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Por Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro
Coordenador nacional do INCT Observatório das Metrópoles

Será possível encontrar na “desordem urbana” a causa para tantos desastres recentes: Petrópolis (RJ), Franco da Rocha (SP), Belo Horizonte (MG), o sul da Bahia… combinada com os eventos climáticos extremos?

Estamos assistindo as consequências trágicas de uma ordem urbana fundada no laissez-faire do mercado, do mandonismo urbano e da estrutural desinstitucionalização e desestatização dos governos municipais. A gramática do governo das emergências substituiu a gramática do planejamento, dos planos diretores e das leis de desenvolvimento urbano. A burocracia profissional na gestão das cidades foi desprestigiada e deslocada para abrir espaço para o governo direto pelas forças e interesses do mercado e patronagem urbana. A adoção do governo das emergências é mais rentável eleitoralmente que o pouco visível governo do planejamento e da norma. Gera votos, alimenta clientelas eleitorais e incentiva financiamento de campanha, além de legitimar narrativas salvacionistas. Imaginem o rendimento político alcançado pelos os donos do poder, prefeitos, governadores e até o presidente, ao aparecerem na grande imprensa e nas telas dos jornais nacionais com o colete das “defesas civis” e apresentando as “soluções salvadoras”!

Enquanto isto, é flagrante o que não foi feito para preparar antecipadamente as cidades para atravessarem estes eventos. A evidência deste padrão de “governo das emergências” como prática consciente dos donos do poder: a gestão de Cláudio Castro (PL) gastou apenas metade do previsto em prevenção de tragédias no Rio de Janeiro. Segundo matéria da Folha de São Paulo com dados do Portal da Transparência, apenas 47% do valor previsto em orçamento para ser gasto em 2021 no programa de prevenção e resposta a desastres foi de fato empenhado. Em 2013, o então governador Sergio Cabral (PMDB) investiu somente 37% da verba destinada a obras na Serra e na Baixada – dos R$ 4 bilhões disponíveis, apenas 1,5 bilhão foi efetivamente usado em obras, segundo a Revista Veja. Isso tudo mesmo com o conhecimento das tragédias anteriores ocorridas na Região Serrana, como a de 2011 que afetou os municípios de Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis, Sumidouro e São José do Vale do Rio Preto, resultando em mais de 900 mortos e 100 desaparecidos, além das 35 mil pessoas que perderam suas casas ou tiveram que sair por conta do risco de desabamento. 

Estes são desfechos esperados da nossa ordem urbana.

Petrópolis (RJ), fevereiro de 2022. Foto: Fernando Frazão (Agência Brasil).

Nesta edição especial “Petrópolis: uma tragédia da ordem urbana brasileira” do Boletim Semanal do Observatório das Metrópoles, apresentamos análises e entrevistas sobre o tema, a partir da participação de pesquisadores(as) da rede. Confira:

A catástrofe humanitária em Petrópolis e os desafios das políticas habitacionais – Adauto Cardoso, coordenador do GT Habitação e Cidade, falou sobre a catástrofe humanitária em decorrência das fortes chuvas que assolaram o município de Petrópolis (RJ). Cardoso abordou os desafios das políticas urbana e habitacional, a forma como se estruturaram as áreas urbanas ao longo das décadas recentes, a gestão urbana e o padrão de “governo das emergências”, o déficit habitacional que afeta famílias com renda de até 1,8 mil reais e como preparar as cidades diante das mudanças climáticas.

Como o Plano Diretor pode concretizar a gestão do risco ambiental nas cidades? – Thêmis Aragão e Ana Lucia Britto, pesquisadoras do Núcleo Rio de Janeiro, abordaram em texto o desequilíbrio ambiental e os dados recentes sobre precipitação de chuva no país. As pesquisadoras relacionam esses eventos com a gestão do território urbano, discutindo como os Planos Diretores têm falhado na aplicação dos instrumentos urbanísticos advindos do Estatuto das Cidades. De acordo com as autoras, o saneamento, a habitação e a mobilidade não são reconhecidos como componentes do Plano Diretor, sendo tratados como objetos de programas governamentais.

Risco ambiental e o acesso à terra no Brasil – Juliano Ximenes, coordenador do Núcleo Belém, discorre sobre a necessidade de uma inflexão no tratamento do tema dos riscos ambientais, desconstruindo os discursos mistificadores e alinhando a política ambiental e o sistema nacional de gerenciamento de riscos com um amplo programa de provisão de infraestrutura. Para o pesquisador, só assim evitaremos que as pessoas das mesmas classes sociais percam suas vidas, nas mesmas regiões, pelos mesmos fatores evitáveis potencializados por um Estado que não reconhece seus direitos.

Cadernos Metrópole nº 42 – Dossiê Desastres Urbanos – Em 2018, apresentamos um dossiê sobre o tema dos desastres urbanos na Revista Cadernos Metrópole. A edição analisou como a associação entre um padrão de urbanização não organizado e eventos climáticos extremos tem gerado a expansão de riscos ambientais, atingindo populações e espaços cada vez maiores. Para Roberto Luiz do Carmo, organizador do dossiê e professor da Unicamp, há um padrão de urbanização no Brasil e em toda a América Latina de áreas “não urbanizadas” nas cidades, ocupadas por populações mais pobres expostas a risco ambientais significativos, como inundações e alagamentos.

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