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Por Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro
Coordenador Nacional

Mais um evento do ciclo de tragédias urbanas. Agora é a vez do Grande Recife chorar os seus mais de 100 cidadãos mortos, soterrados pelos escombros de casas e barro. Já são cerca de 400 no Brasil. Contabilidade macabra. São também vidas dilaceradas pela dor da perda de parentes, amigos, projetos de vida e da esperança. Renovam-se também o ciclo das narrativas piedosas da grande mídia, algumas nebulosamente críticas, mas sem oferecer à sociedade respostas claras às perguntas: como foi possível nos transformarmos em uma sociedade urbana com grandes cidades tão precárias? Como romper este dramático ciclo de mortes, perdas e dor que atinge quase exclusivamente a população vulnerável, pobre e negra dos bairros precários? Como a coletividade brasileira enquanto Nação pode criar novos marcos urbanos-civilizatórios que reformem as nossas cidades e assegurem a reprodução da vida biológica e social dos seus cidadãos?

Este é um grande desafio! Sim, porque vivemos claramente a contradição entre a cidade e o capitalismo brasileiro, que é a tradução da contradição entre a Nação e a lógica rentista-extrativista que domina a economia nacional. Como diria o saudoso Chico do Oliveira, o urbano é a anti-Nação sustentado pelo Estado de Exceção como paradigma de governo das massas marginalizadas por este capitalismo. No limite, pela necropolítica. Temos que reverter este jogo, para tornar este Estado e este Capital submetidos à Nação.

Se não podemos transformar o clima e os efeitos da sua predação, devemos construir um amplo programa de Reforma Urbana para reconciliar as nossas cidades com as necessidades da Nação brasileira.

É com esta preocupação que estamos engajados no atual projeto “Reforma Urbana e Direito à Cidade: os desafios do desenvolvimento nacional“, mobilizando cerca de 400 pesquisadores dos núcleos regionais que constituem a rede do Observatório das Metrópoles. O resultado será a publicação de 16 livros tratando deste tema nas principais metrópoles brasileiras e propondo uma leitura nacional.

Veja também:

Chuvas no Grande Recife (PE). Foto: Agência Brasil.

A Reforma Urbana contra as tragédias anunciadas nas cidades e metrópoles brasileiras

Anderson Kazuo Nakano¹

As negligências e descasos públicos em relação às buscas por soluções aos problemas sociais, urbanos e ambientais produzidos pelas profundas desigualdades e injustiças socioespaciais existentes nas cidades brasileiras, principalmente nas grandes metrópoles, são expostos permanentemente em todos os instantes de sofrimentos, frustrações e dificuldades vividas por milhões de pessoas que nelas moram, trabalham e lutam cotidianamente pela sobrevivência.

Os diferentes tipos de tragédias urbanas que ocorrem cada vez mais recorrentemente nessas cidades e metrópoles afetam principalmente as populações vulneráveis a vários tipos de riscos, perigos e ameaças sociais, sanitárias, ambientais que se distribuem injusta e desigualmente entre as classes sociais. Quando esses riscos, perigos e ameaças se concretizam em tragédias, destroem majoritariamente as vidas e condições materiais mínimas de existência das pessoas exploradas, espoliadas e violadas nos seus direitos sociais básicos que sobrevivem sem se beneficiarem das múltiplas riquezas sociais que ajudam a produzir diariamente nos espaços urbanos.

As tragédias que ocorrem com os soterramentos e os afogamentos de pessoas e bens sob as terras mal contidas que deslizam morro abaixo e as águas mal geridas que correm através das ruas e construções geram clamores cada vez mais intensos pela realização da reforma urbana nas cidades e metrópoles brasileiras. Essa reforma urbana consiste basicamente em garantir bem-estar social e boas condições de vida individuais e coletivas para as populações vulneráveis de baixa renda que necessita de terras urbanas adequadas, seguras, saudáveis e bem localizadas nas cidades e nas metrópoles.

As tragédias ocorridas no passado, em curso no presente e previstas para o futuro nos ensinam claramente que as lutas macropolíticas e micropolíticas pela reforma urbana das nossas cidades e metrópoles são necessárias e urgentes. Há mais de 30 anos, parte da sociedade brasileira tem feito, com louvor, as lutas macropolíticas nos campos jurídicos, institucionais e estatais. É essencial imbricá-las rizomaticamente com as lutas micropolíticas dos agenciamentos e processos contemporâneos de subjetivação. Assim, evitaremos os espaços urbanos de morte e criaremos espaços urbanos para, mais do que viver, conviver.

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¹ Professor do Instituto das Cidades da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Pesquisador do Observatório das Metrópoles Núcleo São Paulo.