Skip to main content

José Firmo dos Santos*

Em qualquer cidade as necessidades de uma pobre marisqueira são totalmente diferentes e mais urgentes do que as necessidades de uma grande construtora. Assim, é de se esperar que a estrutura pública proteja e atenda prioritariamente a pobre marisqueira.

Em Aracaju, capital de Sergipe, não é assim. Pelo menos se nos basearmos no episódio que agora vou contar.

No hoje bairro Robalo (até há um ano ainda era povoado), assim como no São José dos Náufragos, na Areia Branca e Mosqueiro, pescadores e marisqueiras tiram os seus sustentos do manguezal há séculos.

O acesso ao manguezal sempre foi livre. Os caminhos e as estradas que levam ao manguezal são também seculares.

Entretanto, ao longo das últimas décadas, os ricos e os “remediados”, passaram a construir nas APP (Áreas de Preservação Permanente), fechando, aos poucos, os acessos históricos.

No bairro Robalo, uma área de acesso ao Rio Santa Maria, usado há séculos, por muitas gerações, por pescadores e marisqueiras, acaba de ter a passagem proibida por seguranças de uma construtora.

Prova de que a passagem dos pescadores, marisqueiras e da população em geral (já que o local é muito bonito e serve também como lazer) sempre foi livre, é que o proprietário anterior – um fazendeiro – deixou um passadiço na cerca da então fazenda, possibilitando a entrada e a saída das pessoas.

Paradoxalmente, a construtora está propagandeando o mesmo Rio Santa Maria como uma atração e um espaço do seu empreendimento. Até já instalou, ilegalmente, uma espécie de balanço na APP.

Não acredito que o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CONDURB), composto também por grande parte de representantes da sociedade civil, tenha aprovado o empreendimento na forma como a construtora está divulgando em suas peças publicitárias.

Não acredito que uma construtora, com uma propaganda tão bonita, exaltando o verde, exaltando o rio, exaltando a natureza, possa desrespeitar o acesso histórico da população local à margem do rio ou que possa desrespeitar a área de APP prevista no Código Florestal – Lei nº. 12.651/2012. Segundo o Código Florestal, aplicável também neste caso, a faixa de APP varia de 30 a 500 metros, de acordo com a largura do curso d’água no local. Pela propaganda da construtora até obra civil haverá dentro do rio, com píer, orla urbanizada. Inclusive, nada é dito pela construtora sobre a flora e a fauna locais.

Isso não é de se estranhar, afinal até o nome do bairro Robalo é trocado ou omitido, usando massivamente o bairro Aruana, intencionalmente ou não.

E o ente público responsável pela administração, pelo zelo, pela vigilância do equilíbrio e da cidade acessível, democrática e inteligente – a Prefeitura Municipal de Aracaju – o que tem feito para evitar isto?

Ao que parece, até aqui nada de efetivo foi feito pela Prefeitura Municipal de Aracaju.

Ao contrário, a prefeitura está anunciando uma grande avenida no local.

Afirmo com toda segurança: a avenida não é para garantir o acesso dos pescadores e das marisqueiras ao seu sustento. A nova e grande avenida não está sendo projetada, pensando em nós, os moradores pobres.

É verdade que uma nova avenida tem lá suas utilidades. Mas, na nossa pauta imediata e reprimida não consta uma nova e larga avenida. Constam mais escolas e mais oferta de vagas; constam mais unidades de saúde; constam áreas de lazer e cultura (praças, campos, quadras, teatros, galpões, etc.); constam transporte coletivo de qualidade e com regularidade; constam pavimentação e drenagem; consta iluminação pública decente; constam CRAES; consta redução e eliminação do déficit habitacional. Avenida larga pode ser o primeiro ponto de pauta de construtora.

Com isso, não quero dizer que o chamado progresso não deva chegar no Robalo e nos demais bairros. O progresso é inevitável. Mas, pode ser com equilíbrio. Pode ser com respeito à população pobre. Pode ser com respeito aos costumes e à cultura de quem já estava.

Nós, pobre e nativos, já estamos aqui por várias gerações. A construtora está chegando agora. Será (ou seria?) bem-vinda se vier com respeito. A construtora primeiro precisa nos respeitar e aprender o nome do lugar. É Robalo, dona construtora!

Tomara que não, mas se necessário for teremos que acionar os Ministérios Públicos ou o Poder Judiciário para evitar essas ilegalidades.

E a quem vai adquirir um imóvel num empreendimento desses, precisa analisar esses aspectos também importantes. A cultura, a flora, a fauna locais precisam e devem ser respeitadas. Via de regra, a segregação, muros de quatro metros, cercas elétricas, guarita de controle, ignorar a população nativa, pode parecer chique, pode parecer elitizante, pode parecer seguro, mas não é humano, não é justo.

E da Prefeitura Municipal de Aracaju, exigimos que efetivamente torne a cidade mais democrática, mais acessível, sem privilegiar uma minoria.

Todo mundo tem direito à cidade. Mas, que à marisqueira sejam dadas mais oportunidades do que à construtora.

—————————————————————————————————————–

*Militante do Fórum em Defesa da Grande Aracaju e morador do Robalo.