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Evento voltado a debater a incorporação da questão de gênero no Planejamento Urbano e Regional, a “Semana 8M: perspectivas para integração”, recebeu apoio do Observatório das Metrópoles. Nos dias 07, 08 e 09 de março, o Núcleo de Pesquisa em Gênero, Espaço e Políticas Públicas (NUGEPP), vinculado ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ), promoveu a Semana 8M – em alusão ao Dia Internacional da Mulher. As atividades contaram com uma mesa de abertura, disponível no YouTube; a participação no ato mundial do 8M na Candelária, Rio de Janeiro; e uma roda de conversa.

Para a pesquisadora do Observatório das Metrópoles Núcleo Rio de Janeiro e professora do IPPUR/UFRJ, Mariana Albinati, integrante da Comissão Organizadora da Semana 8M, o evento marca o compromisso com a luta das mulheres e com o entendimento das condições desiguais que estão postas para os diferentes gêneros na sociedade. “Essas condições desiguais, ao tempo em que precisam ser consideradas no planejamento e na gestão das cidades, se reproduzem também nos espaços de poder, quando há uma naturalização das desigualdades por parte de planejadores e gestores”, ressalta. Segundo ela, o Observatório vem caminhando no sentido de incorporar a perspectiva das mulheres para o centro dos debates. “No Núcleo Rio de Janeiro, por exemplo, temos pesquisas importantes que enfocaram as condições de trabalho das mulheres camelôs, e de reprodução social das moradoras de cortiços, grupos fortemente impactados por uma estrutura patriarcal que as políticas públicas corroboram”, pontua Albinati.

A professora do IPPUR/UFRJ e coordenadora do NUGEPP, Maria Walkíria Cabral, lembra que Semana 8M, realizada em 2021, ocorreu de forma 100% remota, mas foi importante para reivindicar o espaço de debates sobre gênero, feminismos e planejamento urbano de forma mais clara e perene. “Agora, em 2023, esse espaço está super liderado pelas pós-graduandas, o que me faz acreditar que é importante para o NUGEPP e o Observatório continuarem contribuindo para manter aberto e mais exposto o canal de comunicação sobre gênero e feminismos na área de Planejamento Urbano e Regional (PUR)”, analisa Cabral. Para ela, dessa forma é possível construir um espaço forte, para que as pesquisadoras tenham um lugar de troca mais permanente e consolidado sobre esses assuntos.

Mesa de abertura debateu a desigualdade de gênero no planejamento urbano

A Semana 8M teve início no dia 07, com uma mesa de abertura, que contou com a presença de Rossana Brandão Tavares (UFF), Daniela Abritta (UFSJ) e Kaya Lazarini (FAUUSP), e mediação da pesquisadora Glaucy Herdy. Foram debatidos temas como a desigualdade de gênero no planejamento urbano, o espaço da universidade como um território excludente, a questão do trabalho digno e a vida reprodutiva, além da lógica do familismo nos movimentos de moradia.

A primeira a falar foi a professora Rossana Tavares, que discorreu sobre as perspectivas de transformação para humanizar o fazer epistêmico feminista. A professora iniciou citando a tradução da música What It Feels Like For A Girl, da cantora Madonna, para ilustrar a trajetória das mulheres em busca de conhecimento. Em seguida, a professora Daniela Abritta apresentou o termo ‘analfabetismo urbanístico’, e falou que a produção em arquitetura e urbanismo continua dando materialidade a um sistema de distinção que produz uma suposta neutralidade na construção.

Segundo Abritta, a cidade não é neutra e os planos diretores não reconhecem os espaços vividos, reproduzindo a lógica imobiliária feita a partir do capitalismo. Para a professora, o processo de reconhecimento da realidade urbana deve trazer para o debate a experiência dos corpos com suas diferentes vivências. O debate seguiu com a apresentação da arquiteta Kaya Lazarini, que apresentou os movimentos de moradia que surgiram na Ditadura e que até hoje têm mulheres como protagonistas. De acordo com ela, as mulheres são as mais prejudicadas em relação ao desemprego, aos empregos precários, além da distribuição e das desigualdades de renda, situações que se agravam no caso das mulheres negras.

Confira o registro da mesa, CLIQUE AQUI.

