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Franklin Soldati¹

Há tempos o Observatório das Metrópoles tem acompanhado, em diversas frentes, o processo de reprimarização da economia brasileira. Autores como Milton Santos, Clélio Campolina Diniz e Wilson Cano enfatizaram um processo demográfico em andamento ou o que Milton Santos denominou de “desmetropolização” em seu livro “A Urbanização Brasileira”, publicado pela HUCITEC em 1993. O título deste pequeno artigo é uma homenagem. Campolina entendeu o fenômeno como desconcentração ou desenvolvimento poligonal, enquanto Wilson Cano irá denominá-lo de desconcentração econômica regional. Cada qual adotou diferentes ferramentas metodológicas para a abordagem. O presente artigo privilegia a perspectiva de Milton Santos.

Edição do livro “A Urbanização Brasileira”, de Milton Santos, pela Editora HUCITEC (1993).

Na verdade, Santos explica que apesar do fabuloso processo de urbanização, ocorreu um processo concomitante de distinção entre um país urbano (que inclui áreas agrícolas) e um país agrícola (que inclui áreas urbanas). Ele defendeu a ocorrência de um processo de atenuação das macrocefalias, em que além do desenvolvimento daquilo que denominou de “cidades milionárias”, desenvolveram-se também cidades intermediárias, ao largo das cidades locais. O geógrafo chama a atenção para o desenvolvimento espraiado das cidades brasileiras, que seria um traço característico da especulação. Tal fenômeno foi percebido por ele como uma “metropolização contemporânea” ou uma “desmetropolização”. Santos notou que, apesar do desenvolvimento colossal das metrópoles, no quesito informação e comunicação, elas tenderam a certa involução metropolitana, já que apresentavam crescimento inferior ao das cidades intermediárias, localizadas nas regiões dinâmicas agrícolas. A metrópole teria passado a ocupar o lugar da pobreza, de atrair e manter gente pobre, ao mesmo tempo em que se tornava o local de todos os capitais e de todos os trabalhos. De modo que, enquanto a cidade crescia a população empobreceu. Por outro lado, e juntamente com Darcy Ribeiro, tentou emplacar o projeto de uma “urbanização caótica”, que seria aprofundar a realidade de um aspecto da urbanização corporativa, espelhada técnica cientificamente no território, enquanto no campo social dava origem a uma sociedade dualizada.

Por isso, em contraste ao crescimento das grandes cidades, com infraestrutura deficiente e ausência de qualidade de vida, as cidades de médio porte esbanjavam ‘qualidades’, de vida e de infraestrutura e, em razão disso, recebiam uma população mais capitalizada, enquanto nas metrópoles aumentava o número de pobres e excluídos. Santos (1993) argumenta que todas as cidades brasileiras enfrentavam problemas parecidos, mesmo que variassem de intensidade. Segundo ele, tal semelhança se deve ao modelo que privilegia uma urbanização corporativa em detrimento dos interesses coletivos e sociais. A cidade brasileira apresenta-se, desse modo, como a forma mais acabada das contradições da magnitude da exclusão social. De maneira que, a urbanização brasileira demonstra que a cidade se metamorfoseou, mesmo ao manter-se como centro político-administrativo e de ter roubado a população, o processo produtivo e também a ordem social do campo. Sua constituição foi capaz de preservar a lógica agrarista, de concentração de terras, de renda e de poder. E ainda, a entrada de novos atores não teria sido capaz de liquidá-los, muito ao contrário, o modelo foi aprofundado uma vez que combinado com outras variáveis.

Com base nesta fundamentação teórica, foi realizada uma avaliação preliminar da variação do número de vínculos da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) em 109 setores do Agronegócio, no período 2010-2020, de 15 Regiões Metropolitanas analisadas pelo Observatório das Metrópoles. Excetuaram-se as redes de comércio há muito tempo estabelecidas, tais como as grandes redes e toda a sorte de supermercados, mercearias, açougues e congêneres, bem como os setores de serviço, seguradoras, consultorias, construção civil mesmo com fins habitacionais, em áreas de fronteira agrícola, por serem difíceis de dimensionar como tais. O banco de dados do CAGED apresentou 4.201.381 (quatro milhões, duzentos e um mil, trezentos e oitenta e um) vínculos no setor do agronegócio em 2010. Já em 2021, o número total de vínculos variou positivamente para 4.548.940 (quatro milhões, quinhentos e quarenta e oito mil, novecentos e quarenta). Ao todo, no Brasil, foi verificado crescimento de 8,3% do total de vínculos.

Colheita de soja. Foto: Valter Campanato (Agência Brasil).

