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Com o tema “Grandes eventos e seus impactos sociais”, o Departamento de Serviço Social da PUC Rio lança o nº 29 da Revista O Social em Questão a fim de aprofundar o debate sobre os impactos dos megaeventos esportivos no Brasil. A publicação toma como enfoque o Rio de Janeiro para mostrar as transformações urbanas que vêm ocorrendo no país, como o processo de mercantilização da cidade, remoções forçadas e ausência de participação popular; incluindo ainda estudos de caso como dos Jogos Olímpicos de Barcelona (1992) e do Pan-americano no México (2011). Destaque para o artigo de Luiz Cesar Ribeiro e Orlando dos Santos Júnior sobre o tema da governança empreendedorista.

 

APRESENTAÇÃO

Grandes eventos, múltiplos impactos, grandes mobilizações

Por Rafael Soares Gonçalves, Soraya Silveira Simões, Alex Ferreira Magalhães

Desde 30/10/2007, quando a FIFA oficializou a candidatura brasileira para sede da Copa do Mundo de 2014, e, mais ainda, desde 02/10/2009, quando a candidatura da cidade do Rio de Janeiro saiu vitoriosa na disputa pela realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, batendo as candidaturas concorrentes, das cidades de Madrid, Tóquio e Chicago, tem sido fortemente estimulada a produção acadêmica – hoje, bastante significativa – dedicada à análise e crítica dos efeitos urbanísticos, sociais e de outras ordens, ocasionados pela “preparação” das cidades brasileiras para os grandes eventos.

Acreditamos que a abordagem acadêmica desse objeto deve ser ampliada, de modo a incorporar as premissas de que (1) não se trata apenas de dois grandes eventos, (2) não se trata de eventos apenas esportivos, e (3) não se trata de uma temporada fugaz, conjuntural ou passageira de eventos. Nos trabalhos reunidos no presente dossiê, sustenta-se a hipótese de que estaríamos, antes, diante da emergência de um padrão de governança urbana empreendedorista e de uma nova rodada de mercantilização da cidade, tal como já foi tão amplamente discutida por David Harvey e outros importantes think tanks da questão urbana contemporânea e, aqui, é apresentada por Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro e Orlando Alves dos Santos Jr. no artigo que inaugura o presente dossiê. Em suma, se as cidades brasileiras, especialmente o Rio de Janeiro, encontram-se na contingência de dever “preparar-se” para algo, este “algo” seria mais estrutural do que à primeira vista pode aparentar. O caráter de exceção, amplamente evocado pela literatura para explicar práticas empregadas no processo de preparação desses eventos, sobretudo no seu aspecto normativo, não deve ocultar que muitas das intervenções trazem impactos duradouros, muito além do período específico da realização dos eventos internacionais. No limite, o problema parece consistir não somente em uma “preparação” para receber grandes eventos – e todos os transtornos que isso acarreta, no presente –, mas em um conjunto transcendente de transformações em curso na vida dessas cidades, sob a justificativa de um reposicionamento delas e do país no cenário internacional.

Tomando-se o caso da cidade do Rio de Janeiro como exemplo ilustrativo, podemos contabilizar, nos anos recentes, os seguintes eventos que podem ser arrolados no contexto a que aqui nos referimos, afora os dois principais já mencionados:

 

  • Os Jogos Panamericanos, realizados em julho de 2007;
  • os Jogos Mundiais Militares, disputados em julho de 2011;
  • a Conferência das Nações Unidas “Rio + 20 – Desenvolvimento Sustentável”, ocorrida em junho de 2012;
  • a Copa das Confederações, a ser realizada em junho de 2013 (que envolve outras cinco cidades brasileiras, além do Rio de Janeiro);
  • a Jornada Mundial da Juventude, evento religioso internacional, que inclui a visita do recém entronizado Papa Francisco, em julho de 20134
  • a quinta edição do festival musical Rock in Rio, prevista para setembro de 2013;
  • a comemoração dos 450 anos da cidade, em 1º/03/2015 e nos dias anteriores.