Disciplina optativa abordou os equipamentos de políticas públicas de proteção às mulheres em situação de violência

Alunas e alunos da graduação de Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social (GPDES/IPPUR), participaram da disciplina optativa “Tópicos Especiais: Gestão Social das Cidades sob Perspectiva Feminista“, realizada em 2022. As aulas foram ministradas pela professora Maria Walkíria Cabral, com apoio das estagiárias docentes Glaucy Herdy, Raquel Isidoro e Yara Neves. A ideia partiu de uma leitura coletiva do livro “Cidade Feminista” de Leslie Kern, realizada no NUGEPP, em que são abordadas as diversas formas e perspectivas de ler a cidade, a partir das particularidades e vivências femininas.

Fotos: Maria Walkíria Cabral e alunas da turma.

“Nessa leitura, percebemos como a dinâmica social e urbana são altamente marcadas pela dominância masculina, seja nos meios de transportes, no lazer, nos afetos, no habitar, no cuidar”, afirma a mestranda do IPPUR, pesquisadora do NUGEPP e estagiária docente da disciplina, Glaucy Herdy. A partir disso, o grupo pensou em transpor o conhecimento adquirido, e as inquietações que surgiram dele, para uma disciplina elaborada principalmente para alunas e alunos da Gestão Pública, com intuito de sensibilizá-las(os) para esses padrões de urbanidade.

Ao longo das aulas, foi desenvolvido um mapa, com intuito de conhecer melhor como se dava a distribuição dos equipamentos da rede de proteção e combate à violência doméstica na cidade do Rio de Janeiro, e como a rede se conectava com outros serviços. Este mapa base foi proposto em tamanho e escala adequados para o trabalho coletivo, então, foram selecionados iconografias e pictogramas que condiziam com a temática proposta. “Foi aí que propusemos a aplicação do método de mapeamento coletivo, que era um conhecimento adquirido da experiência da Glaucy na Arquitetura, vislumbrando um cenário onde os(as) discentes pudessem definir o que queriam mapear, a partir da criação coletiva da legenda, ao mesmo tempo em que conheciam mais sobre a cartografia da cidade do Rio de Janeiro”, pontua a professora adjunta do IPPUR e coordenadora do NUGEPP, Maria Walkíria Cabral.

Cartografia crítica foi o método utilizado na disciplina

A cartografia crítica é um modelo de mapeamento utilizado por muitas arquitetas e especialistas em urbanismo feminista. O método aplicado na disciplina chama-se “mapeo colectivo”, desenvolvido pelos Iconoclasistas, e trata-se de uma forma simples e inclusiva de popularizar o mapeamento e a cartografia, através de simbologias e ícones representativos. Os dados utilizados pelo planejamento, relacionados ao mapeamento dos equipamentos da rede de proteção, foram retirados da pesquisa “A Rede Capital de Enfrentamento à Violência Doméstica e o acesso às políticas públicas pelas mulheres em situação de vulnerabilidade na RMRJ”, realizada pela professora Maria Walkíria Cabral e pela gestora pública na SPM-Rio, Rute Evangelista Gawantka.

“Como faz parte do próprio método, os demais pontos mapeados, como equipamentos de transporte, áreas de lazer e habitações foram escolhidos e pontuados pelas(os) próprias(os) discentes a partir do seu conhecimento, vivência e saber”, explica Herdy. A partir do que foi mapeado, as(os) alunas(os) perceberam que a Zona Oeste do Rio de Janeiro é uma região que carece de infraestrutura de transportes, por possuir uma maior incidência de moradias com baixa qualidade habitacional e com pouca oferta de espaços de lazer. “Percebeu-se também um excesso de equipamentos e serviços concentrados nas regiões Centro e Sul, enquanto as demais regiões ficaram restritas de opções”, ressalta Cabral.

Fotos: Maria Walkíria Cabral e alunas da turma.

A professora informa que outros produtos seguem em desenvolvimento no NUGEPP. Estão sendo traduzidos textos básicos de urbanismo e gênero, importantes para a construção da disciplina, mas que eram de difícil uso entre os alunos da graduação, pela impossibilidade de leitura técnica em inglês. “Já temos uma tradução concluída e agora estamos terminando uma coletiva com as pós-graduandas do NUGEPP”, informa Cabral.

