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Linha verde, expansão do vetor norte de BH

Linha verde, expansão do vetor norte de BH (Crédito: Reprodução/Web)

Os estudos urbanos que tentam compreender os efeitos dos processos neoliberais de apropriação privada de renda fundiária raramente têm disponíveis dados que permitam quantificar tais processos. Este artigo é uma tentativa de propor uma alternativa metodológica, ao utilizar dados coletados e atualizados corriqueiramente pelos Fiscos Municipais das principais metrópoles brasileiras. Nesse sentido, este trabalho abre discussão sobre uso de bases de dados cadastrais imobiliários municipais e seus possíveis usos em pesquisas relacionadas a processos de gentrificação e segregação socioespacial. A parte empírica do artigo concentra-se no vetor norte de Belo Horizonte, para verificar possíveis indícios de gentrificação nesta área objeto de grandes projetos urbanos.

O artigo “À procura de evidência empírica acerca dos processos de segregação socioespacial em Grandes Projetos Urbanos: o caso do Vetor Norte de Belo Horizonte”, é assinado por Ana Luiza Nabuco e Diego Fonseca, ambos vinculados à Prefeitura de Belo Horizonte, em parceria com Jean Legroux, Doutor em Geografia pela Universidade de Lyon 2, França, e em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR/UFRJ, e pesquisador da Rede INCT Observatório das Metrópoles.

O estudo foi apresentado no XVII ENANPUR, na Sessão Temática “Produção E Gestão Do Espaço Urbano, Metropolitano E Regional”.

Segundo os autores, uma das hipóteses do artigo é a de que as bases de dados cadastrais imobiliários municipais são extremamente pertinentes para avaliar processos de gentrificação, na medida em que mostram transformações no ambiente construído da cidade.

O trabalho tem como recorte empírico o vetor norte de Belo Horizonte, a partir do qual busca verificar possíveis indícios de gentrificação nesta área, cujo entorno é objeto de investimentos públicos e privados, em Grandes Projetos Urbanos, a partir de 2003.

Emprega-se análise temporal para evidenciar a dinâmica do processo de ocupação no Eixo Norte da RMBH, entre 2004 e 2015. Duas variáveis são utilizadas, ambas fornecidas pela Prefeitura de Belo Horizonte: (i) imagens derivadas de perfilamento com sensor laser aerotransportado para 2007 e 2015; (ii) dados cadastrais imobiliários, de 2004 e 2014.

As análises destes dados revelam quais são as alterações no ambiente físico, especialmente quais são os vetores de expansão construtiva em Belo Horizonte e alterações no padrão construtivo residencial e não residencial na área de estudo.

ABSTRACT

Urban studies that attempt to understand the effects of neoliberal processes of urban governance construction, segregation, and private appropriation of land rent usually have difficulties with data available to quantify these processes. This article attempts to propose an alternative methodological approach, using real state cadastral municipal database. In this sense, it intends to open a discussion about this database and its possible uses for gentrification and social segregation researches, since it reveals transformations in city’s built environment, throughout time. An empirical study focuses on the possibility of a gentrification process currently held on the north part of Belo Horizonte’s city, where huge public investments in Large Scale Urban Projects have occured, from 2003 on. Apart from cadastral database, images derived from aerial laser mapping for 2007 and 2015 were used. The results reveal important changes in built environment and in the residential and non-residential construction patterns in the study area.

INTRODUÇÃO

Por Ana Luiza Nabuco, Diego Fonseca e Jean Legroux

A neoliberalização dos espaços urbanos – isto é, a adoção de estratégias que representam um aprofundamento da mercantilização e da flexibilização da gestão e da construção das cidades – materializa-se via Grandes Projetos Urbanos (GPUs) e Parcerias Público Privadas (PPP). Tais processos são entendidos como um estágio avançado da mercantilização da cidade no sentido do Polanyi (1944), isto é, sociedades onde tudo se constitui em mercados (o trabalho, a moeda, a terra) e onde o mercado “auto-regulador” prevalece e traz um acirramento dos processos de segregação socioespacial. Os estudos urbanos que tentam compreender os efeitos dos processos neoliberais de renovação e de governança urbana sobre a segregação socioespacial, não obstante, raramente têm acesso a dados que permitam quantificar e evidenciar empiricamente tais processos. Partindo desta premissa, este artigo tem dois objetivos principais.

