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O Observatório das Remoções de Fortaleza, vinculado ao Laboratório de Estudos da Habitação (LEHAB/UFC), divulga a análise “Como os jornais noticiam os casos de remoção” no qual debate o papel da imprensa na cobertura e monitoramento das políticas públicas, como também o seu papel de influência simbólica e de narrativa entre as várias disputas que perpassam a sociedade.

O caso da análise, assinado por Aline Medeiros (estudante de Comunicação Social e bolsista do LEHAB), é o processo contínuo de remoções que tem ocorrido em Fortaleza. A pesquisador coletou e analisou 75 reportagens sobre remoções ocorridas na capital e disponibilizadas online, entre 2009 e maio de 2017.

                                     Vila Vicentina em Fortaleza (Crédito: site LEHAB/reprodução)

Segundo o levantamento, a imprensa da capital do Ceará faz uma cobertura jornalística superficial, muitas vezes culpabilizando os moradores — já que muitas vezes invadiram o terreno — e apagando as famílias e suas condições, processos de indenização etc. Do outro lado, a imprensa não investiga de quem é a posse do terreno, não aborda a legislação de uso e ocupação do solo de maneira adequada. E tampouco analisa o processo de especulação imobiliária presente no país.

Leia a análise completa a seguir.

O LEHAB/UFC integra a Rede Nacional INCT Observatório das Metrópoles por meio do projeto “Planejamento urbano e direitos humanos no Brasil: implementação do direito à moradia e à cidade”, com patrocínio da Fundação Ford. Coordenado pelo profº Renato Pequeno (UFC), a equipe do LEHAB tem atuado, nos últimos anos, na região metropolitana de Fortaleza com foco no debate e defesa do direito à cidade, produzindo conhecimento científico, formando novos pesquisadores e tecendo uma articulação para fora dos muros da universidade, em diálogo constante com movimentos sociais, organizações da sociedade civil, coletivos e grupos da luta urbana.

Como os jornais noticiam os casos de remoções

A mídia, como o conjunto de meios de comunicação, tem a habilidade de produzir um discurso e fazer que esse alcance um grande número de pessoas. Seguindo os tão conhecidos “critérios de noticialibidade”, os jornais – sejam eles impressos, televisivos ou radiofônicos – decidem que acontecimentos deverão chegar para a população e, mais importante, de que forma deverão ser noticiados. Isso não é surpresa, cada meio tem linha editorial e manual de redação bem definidos.

Divulgar e cobrar ações do poder público é uma das funções incorporadas pelos meios de comunicação. O próprio poder público já espera por isso, é como se uma nova política pública só fosse validada ao ser noticiada pela imprensa. Fazem questão disso, chamam repórteres para os eventos, as assessorias criam contatos nas redações. O trabalho é uma via de mão dupla, espera-se do repórter obter a fala de uma autoridade sobre o novo hospital construído ou a nova escola a ser inaugurada.

A ideia da imprensa como um “quarto poder”, imparcial e com a habilidade de clamar justiça ainda persiste. No entanto, não há a consciência de que os meios de comunicação são empresas e, como empresas, tem interesses econômicos e políticos próprios. É desconhecido quem são os donos da mídia. Eles formam oligopólios que incorporam diversos meios de comunicação em um sistema. Tal coisa é proibida pela Constituição Federal, esses sistemas controlam a maior parte dos canais televisivos, ou jornais que serão vendidos e ditam o discurso a ser incorporado pela sociedade. Não é de interesse deles se impor contra empresários aliados e anunciantes dos jornais.

Assim, o uso crítico da mídia por esses jornais de maior circulação deixa a desejar. Essa não é uma função incorporada por eles. O acúmulo de funções, a precarização e a falta de estímulo na profissão de jornalista se soma como mais uma causa de matérias rasas e com poucas apurações. Esquece-se de, por exemplo, questionar determinada decisão de um prefeito, de entender outros fenômenos que aconteceram para aquela medida ser necessária, de contextualizar o leitor o porquê a política pública aconteceu e de que forma aconteceu.

Fortaleza é uma cidade desigual, à medida que há pessoas com mais de uma casa, existem famílias inteiras sem nenhuma, o déficit habitacional chega a 120 mil. O acesso ao território é limitado, 40% da população ocupa 10% da cidade e vive em assentamentos precários, ou seja, barracos com um cômodo, sem energia elétrica, sem saneamento e sem vias adequadas. É comum que, nas áreas de favela, os moradores não tenham a propriedade do terreno, tornando-se suscetíveis a remoções. É preciso que se esclareça que a segurança da posse não pode estar vinculada somente ao reconhecimento jurídico da mesma, pois a maioria das comunidades atendem aos requisitos legais para sua regularização, como o tempo de permanência ser maior que cinco anos, utilizar o local para moradia, que este local seja menor que 250m² e que os moradores não tenham outro imóvel no seu nome. Enquanto isso, o atual prefeito Roberto Cláudio recebeu, em 2013, um prêmio “Fiec – Desenvolvimento Setorial” do Sindicato da Construção Civil.

Dessa forma, o Observatório das Remoções, parte do Laboratório de Estudos da Habitação (Lehab) da UFC, coletou e analisou 75 reportagens sobre remoções ocorridas na capital disponibilizadas online, sendo a maioria dos jornais O Povo e Diário do Nordeste, entre 2009 e maio de 2017. Através da pesquisa, chegou-se à conclusão que a temática das remoções não é abordada de forma proporcional a grande quantidade de ações de despejos que acontecem. Alguns exemplos, de fato, ganharam maior repercussão e investiu-se em noticiar os desdobramentos, como o caso da Vila Vicentina, na qual foram publicadas 13 reportagens, e da comunidade Boca da Barra, com 22 reportagens. É curioso notar como esses dois exemplos ficaram conhecidos pela população em geral.

Por mais que não utilize a expressão “invasão” para denominar a ocupação e construção de barracos em terrenos privados, parece que não há problemas remover uma comunidade. A culpa é inteiramente dos moradores, afinal, por que levantaram barracos em um terreno ao invés de comprar a casa própria? Apaga-se quantidade de famílias, as condições delas, onde se encontravam e para onde foram, quanto de indenização receberam. Além do lado social, apaga-se os verdadeiros agentes que se beneficiam com as remoções, os donos de terrenos, as construtoras e as empreiteiras. Não se investiga de quem é a posse do terreno, não há nem mesmo um processo judicial. Nos espaços privilegiados com infraestrutura, a especulação mobiliária atua de modo aterrorizante para as comunidades.

Remoções que não respeitam o direito a integridade humana e que não garantem indenizações adequadas são comuns em Fortaleza. Apenas neste ano, cerca de 1.885 famílias foram ameaçadas ou removidas de fato. Entre esses casos, em 55% houve denúncia de ações violentas, e 68% foi feita sem ordem judicial ou administrativa. A cidade é cada vez mais governada de acordo com as demandas do mercado imobiliário e do capital. Ao passo que os jornais ignoram existência das pessoas removidas, sem dar espaço de fala, sem trazer desdobramentos da remoção, como, no mínimo, as condições de vida após remoção. É o acontecimento daquele dia e hora que importa, presa-se pela factualidade.

*Matéria produzida por Aline Medeiros, estudante do Curso de Comunicação Social da UFC e bolsista do Lehab.