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Neste artigo para a Revista Cadernos Metrópole nº 38, Carlos Gonçalves volta sua reflexão para a crise pós-2008 nas cidades portuguesas, a partir de uma abordagem teórico-conceitual sobre exclusão e vulnerabilidade social. No contexto da crise europeia, o autor realça as diferentes condições de enfrentamento da crise entre países e regiões, ao apontar que naqueles, onde mais se fizeram sentir as políticas de austeridade, os efeitos nas condições de trabalho e renda amplificaram as situações de risco e de exclusão social.

O artigo “Crise pós-2008 nas cidades portuguesas da NUT III Oeste: desemprego e exclusão social” é um dos destaques do Dossiê Especial “Trabalho e território em tempos de crise”, presente na nova edição da Revista Cadernos Metrópole (nº 38).

Abstract

In this paper, we evaluate the impact of the post-2008 crisis on unemployment, accessibility to sources of income and essential goods, and on situations of poverty and exclusion experienced by families living in the cities of NUT III Oeste (Alcobaça, Caldas da Rainha, Peniche and Torres Vedras). The results are based on a fieldwork (387 households were inquired and the collected information refer to 1,028 individuals) that was conducted from April 4 to May 6, 2014. Overall, the results we attained quantify and qualify the decline of the access to employment and, as a consequence, to sources of income by the households, exposing multiple dimensions of the social exclusion that these communities experienced in the six years that were analyzed (between 2008 and 2014).

INTRODUÇÃO

Por Carlos Gonçalves

A extensão e a rapidez de progressão da cri- se que eclodiu no início do segundo semestre do ano de 2008 transformaram o colapso do sistema de crédito à habitação (subprime) dos Estados Unidos da América (EUA) e dos correlativos mecanismos de seguros, numa crise financeira e econômica de dimensão global. Com as principais instituições financeiras dos EUA em falência, rapidamente se propagaram os efeitos para o sistema financeiro internacional que, por sua vez, globalizou os mecanismos de recessão econômica (Kotz, 2009). No contexto europeu, os efeitos da crise pós-2008 só são comparáveis com os da Grande Depressão dos anos 1930 (Ecotrust, 2012; Urbact, 2010; European Commission, 2011 e Fujita, 2013). Isso quer dizer que o contexto de crise iniciado em 2008 não tem precedentes na história econômica europeia do período pós-guerra (European Commission Directorate-General for Economic and Financial Affairs, 2009).

Essa singularidade, no que diz respeito à rapidez do efeito de contágio e à extensão dos impactos, contrasta com a proximidade dos processos que estão na sua origem em face de outros episódios de crise experienciados no passado (como no Japão e nos países Nórdicos, no início dos anos 1990, e na crise Asiática do final dos anos 1990). Ou seja, todos são marcados pela existência de um período de forte expansão do crédito associado às falhas na avaliação do risco, pela profusão da liquidez na economia, pela procura e pelos preços mobilizados por dinâmicas especulativas e por “bolhas” geradas nos setores públicos. Um sistema econômico assente numa matriz financeiro-imobiliária sobre inflacionada vulnerabiliza as instituições, as empresas e as famílias que asseguram o seu rendimento na economia real, isto é: no mercado de produtos e serviços transacionáveis.

Na confluência de fatores desse gênero, qualquer gatilho (nesse caso, como se referiu acima, foi o desmoronamento do mercado subprime nos EUA) gera ondas que desagregam os sistemas financeiro, econômico e social (European Commission Directorate-General for Economic and Financial Affairs, 2009). O relatório da Comissão Europeia, anteriormente citado, estimou que a queda do Produto Interno Bruto (PIB) comunitário seria de 4% ao ano, de 2009, representando a maior contração econômica da sua história. A profundidade desse processo de crise, iniciado em 2008, cuja sequência de aprofundamento se encontra resumida, por exemplo, em Tosun, Wetzel e Zapryanova (2014, p. 197), gerou diversas interpretações, que se apresentam, de modo resumido, a seguir.

Esse processo de crise pode ser enquadrado num movimento mais amplo de disfunções sistêmicas financeiras e dos setores públicos, associadas ao aprofundamento de uma linha especifica do capitalismo, dito neoliberal. Essa interpretação aproxima a progressão desse tipo de capitalismo (de cariz neoliberal) à inevitabilidade da crise como mecanismo para o seu aprofundamento. Nessa linha interpretativa, a crise não representa um fenômeno esporádico, pelo contrário, trata-se de uma recorrência sistêmica que só será resolvida se se introduzirem alterações na natureza do próprio modelo socioeconômico (Kotz, 2009). Esse sentido integrado faz-se acompanhar da consciência da necessidade de políticas capazes de reformar os mecanismos de regulação dos mercados financeiros, desligando-os da lógica prevalecente emanada do consenso de Washington (Silvey, 2010).

Na União Europeia, entre a necessidade identificada de rever os mecanismos de regulação do sistema financeiro, a cadeia de impossibilidades que se foram firmando, as soluções de austeridade implementadas em Estados-membros mais vulneráveis (Irlanda, Grécia, Espanha e Portugal, aos quais foi imposto, numa primeira fase, que recorressem aos seus orçamentos para amortecer os efeitos das falências das instituições financeiras), emergem episódios que somam uma dimensão política às restantes frentes da crise (Tosun, Wetzel e Zapryanova, 2014). Decorre do que se disse anteriormente: uma leitura multidimensional (financeira, bancária, de dívida pública, macro- econômica) de interligações que potencializam os efeitos da crise.

Abrindo o espetro de análise, Homer-Dixon et al. (2015) defendem que a bitola para a interpretação das crises será marcada, no futuro, pela arquitetura dos acontecimentos de 2008-2009. Os autores analisam a matriz intersistêmica (de cariz globalizante) e propõem o reconhecimento de um estado de crise que designam como synchronous failure, assinalando o quadro sincronizado de colapsos. Na definição de sistema, agrega-se um conjunto de entidades por via de mecanismos que conferem unicidade e identidade perdurável por longos períodos de tempo. No caso dos sistemas socioecológicos abordados pelos autores, conjugam-se recursos, organismos naturais, comunidades em diferentes estados de desenvolvimento, organizações, instituições e tecnologias.

Num cenário de crise, as ligações entre todos esses elementos são perturbadas de modo articulado por eventos desencadeados num curto período de tempo, prejudicando duradouramente a qualidade de vida de boa parte da população (ibid., 2015). A cadeia de disfunções ecológicas, financeiras, energéticas, econômicas, políticas ou tecnológicas que amplifica os efeitos da crise não tem sequência preestabelecida é antecipada por acontecimentos aparentemente irrelevantes, é detonada repentinamente e ganha ressonância com a sincronização de falhas nos diferentes subsistemas, criando dinâmicas de degradação e retrocesso social.

Acesse o artigo completo no site da Revista Cadernos Metrópole.

 

Última modificação em 12-04-2017 18:22:12