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Caminhos descruzados: o transporte no Rio de Janeiro

By 30/04/2014janeiro 29th, 2018Artigos Semanais

Caminhos descruzados: o transporte no Rio de Janeiro

O que se sabe sobre o sistema de transporte público na cidade do Rio de Janeiro? O site VOZERIO produziu reportagem, assinada pelo jornalista Rogério Daflon, que analisa a evolução do sistema de ônibus e o metrô da capital fluminense. A matéria tomou por base dois livros publicados pelo INCT Observatório das Metrópoles.

O primeiro “Transição regulatória no transporte por ônibus na cidade do Rio de Janeiro”, do pesquisador Igor Matela, toma como ponto de partida o ano de 2010 –  quando a Prefeitura do Rio realizou, pela primeira vez, via licitação, a concessão privada de todo o sistema de transporte de ônibus da cidade – para mostrar que essa ação faz parte do processo de neoliberalização das cidades brasileiras, não representando uma ruptura, mas sim uma transição regulatória para um novo ciclo de acumulação do setor.

 

O segundo livro “O metrô no Rio de Janeiro: interesses, valores e técnica em projetos estruturais de desenvolvimento urbano”, da pesquisadora Eliane Guedes, faz uma reconstituição histórica do processo de decisão para a construção do Metrô-RJ, analisando questões-chave para a decisão – como os diferentes traçados, a construção e o financiamento – e a trajetória institucional percorrida. O livro figura como relevante contribuição para pensar as políticas de transporte e mobilidade urbana em um período de redemocratização do Brasil.

 

A reportagem “Caminhos Descruzados”, de Rogério Daflon, e o site VOZERIO têm contribuído para ampliar o debate sobre o modelo de cidade que desejamos – cidades mais democráticas e justas, e com acesso aos seus usos para toda a população.

 

Caminhos Descruzados | Por Rogério Daflon

Dois livros sobre mobilidade urbana são lançados num momento em que a Região Metropolitana do Rio tem sérios problemas para se movimentar. Vamos dizer logo os nomes das duas publicações, ambas da editora Letra Capital, porque são, digamos, um pouco extensos: um deles se chama Transição regulatória no transporte por ônibus na cidade do Rio de Janeiro; o outro, O metrô no Rio de Janeiro: interesses, valores e técnica em projetos estruturais de desenvolvimento urbano. Foram escritos, respectivamente, por Igor Matela e Eliane Guedes, como dissertação de mestrado e tese de doutorado. E merecem uma pista sem engarrafamento para sair dos limites do dia a dia acadêmico.

A proposta aqui é, primeiramente, dar um passeio de ônibus, de volta a um ponto no tempo. Isso porque Matela conduz a análise a partir do processo de licitação dos ônibus realizado em 2010, na capital do Rio de Janeiro. Diz que a prefeitura, à época, anunciou essa licitação como uma ruptura da relação de favorecimento às empresas do setor com o poder público e vice-versa.

“Mas, à primeira vista, a grande impressão é de que nada mudou, ou melhor, mudou no sentido de o poder público ter dado mais segurança às empresas de ônibus”, diz Matela, já adiantando parcialmente sua conclusão.

O autor justifica a afirmação, comparando os termos da licitação de 2010 e os contratos anteriores. “Os acordos eram instáveis, com prazos indefinidos. Quando o governo do Estado ou a prefeitura da capital ameaçava transformar esses acordos, as empresas se rebelavam, sob o argumento de que tinham investido muito para que houvesse mudanças. As empresas sempre cogitavam fazer ações indenizatórias contra as administrações públicas. Já nesse período mostravam que tinham um sindicato forte, como hoje é a Fetranspor (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro)”.

Matela volta um pouco nessa viagem no tempo para chegar à década de 1980, quando o então governador Leonel Brizola transformou uma parte das empresas privadas em públicas, pagando uma indenização. Segundo o autor, esta foi a única intervenção para reduzir o poder das empresas de ônibus no estado, e não foi tão bem-sucedida.

“A intervenção de Brizola é apenas um marco histórico, pois, no Rio, nenhum governo ousara ir contra o poder dessas empresas. Com a eleição do governador Moreira Franco, em 1986, derrotando Darcy Ribeiro, candidato de Brizola, as empresas encampadas pelo Estado retomam seus empreendimentos”.

De volta ao ano de 2010, a prefeitura da capital passa a ser a grande permissionária das empresas de ônibus, após a supracitada licitação. “Assim, manteve-se a reserva de mercado para as empresas desse modal, em detrimento de investimento em outros modais, como trem, barcas e metrô. As empresas de ônibus detêm 70% do transporte no município, com tendência ao aumento desse percentual. Enquanto isso, as concessionárias de trem e barcas reclamam que não investem devido à pequena margem de lucro.”

Matela afirma que as empresas de ônibus têm nessa concessão mais garantias jurídicas e de rentabilidade. A administração municipal costuma aceitar o argumento de desequilíbrio econômico contido no contrato.

“O último aumento de ônibus foi nessa direção. As empresas diziam que precisam de recursos para pôr ar-condicionado na frota, mas até o momento o carioca continua a andar em ônibus em refrigeração”, diz Matela, como exemplo.

As garantias às empresas são também de longo prazo, já que concessão dada pela prefeitura em 2010 é de 20 anos, com mais 20 renováveis. “O contrato diz que a cada cinco anos pode ser revisto, inclusive deixando claro que pode haver mudanças se houver ganhos excessivos dessas empresas. Mas o poder público não tem mostrado disposição de questionar isso”, diz Matela.

“O sistema Riocard é uma grande caixa-preta.” Igor Matela

Do contrário, acrescenta ele, exigiria mais transparência por parte das empresas, que têm o controle total das informações. “O sistema Riocard, pelo qual se controla a receita das passagens, é uma grande caixa-preta”.

Em suma, para o autor, a relação das empresas com a prefeitura é uma mistura de garantia de reserva de mercado às cerca de 40 empresas de ônibus, com rentabilidade assegurada e baseado em informações controladas apenas por parte desse segmento. “Como é uma concessão pública, os dados das empresas deveriam estar à disposição dos usuários. No livro, mostro que não houve a prometida ruptura e, na verdade, foi fortalecido um grupo de empresas maiores em detrimento de outras menores”. Esse grupo é representado pela Fetranspor, que controla o sistema Riocard.

Tal grupo, pontua o autor, tem expandido seus negócios. Através da Riopar Participações, tem participação em outros modais, como as Barcas SA e os VLTs (Veículos Leves sobre Trilhos), que estão sendo instalados no Centro da cidade. “Sem falar nas linhas dos BRTs (Transporte Rápido por Ônibus, que opera em faixas exclusivas)”, diz o autor. “A força política dessas empresas determina o tipo de transporte a ser posto em prática na cidade”, sintetiza.

http://vozerio.org.br