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O que esperar dessa nova dinâmica do conflito de classes nos espaços urbanos brasileiros? Essa é uma das questões norteadoras do artigo do professor Carlos Antônio Brandão (IPPUR/UFRJ) para a edição nº 38 da Revista Cadernos Metrópole, no qual discorre sobre as três fases neoliberalizadoras do Brasil, sendo que a última está sendo posta em prática no atual governo Temer, todas com redistribuição em favor das rendas do capital, em detrimento das rendas do trabalho. A análise aponta os diversos fatores que levaram, nos âmbitos nacional e mundial, a um “frontal e potente ataque” aos compromissos e estruturas que vinham sendo construídos ou fortalecidos para a reorganização de uma sociedade urbana mais complexa.

O artigo “Crise e rodadas de neoliberalização: impactos no mundo do trabalho no Brasil” é um dos destaques do Dossiê Especial “Trabalho e território em tempos de crise”, presente na nova edição da Revista Cadernos Metrópole (nº 38).

Abstract

The purpose of this essay is to analyze the crisis and recent neoliberalization rounds on the global and national scales, aiming to discuss possible impacts on the labor market, especially in urban-metropolitan areas in Brazil. Based on the nature of the Brazilian urbanization process, it seeks to identify the logic of those rounds and of current geopolitical and geo-economic transformations, trying to place Brazil within this context. It analyzes the urban network and the phenomenon of the metropolis, which is an urban and complex socio-economic and socio-spatial system, as an important locus to investigate changes in the labor world of Brazil. It concludes by arguing that, in the last 20 years, from 1995 to 2015, Brazil underwent three neoliberalization rounds that used very different devices, mechanisms and instruments of re-regulatory experiments. They have had different repercussions and require in-depth comparative studies.

INTRODUÇÃO

Por Carlos Antônio Brandão

Sem pretender discutir as complexas articulações teóricas entre trabalho e produção social do espaço, caberia iniciar este artigo apenas lembrando que, no final dos anos 1960 e início dos 1970, estruturou-se um campo de conhecimento que poderia ser denominado urbanismo e economia política da urbanização que, procurando criticar a hegemonia teórica da Escola de Chicago (Park, 1991), apontou importantes questões sobre a reprodução da força de trabalho e do espaço urbano. Alguns autores deram grande contribuição a esse debate.

Castells partiu do pressuposto de que o espaço urbano é estruturado, sendo, assim, fundamental conceber a cidade como projeção da sociedade no espaço e tomar o urbano como o espaço da reprodução simples e ampliada da força de trabalho, buscando teorizar sobre os meios de consumo coletivo e as lutas sociais por sua provisão, em que “consumo coletivo refere-se, no essencial, ao processo de reprodução da força de trabalho e ao processo de re- produção das relações sociais” (Castells, 1983, p. 492).

Lojkine (1997, p. 124) observou que a urbanização é um “modo de aglomeração específica do conjunto dos meios de reprodução (do capital e do trabalho) que se vai tornar, por si mesmo, condição sempre mais determinante do desenvolvimento econômico”.

Harvey (1980) construiu uma argumentação centrada no fato de que o por ele chamado de urbanismo vai requerer a circulação de ex- cedente, do trabalho disponível intercambiado como a mercadoria força de trabalho, em um mercado supostamente “livre”, mas também a aglomeração e a concentração desse excedente e desse trabalho-mercadoria no espaço urbano. Nesse contexto,

a cidade funcionará como um lugar de disposição de produto excedente[…]. A criação das necessidades na sociedade urbana contemporânea são todas manifestações diferentes desse mesmo fenômeno. A cidade pode assim ser interpretada parcialmente com um campo destinado a gerar demanda efetiva. (Harvey, 1980, p. 195)

Interessante notar que Harvey partiu nessa obra das reflexões de Polanyi (1980), que tratou de discutir o trabalho como uma das três “mercadorias fictícias” (ao lado da terra e do dinheiro). Segundo ele, em toda a história da humanidade, todas as anteriores formas de estruturações sociais da produção tiveram o trabalho inserido na organização geral da sociedade, mas o momento histórico da expansão do mercado autorregulável exigiu a separação institucional da sociedade em duas esferas apartadas, a econômica e a política. O mercado atacou as salvaguardas que protegiam o trabalho da livre comercialização, estabelecendo o seu intercâmbio generalizado como uma mercadoria qualquer, subordinando, dessa forma, a substância da própria sociedade, que é o trabalho, às suas próprias leis mercantis.

