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Como o Estado exerce seu poder para evitar resistências a suas iniciativas de intervenção no espaço urbano? Quais são as diferenças entre países centrais e semiperiféricos quanto a este aspecto? Quais são as explicações para estas diferenças? Com o intuito de responder tais questões, a tese “Exercendo o poder de Estado em países centrais e semiperiféricos: remoções e estratégias de dominação em Londres, Rio de Janeiro e Joanesburgo”, de Erick Omena, investiga o desenrolar de grandes projetos de intervenção urbana relacionados a megaeventos esportivos.

Neste âmbito, os objetivos específicos do estudo são 1) identificar os tipos de estratégias e táticas utilizadas por governos para responder à ação de grupos insatisfeitos com as remoções de comunidades justificadas pela preparação para os Jogos Olímpicos e para a Copa do Mundo de Futebol e 2) contrastar os resultados encontrados em diferentes cidades-sede situadas no centro e na semiperiferia da economia capitalista mundial.

Para tanto, o autor elabora um arcabouço teórico de base Gramsciana, trabalhando com as várias possibilidades de articulação entre o uso de instrumentos coercitivos e de criação de consensos ideológicos por parte do Estado para enfrentar fontes de dissenso, de forma a viabilizar a comparação entre diferentes países.

Esta chave de leitura é aplicada à análise qualitativa de dezenas de entrevistas realizadas com agentes governamentais, representantes do setor privado e da sociedade civil organizada e de centenas de documentos, como planos, projetos e artigos midiáticos, relacionados a quatro diferentes casos concretos: os projetos de construção dos parques olímpicos para os Jogos Olímpicos de Londres 2012 e do Rio 2016 – conformando um primeiro eixo comparativo entre centro e semiperiferia – e os projetos de reforma dos estádios Ellis Park, para a Copa do Mundo de 2010, em Joanesburgo, e Maracanã, para a Copa do Mundo de 2014, no Rio de Janeiro – conformando o segundo eixo comparativo semiperiferia-semiperiferia.

Seguindo estas orientações, o estudo está dividido em três partes. Formada pelos capítulos 1, 2 e 3, a primeira parte consolida as bases teóricas e metodológicas para a investigação. Enquanto o capítulo 1 fornece uma visão geral sobre a problemática da tese, o capítulo 2 visita e discute a literatura ligada aos temas do planejamento e governança urbana, identificando as principais questões teóricas que dizem respeito às dinâmicas de relações de poder dentro do contexto de projetos de “renovação urbana”. Tais discussões, por sua vez, indicam alguns elementos-chaves para a criação de um arcabouço conceitual apropriado para abordar o objeto de estudo.

No capítulo 3, os métodos utilizados para explorar os dados empíricos são explicitados, demonstrando os caminhos que conectam o arcabouço conceitual desenvolvido no capítulo 2 com as informações primárias e secundárias levantadas, bem como os critérios utilizados para estes levantamentos.

Já na segunda parte da tese são desenvolvidos dois estágios da investigação empírica, cujos focos residem no uso de informações secundárias para identificar possíveis influências mais amplas oriundas de outras escalas sobre os casos locais específicos de remoções estudados em cada um dos casos.

O capítulo 4 desenvolve uma reflexão sobre a influência histórica das relações entre países semiperiféricos e centrais sobre as relações internas entre Estado e sociedade civil. Na sequência, os capítulos 5, 6 e 7 analisam, respectivamente, as tendências históricas de relações Estado-Sociedade Civil no Reino Unido, no Brasil e na África do Sul, tanto no nível nacional quanto no nível urbano. Em conjunto, os quatro capítulos que compõem esta segunda parte proporcionam um panorama geral das principais forças de caráter mais estrutural exercidas sobre o nível mais local e imediato de disputas territoriais associadas aos quatro megaeventos abordados.

Explorando sobretudo informações primárias coletadas pelo autor, a terceira parte da tese é dedicada à análise das ações estratégicas concretas utilizadas por representantes do Estado e agentes a eles associados para efetuar as remoções justificadas pela construção dos parques olímpicos e pela reforma dos estádios e pela “revitalização” de seus arredores.

Nos capítulos 8 e 9, elabora-se uma detalhada análise dos casos de comunidades da Zona Leste de Londres e da Zona Oeste do Rio de Janeiro ameaçadas pelos projetos de parques olímpicos. Os capítulos 10 e 11 avaliam os casos relacionados à comunidade de Bertrams, em Joanesburgo, e dos usuários do Maracanã, no Rio de Janeiro, ameaçados pelos projetos justificados pelas respectivas edições de Copas do Mundo. Por último, o capítulo 12 toma por base os resultados encontrados nas partes 1, 2 e 3 para estabelecer conclusões sobre as diferenças encontradas entre os casos de implementação de projetos de remoção no centro e na semiperiferia do sistema-mundo, ressaltando alguns dos fatores que influenciaram e conformaram tais contrastes.

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Como resultado final, o estudo identifica, num âmbito mais geral, uma maior preponderância de táticas de caráter mais coercitivo para a viabilização de remoções nos casos brasileiros e sulafricano – o que ocorre em variados graus de intensidade de coerção, que vão desde a não-disponibilização de informações públicas até o uso de violência policial, passando por táticas intermediárias como intimidação, ações judiciais e cooptação – especialmente quando comparados com o caso britânico. Isto tende a ser influenciado pela combinação de algumas condições semiperiféricas específicas nos níveis urbano, nacional e internacional. Dentre elas pode-se destacar 1) a insegurança jurídica enfrentada pela população geralmente precarizada e empobrecida vivendo nos locais escolhidos pelo Estado para implementação do projeto, entendidos como “espaços cinzentos” cujos destinos podem ser facilmente submetidos à arbitrariedade estatal e, consequentemente, ao uso da força; 2) o recorrente deficit histórico de legitimidade enfrentado pelas elites locais e nacionais, o que dificulta uma dominação mais efetivamente baseada na criação de fortes consensos, causando o constante apelo ao facilitado uso da força em seus diversos níveis; e 3) a tendência à existência de autonomias político-econômicas de caráter mais restrito por parte daquelas mesmas elites semiperiféricas, em função de suas respectivas inserções subordinadas na economia política global.

Assim, a tese contribui para uma melhor compreensão das condições e formas multiescalares em que o poder estatal é exercido na semiperiferia, proporcionando um arcabouço analítico valioso para a avaliação de dinâmicas de governança urbana em cidades localizadas na semiperiferia global. O trabalho também contribui para o melhor entendimento sobre as possíveis implicações resultantes da recente tendência dos ditos países em desenvolvimento sediarem megaeventos esportivos.


O pesquisador Erick Omena atualmente desenvolve pesquisa de pós-doutorado junto à Rede INCT Observatório das Metrópoles sobre as coalizões de poder nas metrópoles brasileiras e a formação de regimes urbanos. É Doutor em Planejamento Urbano pela Oxford Brookes University e mestre em Planejamento Urbano e Regional pelo Instituto de Pesquisas e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da UFRJ. Tem como principais focos de pesquisa os estudos sobre as relações entre Estado e Sociedade Civil, as lutas populares pelo direito à cidade e as transformações urbanas decorrentes de mega-eventos esportivos.

Acesse a tese “Exercendo o poder de Estado em países centrais e semiperiféricos: remoções e estratégias de dominação em Londres, Rio de Janeiro e Joanesburgo” (versão inglês).