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O INCT Observatório das Metrópoles lança a nova edição da Revista Cadernos Metrópole. O número 28 traz um dossiê especial com o tema “Direito à Cidade na Metrópole”, reunindo artigos que buscam avançar na compreensão dos limites e potencialidades do direito à cidade em um cenário pós-lefebvriano, que faz jus aos entrelaçamentos complexos de globalização dos circuitos financeiros e produtivos, reestruturação das escalas territoriais de poder e das formas de organização e atuação do Estado na (re)produção do espaço na metrópole contemporânea.

A revista Cadernos Metrópole tem como enfoque o debate da questão urbana e dos processos de urbanização nas diferentes formas que assume na realidade contemporânea. Trata-se de periódico interdisciplinar dirigido à comunidade acadêmica em geral e, especialmente, às áreas de Ciências Sociais, Arquitetura e Urbanismo, Planejamento Urbano e Regional, Geografia e Demografia. É um importante veículo de intercâmbio universitário e de discussão de temas contemporâneos, com ênfase em temas como pobreza e desigualdades socioespaciais, estudos urbanos, processos sociodemográficos, políticas públicas e gestão metropolitana. A revista publica textos de pesquisadores e estudiosos que discutem os efeitos das transformações socioespaciais no condicionamento do sistema político-institucional das cidades e os desafios colocados à adoção de modelos de gestão voltados à governança urbana e metropolitana.

Segundo a professora Lucia Bógus (PUC-SP), editora da revista Cadernos Metrópole: “Passados mais de 10 anos da implementação do Estatuto da Cidade, os textos deste número retomam os desafios que cercaram a implementação do Estatuto, na institucionalização de uma agenda em torno da regulamentação e aplicação dos instrumentos urbanísticos dos Planos Diretores municipais e tendo em vista a formulação de uma agenda metropolitana”, explica.

Acesse a edição completa nº 28 da Revista Cadernos Metrópole: (CLIQUE AQUI).

Dossiê: Direito à Cidade nas Metrópoles

Segundo os organizadores da edição 28 do Cadernos Metrópole, Jeroen Klink e Orlando Alves dos Santos Jr, passados mais de 10 anos, cabe lembrarmos os desafios que cercaram a implementação do Estatuto da Cidade, que representou um avanço, considerando a institucionalização de uma agenda em torno da regulamentação e aplicação dos instrumentos urbanísticos no âmbito dos Planos Diretores municipais. Ao mesmo tempo, à luz da herança da era tecno-burocrata centralizada, também atrelada à agenda metropolitana, o movimento da Reforma Urbana travou essa disputa na escala local, na qual encontraria agentes sociais e econômicos (dentro e fora do Estado) com grande capacidade e poder de articulação de outras escalas, e em torno de um projeto alternativo, no caso, voltado para a produção econômica e a competitividade a qualquer custo.

Nesse sentido, o primeiro balanço pós-Estatuto nas principais metrópoles brasileiras não foi muito animador, pois apontou que, apesar da proliferação dos Planos Diretores locais participativos formalmente alinhados com o Estatuto das Cidades, a maioria dos municípios deparou-se com desafios para efetivamente regulamentar e aplicar os instrumentos urbanísticos “progressistas”. Mesmo em cidades preparadas técnica e politicamente para enfrentar interesses enraizados em torno do ambiente construído e que, de fato, discutiram e aprovaram um Plano Diretor que previa os instrumentos e sua aplicação no território local, apresentaram dificuldade para consolidar avanços, como foi o caso da cidade de Santo André, no período de 2003 a 2007.

De certa forma, e talvez polemizando o debate, é preciso mencionar que a escolha da escala local como arena privilegiada para efetuar o projeto da reforma urbano-social, quando das discussões que culminaram na Constituição de 1988, mostrou-se como aquilo que se pode chamar de uma armadilha. Isso porque, considerando os desafios reais para viabilizar a função social da cidade, na escala da metrópole, os obstáculos apenas se agravaram. A maioria das cidades não se articulou com as demais para definir metodologias e índices urbanísticos a serem usados no Plano Diretor, o que fragilizou a capacidade de garantir um controle social mínimo sobre a atuação e organização do mercado imobiliário em escala regional-metropolitana. Por sua vez, o mercado imobiliário, como é de conhecimento comum, após a ruptura do sistema de regulação monetária do Bretton Woods e o aprofundamento da globalização financeira, ganhou capacidade de articular as diversas escalas e circuitos econômicos, desde o regional-metropolitano até a global.