Conhecer as cidades pode melhorar a vida das mulheres

Compreender o espaço de maneira indissociada do corpo e das subjetividades pode contribuir para revelar as formas distintas com que os diferentes corpos vivenciam e experimentam o espaço urbano. “Sendo as cidades a reprodução material daquilo que socialmente construímos como cultura, se uma sociedade é baseada na opressão e dominação das mulheres pelos homens, essa desigualdade aparece também na dinâmica urbana”, reflete Cabral. De acordo com ela, é importante compreender que, da mesma forma que o machismo não se dá de maneira igual para todas as mulheres, em sua diversidade, as desigualdades materiais na cidade também não assumem formas iguais nas diferentes localidades. “Portanto, entender quais formas assumem a desigualdade, as hierarquizações, as violências e as dinâmicas de opressão em cada localidade, contribuem para um direcionamento mais assertivo e adequado para solução dos problemas”, finaliza a professora.

Para a estagiária de Gestão Pública e aluna da disciplina, Patricia Vaz, a experiência abriu uma perspectiva que antes ela não sabia que era possível. “Entender como e por quem as cidades foram pensadas explica a nossa ligação complexa com as cidades, já que tudo ou quase tudo foi pensando para homens e por homens”, aponta. Ela ressalta que desde os nomes das ruas até as estátuas espalhadas pelos grandes centros, por todo lugar é possível enxergar a perspectiva dos homens. Isso porque, segundo ela, cada passo da história escravocrata e machista se repete em nome de ruas espelhadas pelo Brasil. “A minha perspectiva feminista sofreu um choque ao pensar que o machismo está enraizado em TODOS os aspectos de nossas vidas e, inclusive, nas cidades. Mas, me fortaleço, pois enxergo que não estou sozinha na luta por uma sociedade igualitária”, conclui Vaz.

São Paulo – Manifestações do Dia da Mulher na região central da capital (Rovena Rosa/Agência Brasil).

Sugestões de livros sobre as questões abordadas na disciplina:

  • Cidade Feminista: A luta pelo espaço em um mundo desenhado por homens – Leslie Kern;
  • Política e arquitetura: Por um urbanismo do comum e ecofeminista – Josep Maria Montaner e Zaida Muxí;
  • Pensamento Feminista: Conceitos Fundamentais – Org. Heloisa Buarque de Holanda.

Artigos:

  • CASIMIRO, Lígia Maria. As mulheres e o direito à cidade: um grande desafio no século XXI. In: Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico – IBDU, Direito à cidade: uma visão por gênero, cap. 1, p.7-11. São Paulo: IBDU, 2017
  • FARAH, M. F. S. Gênero e políticas públicas. Estudos Feministas, Florianópolis, v. 12, n. 1, p. 47-71, jan/abr. 2004.
  • ITIKAWA, L. F. Mulheres na periferia do urbanismo: informalidade subordinada, autonomia desarticulada e resistência em Mumbai, São Paulo e Durban. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Recife, v. 18, n. 1, p. 57-76, Jan/Abr. 2016.
  • FREITAS, C. A. D. O. Estudos feministas sobre a questão urbana: abordagens e críticas. Anais XVIII Enanpur, Natal, maio 2019.
  • VILLAGRÁN, P. S. Patriarcado y orden urbano. Nuevas y viejas formas de dominación de género em la ciudad. Revista Venezoelana de Estudios de la Mujer, v. 19, n. 42, p. 199-214, jan-jun 2014.
  • MARTINEZ, Z. M. et al. ¿Qué aporta la perspectiva de género al urbanismo? Feminismo/s 17, p. 105-129.
  • GOMES, G. H. H. F.; CURY, M. D. A. Perspectiva de gênero como categoria de análise urbana: um estudo sobre a implantação da casa da mulher de Juiz de Fora. Revista Brasileira de Direito Urbanístico | RBDU, Belo Horizonte: Fórum, v. 6, n. 10, p. 133–149, 2020.
  • IBDU. Direito à cidade: uma visão por gênero. São Paulo: IBDU, 2017.
  • HAYDEN, Dolores. What Would a Non-Sexist City Be Like? Speculations on Housing, Urban Design, and Human Work. Signs Vol. 5, No. 3, Supplement. Women and the American City (Spring, 1980), pp. S170-S187

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