Retirando-se as Regiões Metropolitanas do cálculo, uma vez que o interesse da investigação era fazer uma análise preliminar, e comparativa, entre a movimentação de vínculos em regiões metropolitanas e não metropolitanas, emerge novo total. Serão 3.395.420 (três milhões, trezentos e noventa e cinco mil, quatrocentos e vinte) vínculos em 2010 e 3.829.769 (três milhões, oitocentos e vinte e nove mil, setecentos e sessenta e nove) vínculos em 2021, ou seja, o aumento passa a ser de 12,8%. Tal variação significa que o crescimento de vínculos do setor do agronegócio em regiões não-metropolitanas foi superior em 4,5% ao da mesma indústria nas regiões metropolitanas, reduto tradicional da indústria brasileira.

Na maioria dos casos observados a queda do número de vínculos nas regiões metropolitanas ou o seu incremento foi proporcional ao das regiões não-metropolitanas, ou seja, não ocorreram grandes vieses. Por isso, pode-se elencar alguns setores em conjunto de ambas as regiões sem o receio de grandes diferenças. Tiveram queda no número de vínculos os setores de: “Cultivo de cereais”; de “Cana-de-açúcar”; de “Café”; de “Cacau”; de “Atividades ligadas ao apoio à agropecuária”; à “Produção florestal”; de “Conservas alimentícias”, de “Fabricação de açúcar bruto”; dos “Produtos ligados ao cacau” e “Chocolates”; de “Refrigerantes” e “Outros não alcóolicos”; do “Beneficiamento do algodão”; da “Fabricação de linhas” e “Malhas” e de “Setores ligados a produção de calçados de couro”, bem como de “laminação de madeiras” e “Não-móveis”.

Tiveram acréscimo no número de vínculos os setores de: “Cultivo de soja”; “Horticultura”, “Laranja”, “Uva” e “outras frutas”; “Criação de bovinos”, mas principalmente de “Suínos” e “Aves”; “Atividades de apoio à agricultura”, de “Atividades pós-colheita”, de “Setores ligados ao abate de reses”, “Suínos” e “Aves”; de “Preservação de pescados” e preservação desses; “Fabricação de conservas de frutas” e “Sucos”; “Fabricação de óleos vegetais em bruto”; “Preparação do leite”, “Fabricação de laticínios”, “Sorvetes” e “Gelados”; “Fabricação de alimentos para animais”; de grupos de setores ao “Beneficiamento de grãos e farinhas”, “Panificação”, “Biscoitos e bolachas”; de “Molhos e especiarias”; “Fabricação de malte, cerveja e chopes”; “Fabricação de celulose”; de “Álcool”; “Fabricação de móveis”, com predominância de madeira; dos grupos ligados aos “Atacadistas de soja”, “Café em grão”, “Animais vivos”, “Alimentos para animais” e “Matérias-primas agrícolas”, de “Leite”, “Laticínios”, “Cereais e leguminosas”, “Máquinas”, “Equipamentos agrícolas”, “Defensivos e adubos, fertilizantes, corretivos de solo”, “Atividades veterinárias”.

Para concluir, deve-se destacar que o processo de desmetropolização, desconcentração ou de desenvolvimento poligonal ocorrido entre os anos 1970 a 1990 teve continuidade no Brasil. Ainda mais com o desenvolvimento de novas tecnologias agrícolas pela EMBRAPA e congêneres, responsáveis pela apropriação e criação de novas áreas de fronteira agrícola no Norte e Centro-Oeste. Os dados acima analisados mostram que ambas as regiões, metropolitanas e não-metropolitanas, apresentaram crescimento. Contudo, a que apresentou crescimento de maior magnitude, no setor do agronegócio, foram as regiões não-metropolitanas.


¹ Pesquisador Associado ao INCT Observatório das Metrópoles Núcleo Rio de Janeiro. Realizou estágio pós-doutoral em Cultura Política pela UENF/Observatório das Metrópoles. Doutor em Ciências Sociais pela UFJF. Especialista em Métodos Estatísticos Computacionais ICE-UFJF e em Políticas Públicas ICHL-UFJF. Atua na área de comportamento eleitoral e infraestrutura urbana.

REFERÊNCIAS

CANO, Wilson. Concentração de desconcentração econômica regional no Brasil: 1970/95. Economia e sociedade, Campinas, (8), 101-41, jun., 1997.

DINIZ, Clélio Campolina. Desenvolvimento poligonal no Brasil: nem desconcentração, nem contínua polarização. Nova Economia, Belo Horizonte, v. 31, n. 1, set., 1993.

PAULINO, Eliane Tomiasi; SANTOS, Roseli Alves dos. A urbanização brasileira. Formação (Online). (S.I.), v. 1, n. 3, 2013. DOI 10.33081/formação.v113.2446. Acesso em 13 fev. 2024. Disponível em:  https://revista.fct.unesp.br/index.php/formacao/article/view/2446.

SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Editora HUCITEC, 1993.