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Jogo das trocas e a mercantilização da cidade

By 07/03/2013dezembro 8th, 2017Artigos Semanais
Jogo das trocas e a mercantilização da cidade
Jogo das trocas e a troca dos jogos: a mercantilização da cidade

Uma edição especial do tradicional jogo de tabuleiro “Banco Imobiliário”, carregada de elogios a obras e programas do prefeito da cidade, Eduardo Paes (PMDB), está sendo distribuída em escolas públicas municipais do Rio de Janeiro. Por trás da notícia, a estratégia – consciente ou inconsciente – de construção de uma cultura urbana na qual os bens e os espaços públicos e todos os bens pessoais devam ser pensados, antes de tudo, como mercadoria, como fonte de lucro privado. Trata-se, portanto, de uma ação de longo efeito na busca do consentimento social para a política que junta os negócios políticos com os negócios privados pela ampla e profunda mercantilização da cidade.

O INCT Observatório das Metrópoles manifesta a sua crítica à ação da Prefeitura do Rio de Janeiro que pagou R$ 1,05 milhão à Empresa Estrela por 20 mil unidades do jogo “Banco Imobiliário: Cidade Olímpica”, as quais já começaram a ser distribuídas nas escolas da cidade.

O texto “Jogo das trocas e a troca dos jogos: a mercantilização da cidade”, dos professores Luiz César de Queiroz Ribeiro e Orlando Santos Júnior, mostra a inversão de papéis, na qual o poder público atua como uma empresa, e passa a ser protagonista na promoção da imagem e do mercado de compra e venda da cidade, reduzida a um negócio. Nesse sentido, a fabricação e distribuição do jogo “Banco Imobiliário: Cidade Olímpica” aparece como uma estratégia de construção do consentimento ativo da população para o avanço da política mercantilizadora da cidade, baseada na união de negócios políticos e negócios privados.

Críticas

O Ministério Público divulgou nota afirmando que vai analisar se há propaganda de ações da Prefeitura do Rio no jogo Banco Imobiliário Cidade Olímpica, da Estrela. O assunto será distribuído a uma das oito Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva de Cidadania, a quem caberá decidir sobre possível instauração de inquérito para apurar se há irregularidades, como a compra dos jogos ou a propaganda política, no caso.

Professores da rede estadual e municipal do Rio também criticaram a ação da Prefeitura de gastar recursos públicas para a compra do jogo. No dia 05 de março, durante manifestação na Cinelândia, no centro da cidade, os professores estenderam uma lona que reproduzia o tabuleiro do jogo. Como no original, em cada casa havia uma obra do Rio. Mas as cartas que acompanhavam o jogo foram reescritas, desta vez contemplando as reivindicações da categoria. Em nota, o Sindicato dos Professores (Sepe) questionou o uso pedagógico do jogo. “O que um aluno vai aprender calculando quanto lucro ele pode ter adquirindo uma Clínica da Família ou cobrando pedágio na Transoeste?”, disse em nota, criticando os baixos salários da categoria e as condições de trabalho nas escolas.

 

O JOGO DAS TROCAS E A TROCA DOS JOGOS: a mercantilização da cidade

Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro

Orlando Santos Junior

A revelação da operação entre a fábrica de brinquedos Estrela e a Prefeitura do Rio de Janeiro pode ser considerada como um escândalo. Ao custo de R$ 1,05 milhões, a prefeitura comprou 20 mil unidades de uma edição especial do tradicional jogo Banco Imobiliário, denominado “Banco Imobiilário: Cidade Olímpica”, tendo, no tabuleiro e nas cartas, monumentos da cidade, e obras e programas desenvolvidos na gestão do prefeito Eduardo Paes. O  objetivo é distribuir o jogo nas escolas públicas municipais e dá-lo como prêmio aos melhores alunos. Segundo a Prefeitura, o brinquedo vai divulgar a imagem da cidade e pode ser usado de forma pedagógica, auxiliando “o aluno no aprendizado da história e geografia da cidade”.

