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Na entrevista A cidade latino-americana em seu labirinto, destaque da edição nº 23 da Revista e-metropolis, o professor Emilio Pradilla Cobos fala sobre uma série de questionamentos que permeia as metrópoles da América Latina na sua fase neoliberal. O caráter labiríntico, neste caso, se reflete nas diferentes temáticas percorridas por Cobos para explicar a dinâmica das nossas cidades, com especial atenção à (re)concepção dos espaços públicos e sua relação com o capital imobiliário financeiro, elemento preponderante nas políticas públicas atuais, especialmente naquelas oriundas de governos vistos como progressistas.

A seguir um trecho da entrevista com Emílio Prailla Cobos, arquiteto, professor e pesquisador da Universidade Autônoma Metropolitana, Unidade Xochimilco, México DF, México. E também membro da Rede Latinoamericana de Pesquisadores sobre Teoria Urbana (Relateur).

A cidade latino-americana em seu labirinto

Prof. Emilio Pradilla Cobos

 

CEDINS: Hoje em dia, qual seria o conceito de cidade? Hoje em dia temos não apenas o núcleo urbano, mas toda uma extensão desse núcleo a partir de fenômenos de conurbação, de “ruralidades urbanas”. O que seria, portanto, hoje, o conceito de cidade?

Emilio Pradilla: A cidade é, em primeiro lugar, concentração. É concentração territorial de povoação, concentração territorial de atividade econômica, de relações sociais, de cultura. O elemento definidor de cidade é a concentração, mas especialmente a concentração de relações sociais. Isso, evidentemente, é algo que se modifica no tempo. Desde o início do século XIX, as cidades são compactas, delimitadas, têm um fim. Com os processos posteriores aos anos 1960, quando se dá todo o processo de metropolização em muitas grandes cidades da América Latina, esta ideia do finito, do “delimitado”, daquilo que diferencia a cidade do campo, começa a se diluir. As cidades crescem muito significativamente, em termos populacionais, e de atividades também. O surgimento da indústria gera processos de dispersão. Além da ideia de metrópole, também há outra de megalópole, ainda que, para mim, esse conceito não me satisfaça por completo. Poderíamos falar de cidade-região, onde já não é só a discussão de uma grande metrópole ocupando o território, mas sim a existência de uma constelação de grandes cidades que se organizam a uma relativa distância, entre as quais se intensifica, notoriamente, o fluxo de pes- soas, informação, mercadorias, sobre a base de redes densas de infraestrutura e serviços que dão essa imagem de uma região urbanizada. Então, hoje em dia, poderíamos dizer que a cidade não tem um limite preciso, que suas periferias são difusas, arquipélagos de assentamentos humanos, e um custo social.

CEDINS: Antes de tudo, façamos uma excursão teórico-metodológica: na Colômbia, ultimamente tem-se trabalhado nos meios acadêmicos os trabalhos do David Harvey. Como se sabe, ele retoma a ideia de que o espaço não é um simples recipiente, e sim que o capital constrói seu próprio espaço. Qual seria a especificidade da acumulação de capital em relação às cidades de hoje em dia, mas, particularmente, na América Latina?

EP: Esse tema é relativamente muito amplo. Primeiramente, eu diria que existem continuidades de acumulação em relação aos tipos de cidades anteriores, começando por cidades que se formaram precisamente a partir dos processos de industrialização no marco do que poderíamos chamar de Estado intervencionista – isto é, o padrão de acumulação com intervenção estatal. Não podemos falar que o neoliberalismo cria uma cidade totalmente nova – e quem pensa assim, na minha opinião, está exagerando.

Não. Existem continuidades; há processos que começaram desde muito antes na cidade capitalista latino-americana. E há processos também que são, evidentemente, parte constitutiva do padrão neoliberal de acumulação de capital. Assim, eu diria que, primeiro, a grande especificidade se trata do processo de privatização do público, de tudo aquilo que, construído pela sociedade, aparece sob o controle dos Estados latino-americanos – um controle não necessariamente democrático tampouco progressista. Nisso, o que mais atinge a nós é a privatização dos aparatos públicos urbanos, a privatização daquilo que consideramos como parte constitutiva estruturante da cidade: as infraestruturas e os serviços sociais. Ou, em suma, os espaços públicos. Creio que esse é um dos pontos mais substanciais introduzido pelo padrão neoliberal, que desmantela o sistema público urbano.

A transferência do público ao capital privado provoca uma mercantilização plena de todos esses elementos, como a mercantilização da rua, por exemplo. Na Cidade do México, é muito notória a presença da publicidade. Em todas as partes da cidade aparecem esses anúncios publicitários de grandes empresas etc. Ou seja, há uma mercantilização da paisagem visual da cidade, das vias, das ruas, sobre- tudo em zonas centrais. Porém, há o outro lado dessa moeda também, que seria a privatização afetando os setores populares a partir de atividades de subsistência. Assim, deparamo-nos aí com um fato de mercantilização plena das cidades.

CEDINS: O que dizer, então, dessa proliferação que parece ser uma característica mundial do

que conhecemos como centros comerciais, isto é, os shopping centers, que criam cidades fechadas dentro das cidades, mas de feições apenas comerciais?

EP: Sim, são comerciais e, portanto, privados. Ou seja, a mercantilização se manifesta de uma forma muito significativa com o desenvolvimento da “terceirização” das cidades latino-americanas, cujo elemen- to determinante, eu diria, se traduzem nos processos de desindustrialização das cidades, correspondentes, em parte, às dos países latino-americanos. É o que o Pierre Salama chama de “desindustrialização precoce”, “relativa”, dos países latino-americanos. Nas cidades, o reflexo desses processos é mais notório por coincidirem, por um lado, com os processos de abertura comercial que incitam a instalação de um maior número de empresas dentro dos nossos terri- tórios, mas enfrentando, ao mesmo tempo, a estrutura produtiva dos países hegemônicos do capitalismo em condições de desigualdade, particularmente as pequenas e médias empresas. Esse enfrentamento também pode se dar quanto à reestruturação dos processos produtivos do grande capital transnacional. Por outro lado, vê-se uma valorização bastante intensa dos territórios ocupados pela indústria dentro das cidades.

A indústria se instalou quando as cidades estavam se expandindo, fazendo com que essa expansão, ao cabo, tornasse a localização delas em lugares, muitas das vezes, estratégicos. Portanto, como o preço do solo nesses locais encareceu – hoje é muito alto –, as indústrias conseguem recuperar uma grande quantidade de capital com a venda dos terrenos instalando-se em lugares diferentes ou desmantelando-as para entregá-las ao capital imobiliário financeiro. Nesse sentido, essa desindustrialização determina uma correlação simples, um problema básico de matemática. Determina o crescimento do setor terciário, já que o setor agrário tende a decrescer continuamente. Porém, em segundo lugar, a saída das indústrias e a intensificação da composição orgânica do capital nas empresas industriais gera cada vez mais uma incapacidade dessa estrutura produtiva de absorver população trabalhadora. Eleva-se, portanto, o que chamamos de “massa de superpovoação relativa nas cidades”. Cresce o exército industrial de reserva que sobrevive basicamente com atividades terciárias através da informalidade, ou seja, com atividades de subsistência que, por natureza, são essencialmente terciárias.

Acesse a edição nº 23 da Revista e-metropolis e leia a entrevista completa com Emílio Pradilla Cobos.

Last modified on 12-01-2016 19:37:03