Por seu lado, Jacobs (1969), após defender a importância e mesmo a precedência das cidades sob o campo, discutiu como o novo trabalho surge. De acordo com essa obra, a economia das cidades se expande e se desenvolve pela forma como adiciona novos tipos de trabalho aos já existentes. A autora apresentou vários exemplos para sustentar sua tese de que um tipo de trabalho conduz a outro, em um processo evolutivo no qual novos produtos e serviços são adicionados e novas coincidências de habilidades são combinadas. Novos trabalhos, que clamam por novas tarefas e renovados labores, criam novas somas e massas e interfertilidade de atos e atividades, que são adicionados a alguns trabalhos anteriores (não ao conjunto deles, mas a algum fragmento de trabalho muito específico), e é nesse processo que se engendram e multiplicam novas divisões sociais do trabalho que podem aprofundar o convite a uma variedade de outros trabalhos a serem disponibilizados e apropriados no espaço urbano.

Desse modo, de uma forma ou de outra e sob distintas perspectivas, esses autores clássicos tinham colocado o trabalho no centro da análise do processo capitalista de produção e de urbanização. Entretanto, essa foi uma tradição que foi se perdendo, até quase se dissipar no debate pós-1990, por motivos que não caberia aqui discutir, mas que têm relação com a polêmica sobre o fim da centralidade do trabalho (Gorz, 1999 e Castel, 1998 e 2010).

Independentemente dos caminhos que tomou tal polêmica, o certo é que o trabalho continua a ser uma categoria central e fundante dos laços de sociabilidade, um dos alicerces de integração, prestígio e coesão sociais, e elemento crucial da organização da vida social e de uma sociedade urbana, que tem nas relações de trabalho alguns de seus principais nexos sociais.

Há pouco mais de uma década, na maio- ria dos países da América Latina, um conjunto de políticas de cunho social vinha construindo algum patamar de maior homogeneização social, com uma melhor estruturação dos seus respectivos mercados de trabalhos urbanos, com aumento de segurança, proteção e formalização de suas relações trabalhistas.

No caso específico do Brasil, no período entre 2003 e 2015, avançou-se muito em um conjunto de políticas sociais voltadas à proteção das camadas mais destituídas da população e na expansão do mercado interno de consumo popular. Caberia destacar o avanço das políticas de transferência de renda, o crescimento formal do emprego, a valorização do salário mínimo, a expansão do volume e das linhas de crédito (inclusive o consignado), a expansão da capacitação e do ensino superior, etc., além de progressos localizados na luta mais geral das últimas décadas, travada pela permanência das conquistas e dos ganhos sociopolíticos da Constituição Cidadã de 1988, com melhorias na distribuição de renda e na qualidade do mercado de trabalho.

Não obstante diversos fatores que apontaremos neste artigo, concorreram para que, atualmente, através de uma nova rodada de neoliberalização, todos aqueles compromissos, processos, mecanismos e estruturas que vinham sendo construídos ou fortalecidos para a reorganização de uma sociedade salarial urbana mais complexa estejam agora sob frontal e potente ataque na conjuntura mundial e nacional.

O aprofundamento da crise mundial, as notáveis movimentações geopolíticas e geoeconômicas em processo e as opções conservadoras pelas decisões prefiguradas pelas forças do mercado têm conduzido à reestruturação regressiva dos mercados de trabalho e à individualização, precarização e intensificação da exploração da força de trabalho, colocando em xeque o movimento de mobilidade ascendente na base da pirâmide social e a formalização das ocupações que estavam se estruturando, desmontando, assim, sistemas de proteção, garantias e segurança que vinham sendo duramente erguidos, mesmo sob forte ataque antipopular nas últimas décadas.

Nesse contexto, este artigo pretende analisar o período recente de crise e rodadas de neoliberalização nas escalas mundial e nacional, procurando discutir os possíveis impactos nos espaços urbano-metropolitanos e no mundo do trabalho, com destaque para o caso brasileiro.

Acesse o artigo completo no site da Revista Cadernos Metrópole.

 

Última modificação em 12-04-2017 17:52:48