Primeiramente, cabe refletir sobre a parceria estabelecida entre o poder público e uma empresa privada. A Prefeitura do Rio admite que a empresa Estrela, que produz o tradicional Banco Imobiliário, entrou em contato com a administração municipal e apresentou o projeto do jogo. A prefeitura autorizou a cessão do uso da imagem e ainda pagou para comprar as unidades que estão sendo distribuídas nas escolas, utilizando recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica). A relação estabelecida nesse caso parece ser a mais clara expressão das frequentes, duvidosas e opacas parcerias entre os negócios políticos, liderados pela equipe que governa a cidade, e os negócios privados, liderados por grandes grupos econômicos.

Mas o produto dessa parceria tem alcance mais profundo, e seu significado vai muito além de uma possível ilegalidade administrativa, em razão da origem das verbas e da ausência de processo licitatório, e por ferir a legislação eleitoral, por fazer propaganda política subliminar. No contexto da preparação dos megaeventos esportivos da Copa do Mundo e das Olimpíadas, o jogo promove uma relação mercantil da população com a cidade e integra uma estratégia – consciente ou inconsciente – de construção de uma cultura urbana, na qual os bens e os espaços públicos devam ser pensados, antes de tudo, como mercadoria, como fonte de lucro privado. O objetivo, portanto, é socializar as crianças nesta cultura mercantil e mercantilizadora da cidade, desfazendo os laços de ligação da população com o Rio de Janeiro como riqueza coletiva, como patrimônio coletivo, o qual deve, antes de tudo, estar a serviço dos sonhos e desejos dos habitantes.

“SORTE. Seu imóvel foi valorizado após a pacificação da comunidade vizinha. RECEBA $ 75.000”, diz uma das cartas do jogo.

Como já lembrava Karl Polanyi em 1944, “permitir que o mecanismo de mercado seja o único dirigente do destino dos seres humanos e do seu ambiente natural, e até mesmo o árbitro da quantidade e do uso do poder de compra, resultaria no desmoronamento da sociedade […]. Entretanto, nenhuma sociedade suportaria os efeitos de um tal sistema […], mesmo por um período de tempo muito curto…”. Caberia ao poder público proteger a sociedade “contra os assaltos desse moinho satânico”.

Jogando o aparente inocente brinquedo das trocas, pode-se refletir: não se está levando as crianças a internalizarem como natural e desejável a concepção mercantil de mundo, segundo a qual toda vida social deve ser mediada pelo jogo da troca econômica? Não se está trocando os registros do imaginário coletivo, anulando os valores sociais, culturais, cívicos e históricos de todos os bens da cidade, públicos e privados, necessários à construção do sentido de comunidade política que a cidade deve expressar? Não se está sinalizando para os futuros adultos que a única – ou pelo menos a principal – unidade possível de bem-estar é o livre mercado, fundado nos preços e na apropriação privada e egoísta da cidade? Se tal empreitada se realiza, como se pode discutir a cidade a partir de critérios de justiça social e de liberdade emancipadora?

Trata-se, portanto, de uma inversão de papéis, na qual o poder público atua como uma empresa, e passa a ser protagonista na promoção da imagem e do mercado de compra e venda da cidade, reduzida a um negócio. Nesse sentido, a fabricação e distribuição do jogo “Banco Imobiliário: Cidade Olímpica” aparece como uma estratégia de construção do consentimento ativo da população para o avanço da política mercantilizadora da cidade, baseada na união de negócios políticos e negócios privados. Estamos diante de mais uma variantes das estratégias de “construção ativa do consentimento” para a legitimação da concepção neoliberal do mundo em sua longa marcha de mercantilização de todos os âmbitos da vida, como já observou David Harvey. Desta forma, pretende-se difundir a cultura mercantil necessária à construção do cidadão-investidor, cidadão-negociante, desconstruindo as bases éticas e “atitudinais” da cidadania como expressão de engajamento cívico e político dos futuros adultos. O risco é enfraquecer a energia que move a vida cotidiana dos habitantes da cidade, com suas experiências fundadas em costumes, obrigações sociais, passado e memória, esperanças, desejos, alegrias e tristezas, pela fria lâmina do cálculo egoísta, próprio dos jogos dos aventureiros negociantes, que buscam transformar tudo em mercadoria e fonte do enriquecimento privado.

É hora de sair desse jogo dos negócios pelo qual a cidade vem se transformando em bem-estar corporativo em detrimento do bem-estar da coletividade dos seus cidadãos.