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Mapas produzidos pelo Núcleo Porto Alegre do INCT Observatório das Metrópoles mostram a relação entre rendimento, cor e raça, para analisar os impactos do evento climático extremo ocorrido no Rio Grande do Sul. Até o início desta semana (20 de maio), a tragédia das cheias impactou 2,3 milhões de pessoas em todo estado, deixando 157 mortos e quase 658 mil pessoas fora de casa. “Todos os gaúchos foram afetados de alguma forma pelas enchentes, mas quando comparamos as áreas alagadas com a renda média de cada região, dá para perceber que as áreas mais pobres são as mais atingidas”, afirma o pesquisador do Núcleo Porto Alegre, André Augustin. Além disso, as áreas que mais sofreram com as enchentes apresentam uma concentração expressiva de população negra, geralmente acima da média dos municípios. Esta informação é apresentada em mapa elaborado pelo pesquisador, que compara as áreas atingidas pela enchente na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) com a população negra por setor censitário. Os dados são provenientes do Censo 2010, já que ainda não estão disponíveis no levantamento censitário mais recente.

Para Augustin, o recorte étnico-racial é importante. Isso porque, os dados gerais da população brasileira e gaúcha apontam que a população negra é a menos favorecida em termos salariais, qualificação profissional e nível de escolaridade, apesar das políticas afirmativas desenvolvidas desde a última década. Portanto, os programas de intervenção e recuperação destes territórios deverão levar em conta as especificidades desta população. Augustin explica que no caso da renda, a situação é muito demarcada. “Se viu que as áreas alagadas são, principalmente, as áreas mais pobres. Não só as regiões de menor renda, mas, na maioria dos casos, as áreas mais próximas dos rios que alagaram são as áreas mais pobres”, ressalta.

O coordenador nacional do INCT Observatório das Metrópoles, Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, avalia que estes mapas devem ser considerados pelas autoridades que estão lidando com as emergências e que vão gerenciar a reconstrução do estado. “As desigualdades sociais entre os territórios são, também, de patrimônio familiar e de vínculos sociais, portanto, os mais atingidos são os que mais irão necessitar da ajuda do poder público, porque estes, efetivamente, perderam tudo”, pontua.

Mapa faz um recorte de área alagada versus renda

O primeiro mapa elaborado pelo pesquisador do Núcleo Porto Alegre, André Augustin, traz um recorte de área alagada e renda. A análise foi feita com dados do Censo 2010, utilizando o valor do rendimento nominal médio mensal das pessoas de dez anos ou mais de idade (com e sem rendimento) por setor censitário. A área de inundação é uma estimativa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para o dia 6 de maio de 2024 e, portanto, pode não incluir algumas regiões que alagaram em outras datas. Em vermelho, notam-se os locais onde vivem pessoas com rendimento mensal nominal médio de um salário-mínimo. Na cor laranja, rendimentos que variam de dois a três salários mínimos, e em tons de verde estão pontos onde moram pessoas com rendimento de cinco a dez salários-mínimos ou mais.

Ao cruzar o mapa das áreas que inundaram com os dados de renda do Censo 2010 (ainda não há dados disponíveis para o Censo 2022), percebe-se que as regiões atingidas concentram principalmente populações de baixa renda. O Núcleo Porto Alegre elaborou dois mapas para mostrar essa realidade. Um com Canoas e a Zona Norte de Porto Alegre, e outro com São Leopoldo e Novo Hamburgo. “É verdade que, ao contrário de outras enchentes menores, dessa vez algumas áreas mais ricas também alagaram, como o bairro Menino Deus, em Porto Alegre. Mas, ainda assim, não dá para dizer que todos foram atingidos da mesma forma”, afirma Augustin. Segundo ele, quase 100% do Quarto Distrito ficou debaixo d’água. A região tem uma ocupação centenária e teve sua legislação urbanística alterada recentemente para permitir mais construções e beneficiar o mercado imobiliário.

A relação entre renda e áreas alagadas na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA)

Mapa completo da RMPA permite uma visão mais abrangente da situação nas margens do Guaíba e dos rios Gravataí e dos Sinos. Observação: a área de inundação é uma estimativa da UFRGS para o dia 06/05 e, portanto, pode não incluir algumas regiões que alagaram em outras datas.

As enchentes e a composição étnico-racial do território

No mapa que relaciona as áreas atingidas pela enchente na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) e a composição étnico-racial dos habitantes, também foram utilizados os dados do Censo 2010. Para o total de cada município, os dados de 2022 já foram divulgados e mostraram um crescimento significativo da proporção de negros (pretos e pardos segundo a denominação do IBGE) para toda RMPA, como mostram os seguintes municípios: Porto Alegre (de 20,2% em 2010 para 26,0% em 2022), Canoas (14,3% para 21,2%), São Leopoldo (13,7% para 21,2%), Novo Hamburgo (9,3% para 15,2%), Eldorado do Sul (18,0% para 25,4%), Guaíba (16,8% para 22,5%), Alvorada (26,1% para 33,2%). Segundo o estudo do Núcleo Porto Alegre, há uma defasagem nos dados de 2010, que são os únicos disponíveis para a análise das diferentes regiões de cada cidade.

De acordo com o mapa, as áreas que mais sofreram com as enchentes apresentam uma concentração expressiva de população negra, geralmente acima da média dos municípios. É o caso de Porto Alegre no Humaitá, Sarandi e Rubem Berta, assim como Canoas com o bairro Mathias Velho – o que mais sofreu –, especialmente no seu extremo oeste. No Vale do Sinos, em São Leopoldo um os bairros mais afetados foi o Santos Dumont e, em Novo Hamburgo, o bairro Santo Afonso, ambos com maior proporção de população negra nestas cidades. Eldorado do Sul teve sua zona urbana totalmente atingida, mas em Guaíba o bairro Santa Rita concentra uma grande proporção de população negra.

Repercussões na mídia

Os mapas produzidos pelo Núcleo Porto Alegre do INCT Observatório das Metrópoles repercutiram em diversos portais de mídia. As reportagens foram publicadas em veículos como Deutsche Welle Brasil (DW), G1 (Globo), Folha de São Paulo, UOL, Sul21, entre outros. 

  • A DW Brasil destacou que as desigualdades se refletem na tragédia no Rio Grande do Sul, como uma catástrofe que afetou todas as classes sociais, mas com a população mais pobre sendo diretamente atingida (Leia aqui);
  • O G1 afirma que as regiões mais pobres foram mais atingidas pelas cheias em Porto Alegre e região (Leia aqui);
  • A Folha de São Paulo entrevistou o pesquisador André Augustin que afirmou que a análise usou dados do Censo 2010 porque ainda não foram divulgados os dados de renda do Censo 2022 e explicou que, mesmo com algumas alterações pontuais na cidade, as áreas mais ricas e mais pobres em 2010 continuam as mesmas (Leia aqui);
  • O UOL pontuou que os bairros de classe média mais afetados, como Menino Deus e Cidade Baixa, foram onde a infraestrutura do sistema de manutenção de enchentes falhou (Leia aqui);
  • O Sul21 fez duas matérias, na primeira abordou o recorte de renda apontando que a crise climática costuma afetar de modo mais severo as populações mais vulneráveis e na segunda destacou que as enchentes têm concentração nos bairros de população negra mais expressiva (Leia aqui e aqui).