Skip to main content
Viradinha Cultural na Praça Rosevelt, em São Paulo — local de ocupação do espaço público

Viradinha Cultural na Praça Rosevelt, em São Paulo — local de ocupação do espaço público
(
Crédito: Fotos Públicas/Reprodução)

Neste artigo da Cadernos Metrópole nº 39, João Tonucci Filho e Felipe Nunes Magalhães propõem uma breve reflexão teórica acerca de como as contradições da produção do espaço da metrópole contemporânea podem ser compreendidas a partir do embate entre dois polos políticos contrapostos – o neoliberalismo e o comum. Para tanto, exploram injunções e cruzamentos geo-históricos entre neoliberalismo e metrópole, assim como processos de endividamento e financeirização da cidade.

Oposto às racionalidades neoliberais que tendem a estender os imperativos do mercado e da propriedade privada a todas as esferas da vida, o comum delineia a construção de formas cooperativas de produção e gestão de recursos compartilhados. Neste artigo, os autores apresentam as principais formulações críticas do comum e apontam para a crescente relevância do comum urbano como alternativa à metrópole do neoliberalismo.

O artigo “A metrópole entre o neoliberalismo e o comum: disputas e alternativas na produção contemporânea do espaço” é um dos destaques do dossiê especial “Financeirização, mercantilização e urbanismo neoliberal” da Revista Cadernos Metrópole nº 39.

Abstract

In opposition to neoliberal rationalities that tend to extend the imperatives of the market and of private property to all spheres of life, the common delineates the construction of cooperative forms of production and management of shared resources. In this article, we propose a brief theoretical reflection on how certain contradictions in the production of space in the contemporary metropolis can be understood through the clash between these two opposing political poles – neoliberalism and the common. The paper explores geo-historical injunctions and interlacements between neoliberalism and the metropolis, as well as the processes of indebtedness and financialization of the city. We present the main critical theoretical formulations concerning the common and highlight the growing relevance of the urban commons as an alternative to the neoliberal metropolis.

INTRODUÇÃO

Por João Tonucci Filho e Felipe Nunes Magalhães

A metrópole contemporânea, em larga medida resultado geo-histórico de um processo amplo de industrialização e modernização econômica, é marcada pela densidade crescente de relações transescalares que conectam dinâmicas urbanas localizadas a processos e agentes distantes. Ao longo da dinâmica sócio-histórica de formação desse ente geográfico, adensaram-se relações que interligam a cidade – que se torna metrópole através da industrialização – ao terreno, situado e operado na escala do Estado-nação, da macroeconomia e da política econômica. Mesmo após o declínio de um regime de acumulação centrado na indústria, esse vínculo permanece em cena de forma decisiva na dinâmica metropolitana contemporânea.

Para além dessa primeira forma com que as transformações sociais operadas pelo neo- liberalismo se fazem presentes na metrópole, há também um fortalecimento progressivo de formas de operação e realização do neoliberalismo a partir do Estado nas escalas local e regional – em grande medida a partir do imperativo das chamadas vantagens comparativas e de uma forma de planejamento e gestão em busca de uma suposta eficiência pautada pelos padrões do mercado, logo, abrindo terreno para sua expansão e predomínio. A produção do espaço atravessada por processos (governamentais) neoliberais envolve a ativa construção de um conjunto de pressupostos sociopolíticos para esse fortalecimento do mercado: contratos, propriedade, polícia, formação da oferta de mão de obra – através dos cercamentos, do bloqueio ao surgimento de alternativas autônomas de sobrevivência, do sufocamento do comum.

De modo geral, o comum refere-se as bens e recursos, materiais ou imateriais, que são compartilhados, usados e geridos coletivamente, por meio de uma série de práticas, regras e saberes gestados pela própria comunidade. Nos dias de hoje, as práticas e os conceitos do comum estão se fortalecendo em torno de um princípio político que suporta, ajuda a articular e reconhece a potência de uma pluralidade de lutas, resistências e alternativas radicais ao Estado e ao mercado. Opondo-se à propriedade privada, fundada no direito de excluir, o comum não se confunde com a propriedade pública do Estado, mais bem entendida como forma coletiva de propriedade privada.

Muitas das lutas que se opõem ao neoliberalismo são animadas e orientadas pelo comum, contra a crescente onda de cercamentos daquilo que é considerado patrimônio “comum” da humanidade (a natureza, o espaço público, as culturas, o conhecimento, etc.) e contra a extensão da lógica da mercadoria a todas as esferas da vida. A ideia política do comum reapareceu ainda com mais força no último ciclo global de protestos (Primavera Árabe, movimentos das praças, occupy, etc.) detonado pela crise do capitalismo em sua face financeira e neoliberal, sustentando e orientando a construção de múltiplas experiências que se pretendem autônomas, democráticas e autogeridas.

Em diferentes metrópoles ao redor do mundo – e não coincidentemente nos países mais impactados pela atual crise –, a ideia do comum urbano tem sido invocada por movi- mentos, manifestantes, coletivos, pesquisadores, ativistas e até por formuladores de política pública, para fazer referência a recursos e espaços urbanos compartilhados e para reivindicar mais amplamente que a cidade como um todo seja mais aberta ao uso, à apropriação coletiva e à participação. Ao apontar para modos mais cooperativos e compartilhados na produção contemporânea do espaço urbano, contra a hegemonia da competição e da propriedade privada, a metrópole do comum emerge como uma potente crítica e alternativa concreta à metrópole do neoliberalismo.

Portanto, propomos, neste artigo, uma breve reflexão teórica acerca desses dois polos políticos opostos – o neoliberalismo e o comum (como em Dardot e Laval, 2014) – tendo a metrópole contemporânea como sujeito atravessador, espaço produzido que é aglutinador de ambos, enquanto potência e/ou realidade vivida/sobrevivida. A primeira parte é dedica- da à compreensão de injunções e cruzamentos geo-históricos entre neoliberalismo e metrópole, assim como dos processos de endividamento e financeirização da cidade. A segunda parte explora algumas formulações críticas do comum e aponta para a crescente relevância do comum urbano na metrópole contemporânea. Por fim, nas considerações finais, são levantadas algumas questões em aberto – teóricas e práticas – quanto aos enfrentamentos entre o neoliberalismo e o comum na metrópole.

 

Leia o artigo completo na edição nº 39 da Revista Cadernos Metrópole.