O encolhimento da escala da metrópole como espaço da reprodução social, do valor de uso e da própria vida, não foi apenas um desdobramento da “estratégia subversiva” do capital imobiliário-financeiro ou da armadilha local dos agentes alinhados com a Reforma Urbana. Esse estreitamento do horizonte foi também reforçado pelo deslocamento da agenda pautada pelo planejamento da função social da terra e da cidade – mais complexa, demorada e contestada – para a construção de novas engenharias financeiro-institucionais em torno do planejamento e execução de projetos de infraestrutura e de empreendimentos habitacionais.

Em uma análise mais histórica, é possível problematizar tal démarche para muito além do PMCMV e PAC; na realidade, trata-se de mais um passo na trajetória de financeirização da política urbana e habitacional, alinhada com a tendência internacional marcada pela confluência entre Estado (nacional) e o capital imobiliário e financeiro na execução dessas políticas públicas. No caso brasileiro, esse entrosamento tardio foi iniciado nos anos 90 com a criação do Sistema Financeiro Imobiliário e outras “inovações” regulatórias.

Portanto, diferentemente dos objetivos proclamados pela reforma urbana, as primeiras evidências apontam que a ampliação dos financiamentos e da oferta imobiliária apenas aumentou os preços finais dos produtos, fazendo com que o grupo alvo, que ganha até três salários mínimos, permaneça compondo a maior parcela do déficit habitacional em áreas metropolitanas.

Para dimensionar bem as contradições socioespaciais e ambientais que estão em jogo, cabe lembrar que a retomada de crescimento econômico transformou as metrópoles em arena privilegiada, tanto do setor privado, quanto do Estado desenvolvimentista, para a implementação de um conjunto de grandes projetos urbanos (novos e/ou engavetados em ciclos anteriores), os quais, sem controle sobre a valorização imobiliária, tenderão a agravar as disparidades socioespaciais.

Cadernos Metrópole nº 28

É nesse sentido que a edição 28 da Revista Cadernos Metrópole reúne textos que dialogam com o paradoxo mencionado acima. O texto de Adriano Botelho inicia o primeiro bloco de artigos que remete às dinâmicas imobiliárias, retomando a tese lefebvriana acerca do papel do espaço na reprodução da dinâmica capitalista e problematiza as metrópoles dispersas e desiguais na fase mais recente do capitalismo mundial, marcada pelas confluências entre o circuito imobiliário e financeiro. No plano específico, Carmen Cristina Fernandes do Amaral investiga como as tensões e disputas em torno do ambiente construído e do direito à moradia concretizam-se no Bairro de Mãe Luiza, em Natal, que concentra grande número de assentamentos precário-informais e que se transforma, em função da sua localização e do crescimento do turismo, em objeto de interesse do mercado imobiliário formal. Jorge Gonçalves, Antônio Costa e Luís Sanchez Carvalho discutem, no bojo da reestruturação do capitalismo ibérico, os limites e potencialidades de um esforço de “relançamento” da cidade de Setúbal (Portugal), após a desindustrialização e a desestruturação da oferta de serviços públicos de um Estado há muito em crise.

No segundo bloco, seguem dois textos que analisam as dimensões materiais e imateriais da atuação e organização do Estado sobre as favelas. Mario Sérgio Brum aprofunda a compreensão das condições históricas, políticas e ideológicas, já estruturadas na conjuntura democrática, a partir de uma representação do favelado como alguém marginal, sem “direito à cidade”, que viabilizaram a política de remoção das favelas cariocas, no período de 1968-1973, promovida pelo regime militar. Alex Ferreira Magalhães, valendo-se do cenário da urbanização e regularização de favelas a partir do momento que esse se tornou política nacional, problematiza o atual “estado da arte” da regulação das favelas, suas fontes materiais e seu código de valores, dentro e fora da favela.

