explicou. O objetivo é incidir no debate acadêmico e público, realizando estudos sobre as condições de deslocamento cotidiano da população, considerando a complexidade espacial e analisando as possibilidades de financiamento de transporte público. Como metodologia, será feita a construção de indicadores para avaliar as condições de deslocamento de indivíduos e grupos sociais. Os produtos serão bases de dados, coletânea de capítulo com análises das condições de deslocamento em cada região metropolitana, dissertações de mestrado e artigos científicos.
Além do debate sobre a Linha II e a apresentação dos projetos, os participantes prestigiaram o lançamento dos livros “Dinâmicas imobiliárias no Brasil contemporâneo: expansão, crise e reestruturação”, organizado por Adauto Cardoso, Camila D’Ottaviano e Renato Pequeno; “Socialismo chinês, do planejamento aos projetos urbanos e de transporte: a planificação do desenvolvimento [urbano-regional] desigual como expressão [territorial] da “Nova Economia do Projetamento”, de Vitor Vieira Fonseca Boa Nova e “Orçamento Participativo de Porto Alegre: 35 anos do modelo contra-hegemônico à desdemocratização: elementos para um balanço”, organizado por Luciano Fedozzi.
No último dia do Seminário, foi apresentada a Linha III do novo programa de pesquisa. Essa linha investiga as dinâmicas de poder nas metrópoles e busca construir subsídios para sistemas de governança capazes de promover justiça social, fortalecer a cooperação entre os entes federativos e ampliar a participação social nas políticas urbanas. As três linhas de pesquisa apresentadas são apenas parte do novo programa, que também envolve formação de recursos humanos, internacionalização, transferência de conhecimento para o setor público e para a sociedade, além de ações de divulgação científica.
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