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Brasil, Argentina e o Cone Sul | José Luiz Fiori

By 28/03/2014janeiro 29th, 2018Artigos Semanais

Congresso Nacional em Brasília; e Casa Rosada em Buenos Aires

O novo projeto do Brasil e da Argentina, de construção de uma “zona de co-prosperidade” e de um bloco de poder sul-americano, é, de fato, uma revolução, na história do Cone Sul. Mas trata-se de uma estratégia que só poderá ter sucesso no longo prazo, e que enfrentará uma  oposição externa e interna, ferrenha e permanente, dos EUA e dos partidários locais do “cosmopolitismo de mercado”.

O artigo “Brasil, Argentina e o Cone Sul”, foi cedido pelo cientista política Jose Luiz Fiori para o INCT Observatório das Metrópoles com o objetivo de contribuir para o debate sobre os poderes hegemônicos mundiais, e mais os processos de globalização e neoliberalismo.

 

BRASIL, ARGENTINA E O CONE SUL

JOSÉ LUÍS FIORI

A extensão da bacia hidrográfica Rio do Prata, e a imensa fertilidade de suas terras, explicam, em boa medida,  a importância estratégica do Cone Sul, dentro do sistema internacional. A Bacia do Prata, constitui uma região geoeconômica plana, contínua e relativamente homogênea, que atravessa fronteiras e integra partes importantes dos territórios, argentino, uruguaio, paraguaio e boliviano, e do próprio território brasileiro, banhado pelo Rio Paraná,  e pelos seus afluentes, Parnaíba, Grande, Tietê e Paranapanema.

Essa região de enorme potencial econômico foi transformada num só tabuleiro geopolítico, pelas “guerras de independência”, e pelas “guerras platinas”, que se sucederam até a segunda metade do século XIX, culminado com a Guerra do Paraguai, que marca o início da competição secular entre a Argentina e o Brasil, pelo controle do Cone Sul.  Um século, exatamente, em que a Argentina se transformou no primeiro grande “milagre econômico” da América do Sul, entre 1870 e 1940; e em que o Brasil  se transformou no segundo grande “milagre econômico” do continente, entre 1937 e 1980, completando ao final, mais de cem anos de alto crescimento contínuo, dentro de uma mesma região, algo absolutamente incomum  na história do desenvolvimento capitalista.

O “take off” do “milagre econômico” argentino ocorreu  logo depois da Guerra do Paraguai, e da unificação definitiva do estado argentino, na década de  1860, e obedeceu à uma  estratégia  geopolítica claramente expansiva e de disputa pela hegemonia do Cone Sul, com o  Brasil e  o Chile.  Essa estratégica orientou, desde o início, as guerras argentinas de conquista territorial do oeste e do sul, assim como seu desenvolvimento econômico e sua aliança quase incondicional com a Inglaterra. Entre 1870 em 1930, a economia argentina cresceu a uma taxa média anual de cerca de 6%, e no início do século XX,  a Argentina havia se transformado no país mais rico do continente sul-americano, e na sexta ou sétima economia mais rica do mundo, com uma renda per capita que era quatro vezes maior que a dos brasileiros, e quase o dobro da dos norte-americanos, naquele momento. Nessa hora, a Argentina teve todas as condições para se transformar na potência hegemônica da América do Sul, e numa importante potência econômica mundial.

Mas não foi isto que aconteceu,  depois de 1940, quando a Argentina entrou num longo processo entrópico de divisão social, e crise política crônica, ao não conseguir se unir em torno de uma nova estratégia adequada ao contexto geopolítico e econômico criado pelo fim da II Grande Guerra, pelo declínio da Inglaterra, e pela nova supremacia mundial dos Estados Unidos.  Como se fosse uma sequência ou consequência quase direta dessa desaceleração argentina, o Brasil viveu o seu próprio “milagre econômico” –  entre 1937 e 1980 –  orientado por uma estratégia igual e contrária, de resposta e superação do desafio argentino, através de uma política de rearmamento das Forças Armadas, e de desenvolvimento e industrialização da economia brasileira. Essas ideias foram elaboradas e amadurecidas durante as duas primeiras décadas do século XX, mas só foram implementadas de forma sistemática e consistente  a partir da década de 30, quando a economia brasileira cresceu à uma taxa media anual de 7%,  ultrapassando  a   Argentina e transformando-se na principal economia da América do Sul.

Mas esse quadro favorável e de crescimento  contínuo foi alterado pela crise econômica e pelas mudanças geopolíticas da década de 70, quando o governo  brasileiro foi obrigado a redefinir sua estratégia de inserção internacional, e  sua própria política de desenvolvimento econômico. Foi nesse momento que governo militar do General Geisel  propôs a transformação do Brasil numa “potência intermediária”, e num “capitalismo de estado”. Mas esse projeto dos militares brasileiros foi  atropelada pela política externa, e pela política econômica internacional dos Estados Unidos, e pela oposição de uma parte das elites que haviam apoiado o regime militar.

Nessa história, o importante entender que os “milagres econômicos” da Argentina e do Brasil, nos séculos XIX e XX,  foram orientados por duas estratégias opostas de competição econômica e militar, pela hegemonia do Cone Sul. Essas estratégias foram formuladas internamente, mas acabaram sendo estimuladas e instrumentalizadas pela Inglaterra e pelos EUA,  como forma de equilibrar as forças e  neutralizar o poder expansivo do próprio Cone Sul.  Desse ponto de vista, o novo projeto do Brasil e da Argentina, de construção de uma “zona de co-prosperidade” e de um bloco de poder sul-americano, é, de fato, uma revolução, na história do Cone Sul. Mas trata-se de uma estratégia que só poderá ter sucesso no longo prazo, e que enfrentará uma  oposição externa e interna, ferrenha e permanente, dos EUA e dos partidários locais do “cosmopolitismo de mercado”. Nesse ponto não há como enganar-se: todo e qualquer sucesso dessa nova aliança, e dessa nova política do Brasil e da Argentina, será sempre considerado como uma “linha vermelha”, para os interesses dos EUA e de sua rede de apoios dentro continente, defensora da submissão estratégica e econômica da América do Sul à política internacional dos Estados Unidos.

 

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