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UNODC divulga Estudo Global sobre Homicídios

By 20/10/2011dezembro 18th, 2017Chamadas

Por Dalva Borges de Souza

O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) divulgou, no início do mês de outubro, o Estudo Global sobre Homicídios 2011.  O documento compara séries históricas de taxas de homicídios de 207 países a partir de duas bases de dados diferentes: os sistemas de justiça criminal e os sistemas de saúde pública.  O estudo deve ser examinado com uma boa dose de cautela, especialmente as comparações feitas entre países que apresentam diferentes níveis de qualidade e de confiabilidade dos dados e, até mesmo, diferentes graus de institucionalidade na classificação de eventos letais provocados intencionalmente.

As disparidades entre os continentes são gritantes. Em 2010 ocorreram na África 36% do total de homicídios do mundo. As Américas não ficam muito distantes, com 31% e a Ásia registrou 27%. As menores incidências são da Europa, com 5%, e Oceania com 1%.  Ao comparar com maior propriedade os homicídios, levando em conta a população dos continentes, o estudo mostra que na África e nas Américas as taxas atingem 17 e 16 por 100.000 habitantes, respectivamente, contra 3 e 4 por 100.000 habitantes na Ásia e na Europa, e 4 por 100.000 habitantes na Oceania.

A pesquisa busca estabelecer algumas causas para a incidência dos homicídios. Na comparação entre países e territórios, o estudo conclui que há uma relação evidente entre o crime letal e baixos níveis de desenvolvimento e elevados níveis de desigualdade social, e atribui a queda das taxas de homicídios na América do Sul, nos últimos 15 anos, ao crescimento econômico. Pobreza, insegurança econômico-social e subdesenvolvimento são considerados os principais motivadores da criminalidade homicida enquanto que, inversamente, surtos de crescimento econômico nos últimos 15 anos permitiram que a América do Sul visse declinar as suas taxas de homicídios. A correlação entre desigualdade econômica (Índice de Gini) e criminalidade já havia sido constatada anteriormente, a partir de informações também coletadas pelas Nações Unidas (World Crime Surveys) para o período de 1970-1994 (Fajnzylber et al., apud Cano e Santos, 2007), ainda que tenha sido questionada a confiabilidade dos dados, tal como pode ser feito na pesquisa em foco.

Outros fatores facilitadores dos crimes letais, segundo o estudo, são as armas de fogo nas mãos da população: 74% dos homicídios cometidos nas Américas foram utilizadas armas de fogo, contra 21% na Europa. Essa tese é reforçada pela queda de homicídios na Colômbia – onde foram adotadas medidas de controle sobre armas de fogo – da ordem de 70 por 100.000 habitantes no início da década para 33 em 2010. Também em São Paulo, o maior controle sobre as armas de fogo, além de outras medidas de segurança pública, permitiram uma queda expressiva nas taxas de homicídios. A comparação realizada entre os países indica também que naqueles em que houve fortalecimento do Estado de Direito as taxas de homicídios decresceram.

O tráfico de drogas é outra causa importante da violência letal, embora o emprego da violência decorrente do tráfico seja significativamente maior nas Américas do que na Europa e na Ásia. Assim é que 25% dos homicídios nas Américas estão relacionados ao crime organizado e às gangues, enquanto que na Europa e na Ásia essa relação é de apenas 5%. Na América Central, o tráfico de cocaína e as disputas entre traficantes aumentaram as taxas de homicídios na maior parte dos seus países. Não deixa de ser surpreendente que o estudo ouse definir a etiologia dos homicídios considerando-se a disparidade e a fragilidade das fontes.

Países com grande composição de jovens na sua população apresentam taxas de homicídios mais altas e a maior incidência é na faixa etária de 15 a 29 anos. Fatores como desigualdade social, segregação, pobreza e oportunidades para a ocorrência de crimes em geral fazem com que a violência letal seja maior nas grandes cidades.

O estudo investiu na análise dos dados sobre a violência contra a mulher e suas conclusões confirmam as pesquisas anteriomente feitas sobre a vitimização por sexo. No cômputo geral, 80% das vítimas – bem como dos autores – de homicídios são homens e geralmente morrem na rua, enquanto que as mulheres morrem mais em casa, vítimas da violência doméstica. Países nos quais as taxas gerais de homicídios são muito baixas ou estão em declínio, os homicídios praticados contra as mulheres por seus parceiros tendem a aumentar proporcionalmente. Esse fenômeno faz com que no Japão, cuja taxa de homicídio é de 0,4 por 100.000 habitantes, morram igualmente homens e mulheres (50%) vítimas de homicídios, enquanto que no Brasil, o percentual de vítimas do sexo masculino seja da ordem de 90,8% contra 9,2% das mulheres.  Outros estudos já haviam registrado a aproximação do percentual de vítimas quando as taxas são muito baixas (SALFATI, C. Gabrielle, 2001). Globalmente, porém, a taxa de risco de ser vítima de homicídio para os homens é de 11,9 por 100.000 habitantes quanto que a das mulheres é de 2,6 por 100.000 habitantes. Já na Índia, onde as taxas de homicídios são baixas (3,4 por 100 mil habitantes em 2009), a relação é de 73,7 homens mortos para 26,3 mulheres, 15% dos homicídios são decorrentes de assassinatos relacionados à tradição do dote das mulheres, modalidade de homicídios que aumentou em 40% nos últimos 15 anos.

Os reparos quanto aos problemas com as fontes de dados são feitos pelo próprio documento que, ainda assim, tem o mérito de traçar de maneira abrangente e detalhista um panorama global e de procurar identificar algumas tendências estruturais desse tipo de crime.

Muito das tendências gerais verificadas pelo estudo da UNODC, como vitimização por sexo, gênero e faixa etária, coincidem com os resultados do trabalho que vem sendo desenvolvido pelo TR Organização Social do Território e Criminalidade Violenta para as regiões metropolitanas brasileiras, no âmbito do INCT Observatório das Metrópoles, a partir de dados do SIM-DATASUS.

Veja também: Infância Assassinada.

Referências:

<http://www.unodc.org/unodc/en/data-and-analysis/statistics/crime/global-study-on-homicide-2011.html> acessado em 06/10/2011.

CANO, Ignácio e SANTOS, Nilton. Violência Letal, Renda e Desigualdade no Brasil. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007.

SALFATI, C. Gabrielle (2001). A European Perspective on the Study of Homicide. In: Homicide Studies, vol. 5 no. 4, November 2001 286-291. London: Sage Publications, 2001.