O terceiro conjunto de textos analisa dinâmicas territoriais e estratégias de atuação contemporâneas do Estado em áreas metropolitanas. Renato Barbosa Fontes e Léa Guimarães Souki apresentam um balanço dos 25 Planos Diretores municipais da região metropolitana de Belo Horizonte sob o prisma do amadurecimento do processo de participação popular; enquanto Ana Cláudia Duarte Cardoso, Marcília Regina Gama Negrão e Glaydson de Jesus Cordovil Pereira avaliam a permanência de contradições na reprodução do espaço urbano-regional na região metropolitana de Belém a partir da implementação do PAC e PMCMV. Silke Kapp apresenta elementos de uma abordagem da temática habitacional elaborada no âmbito dos estudos para o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Belo Horizonte (PDDI-RMBH), com foco na autonomia coletiva na produção do espaço cotidiano, isto é, a habitação e o ambiente urbano na escala que chamam de microlocal.

Já o último bloco de textos prioriza a análise dos diversos instrumentos e políticas setoriais na metrópole. O texto do Renato Pequeno e Clarissa F. Sampaio Freitas discute os desafios para a implementação das Zonas Especiais de Interesse Especial na cidade de Fortaleza, enquanto a contribuição de Linda Maria de Pontes Gondim e Marília Passos Apoliano Gomes avalia a aplicação do instrumento nessa cidade no bairro específico de Lagamar. Laura Machado, Emilio Merino Dominguez e Miroslova Mikusova discutem o potencial de o índice de Mobilidade Sustentável subsidiar o planejamento e a gestão de mobilidade, e apontam deficiências nessa área na região metropolitana de Porto Alegre. Por fim, Simaia do Socorro Sales das Mercês apresenta um primeiro balanço do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) na região Metropolitana de Belém, com ênfase nas questões de localização e produção do espaço urbano-metropolitano, inclusive à luz dos resultados do PAC-urbanização.

A leitura dos textos nesta edição estimula a reflexão sobre os limites e potencialidades para a construção de representações alternativas, assim como uma práxis transformadora para a vida na metrópole. Nesse sentido, são inegáveis os desafios associados à montagem de uma “utopia concreta” para a metrópole, que não apenas passa pela articulação de escalas políticas, circuitos econômicos (primário, secundário, terciário etc.) e de tempos (pois, no capitalismo de débito e crédito, a renda associada ao trabalho futuro já foi hipotecada), mas também pela elaboração de estratégias discursivas e práticas espaciais contra-hegemônicas em tempos de globalização neoliberal.

Acesse a edição completa nº 28 da Revista Cadernos Metrópole aqui.

Sumário

Apresentação

Capital volátil, cidade dispersa, espaço segregado: algumas notas sobre a dinâmicado urbano contemporâneo (Adriano Botelho)

Direito à cidade: um estudo sobre o mercado imobiliário informal no bairro de Mãe Luiza (Natal/RN) (Carmem Cristina Fernandes do Amaral)

As metrópoles também têm lugares. O caso do bairro de Setúbal Nascente, Portugal (Jorge Gonçalves; António Costa; Luís Sanchez Carvalho)

Ditadura civil-militar e favelas: estigma e restrições ao debate sobre a cidade (1969-1973) (Mario Sergio Brum)

O direito à cidade nas favelas do Rio de Janeiro: conclusões, hipóteses e questões oriundas de uma pesquisa (Alex Ferreira Magalhães)

Planos diretores e canais democráticos de participação popular: estudo de 25 planos diretores da RMBH (Renato Barbosa Fontes; Léa Guimarães Souki)

A expansão da RM de Belém: reflexões sobre os desdobramentos de investimentos oficiais em habitação (Ana Cláudia Duarte Cardoso; Marcília Regina Gama Negrão; Glaydson de Jesus Cordovil Pereira)

Direito ao espaço cotidiano: moradia e autonomia no plano de uma metrópole (Silke Kapp)

Desafios para implementação de Zonas Especiais de Interesse Social em Fortaleza (Renato Pequeno; Clarissa F. Sampaio Freitas)

O direito à cidade em disputa: o caso da Zeis do Lagamar (Fortaleza-CE) (Linda Maria de Pontes Gondim; Marília Passos Apoliano Gomes)

Proposta de índice de mobilidade sustentável: metodologia e aplicabilidade (Laura Machado; Emilio Merino Dominguez; Miroslova Mikusova)

Percursos do direito à cidade: provisão estatal e empresarial de moradia popular na RM de Belém (Simaia do Socorro Sales das Mercês)