 

O acompanhamento intensivo e constante das mobilizações populares e da elaboração dos diversos projetos de intervenção urbana, por parte de pesquisadores das mais diversas áreas de pesquisa (sociologia, história, antropologia, serviço social, arquitetura, direito, planejamento urbano etc.), tem buscado compreender as consequências, via de regra, bastante negativas, impostas a uma parcela considerável da população das cidades brasileiras que acolherão esse leque variado de eventos internacionais e de massa. A cidade do Rio de Janeiro tem sido, possivelmente, o laboratório por excelência para se compreender os impactos dos grandes eventos internacionais. Sediando muitos, como já explicitado, e na perspectiva de sediar tantos outros eventos dessa escala em um lapso temporal relativamente curto, parece constituir um caso emblemático, em termos mundiais.

A cidade do Rio de Janeiro se transformou, nos últimos anos, em um grande canteiro de obras. Diante das representações sociais em voga nos últimos anos, que afirmavam que a cidade estava falida e arrasada pela violência, a conjuntura atual de preparação para receber grandes eventos reforça discursos pautados no “renascimento” do Rio de Janeiro. A responsabilidade de representar o país acabou construindo consensos políticos nas diferentes escalas de poder e desbloqueou vultosos recursos públicos, assim como estimulou novamente a atração de recursos privados. A cidade parece retomar parte de sua centralidade perdida e se consolida como a vitrine do país no mundo com a construção de novos símbolos, agora não mais originados apenas em sua icônica paisagem de montanhas, mar e floresta. Tais eventos de impacto internacional estão norteando distintas políticas públicas (ambiental, segurança pública, mobilidade, habitação…) com forte impacto no cotidiano da população, tal como se pode cogitar, a título de hipótese, à vista da resenha de autoria de Alex Magalhães, a respeito da recente obra Galo cantou! A conquista da propriedade pelos moradores do Cantagalo (Editora Record, 2011, organizado por Paulo Rabello de Castro) sobre a controversa proposta de regularização fundiária da favela do Cantagalo, na zona sul do Rio de Janeiro.

O curto lapso temporal para organizar tais eventos e o elã patriótico que eles suscitam acabam dissimulando os perdedores e vencedores do desenvolvimento urbano atual da cidade. Estima-se, por exemplo, que 30 mil pessoas serão (ou já foram) removidas no Rio de Janeiro e outras 140 mil pessoas enfrentam o risco de remoção nas outras 11 cidades onde jogos da Copa do Mundo acontecerão. O dossiê “Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Brasil”, produzido pela articulação nacional dos comitês populares da copa, informa, por sua vez, que as estimativas mais conservadoras anunciam que mais de 170 mil pessoas têm o seu direito à moradia violado ou seriamente ameaçado no Brasil, em função dos grandes eventos

Contudo, a produção acadêmica consagrada aos efeitos perversos da “passagem” desses eventos em outras cidades do mundo remonta ao menos ao início dos anos 1990, tendo Barcelona e os Jogos Olímpicos de 1992 como caso paradigmático. No livro “La ciudad mentirosa”, do antropólogo catalão Manuel Delgado, aqui resenhado por Neiva Vieira da Cunha, a “mentira” é atribuída, precisamente, ao critério de “participação popular” que caminha lado-a-lado da implementação dos projetos de preparação da cidade para os eventos internacionais contemporâneos. Se este critério de participação garante o acesso aos financiamentos públicos e privados, o pressuposto de participação, por sua vez, se mostra farsesco ao servir, no final das contas, para a legitimação dos projetos já elaborados em outras instâncias muito distantes das arenas populares. Uma cidade mentirosa, portanto, aquela que acolhe os chamados megaeventos – e que deve, portanto, se submeter às normas das associações esportivas internacionais, entre outros acordos – e que conclama os seus habitantes para vir legitimar (“participar”) o bom andamento dos “megaprojetos”.

O aposto é, por si só, um indício. Onde há “mega” (eventos ou projetos), por princípio, não há ingerência da participação popular. Nessas circunstâncias, é a própria democracia o objeto supremo da discussão. O texto de Giuliana Costa (Sediar megaeventos esportivos vale à pena?) procura fazer uma revisão bibliográfica da literatura internacional sobre os impactos urbanos dos grandes eventos internacionais para, em seguida, sublinhar que tanto o enorme endividamento provocado por esses eventos, quanto as recorrentes práticas antidemocráticas empregadas no respectivo processo de preparação configuram a crítica atual. Com isso, a autora ressalta os diferentes custos sociais e econômicos da hospedagem desses eventos, tendo como caso específico de análise a cidade do Rio de Janeiro.

Acesse aqui a versão integral nº 29 da Revista O Social em Questão.