Em primeiro lugar, o de explorar, de forma preliminar e inovadora, fontes de dados que podem contribuir para abordagens metodológicas de processos de segregação socioespacial, em escalas intraurbanas. Tendo em vista a escassez de dados municipais, no Brasil, que permitam análises de tais processos – basicamente restritos aos dados do Censo Populacional, sujeito a um intervalo decenal de atualização – novas fontes de dados para análise de processos de segregação sócio espacial parece ser uma contribuição relevante. Neste sentido, este trabalho introduz e explora as potencialidades e limites de se usar uma base de dados derivada do cadastro imobiliário municipal, disponível na maior parte das grandes cidades brasileiras, e de que forma sua utilização pode revelar processos de segregação socioespacial.

O segundo objetivo é, a partir da base de cadastro imobiliário da Prefeitura de Belo Horizonte, testar a hipótese de que, na região norte dessa cidade, está em curso um processo de gentrificação, entendido como a entrada em um determinado território de um novo grupo social, de nível sócio econômico mais elevado, assim como a expulsão do grupo social de baixa renda ali anteriormente localizada. Esta região foi escolhida pela grande transformação urbana à qual foi submetida seu entorno, a partir de 2003, com a implantação de Grandes Projetos Urbanos (GPUs), via investimentos públicos e privados. Tais projetos, ao modernizarem a infraestrutura disponível, têm também consequências sobre a valorização do solo (Costa, 2010).

Para tanto, este artigo organiza-se em cinco partes, além desta introdução. A parte inicial apresenta o terreno da pesquisa, as Regionais Venda Nova e Norte, localizadas na porção norte de Belo Horizonte, e os investimentos públicos e privados ali feitos, nos últimos quinze anos. Tal descrição é abordada a partir da visão teórica que alinha os Grandes Projetos Urbanos aos interesses neoliberais, o que é feito no tópico seguinte. O conceito de gentrificação é, neste momento, abordado, a partir de autores como Rubino (2009), que define um conceito mais amplo do que o original de Ruth Glass (1964), adaptado à realidade latino-americana e a uma abordagem múltipla do conceito.

A terceira parte descreve a base de dados do cadastro imobiliário para Belo Horizonte e tece considerações sobre sua adequação e uso na caracterização de supostos processos de gentrificação. O quarto tópico apresenta os resultados da análise temporal das alterações ocorridas no ambiente construído, entre 2004-2015, feita pelos autores a partir dos dados cadastrais imobiliários e de imagens derivadas de perfilamento com sensor laser aerotransportado. Os resultados são apresentados por setor censitário e para as Regionais Norte e Venda Nova. Por fim, são tecidas considerações quanto às conclusões e limitações do trabalho e possíveis desdobramentos em outras pesquisas.

VETOR NORTE DE BELO HORIZONTE: ÁREA DE EXPANSÃO IMOBILIÁRIA E PROJETO NEOLIBERAL DE RENOVAÇÃO URBANA

A área de estudo compreende o norte da cidade de Belo Horizonte, definido como aquele que engloba as Regionais Administrativas Norte e Venda Nova. Esta região é, de um ponto de vista histórico, um espaço de reprodução da marginalidade, com os índices de pobreza mais elevados na cidade, que demonstra, com base na renda apurada no último censo demográfico (2010), um padrão: as regiões periféricas da cidade possuem menor renda, o que permite aferir, grosso modo, que os maiores rendimentos se concentram nas regionais Centro Sul, Pampulha e Oeste. A partir dos Anos Setenta, as moradias precárias e ilegais explodiram na Regional Venda Nova (Tonucci, 2009) e consolidaram-se aí os espaços ocupados pelos grupos populares.

Acesse no link a seguir o artigo completo “À procura de evidência empírica acerca dos processos de segregação sócio espacial em Grandes Projetos Urbanos: o caso do Vetor Norte de Belo Horizonte”