Skip to main content

Por Sarah Lúcia Alves França*

17 de março de 2022 Aracaju comemora 167 anos de fundação, quando transferida a capital de São Cristóvão para um terreno que favorecida o escoamento de mercadorias através do Porto de Sergipe. Se em 1855, a cidade já apresentava traços da segregação entre o projetado Quadrado de Pirro e a cidade periférica de palha, hoje esse cenário se apresenta com intensas desigualdades e diversos contrastes socioespaciais.

De um lado, a cidade apresenta um processo de adensamento em bairros valorizados e urbanizados próximo ao Centro, onde se concentra a memória de Aracaju, representada no patrimônio histórico, e a maior quantidade de comércio e serviços da capital. Nesse entorno, em bairros como Luzia, 13 de Julho, Jardins, Grageru, os condomínios verticais são substituídos por terrenos vazios, surgindo novas áreas de consumo como o “Garcia” e a “Alameda das Árvores”. A verticalização também marca a paisagem de bairros ao sul, como Farolândia, Atalaia, Aruana, privilegiados pela proximidade à praia e à espaços públicos, e ao oeste, o Jabotiana, distante das áreas servidas de urbanidade, cuja ocupação tem resultado em sérios entraves sociais.

Por outro lado, a cidade horizontal e fragmentada, dos condomínios de veraneio da extinta Zona de Expansão de Urbana, privilegiados à elementos naturais, como praia, dunas e rio Vaza Barris. A busca por esse estilo de moradia foi aflorada com a pandemia da Covid-19, que exigiu o isolamento domiciliar e a realização de trabalho de forma remota, fazendo com que as famílias de alta renda, buscassem espaços maiores com mais conforto, dotados de equipamentos necessários para seu cotidiano de vida. O aquecimento nas vendas desse tipo de moradia se estende para fora da capital, em direção à Barra dos Coqueiros, especialmente partir da segunda metade dos anos 2000, cuja construção da ponte João Alves Filho, fortaleceu o processo de metropolização.

Sem dúvida, vale lembrar que, concomitantemente à Aracaju metropolitana, que se expande e se conecta aos municípios de São Cristóvão, Barra dos Coqueiros e Nossa Senhora do Socorro, através das relações sociais e econômicas, a população tem vivido em meio à conflitos urbanísticos e ambientais. Essa questão é decorrente do uso intenso e rápido do solo urbano, sem oferta suficiente de serviços e equipamentos públicos, permitido por um conjunto de legislações urbanas desatualizadas por não corresponderem à atual realidade. Os bairros Jabotiana e Aruana são exemplo do desequilíbrio entre níveis de adensamento do solo face às reais condições de suporte de estrutura urbana e saneamento ambiental.

Aracaju. Foto: Cleverton Ribeiro (MTur).

Assim, uma realidade diferente marca uma Aracaju de contrastes, que necessitam ser rompidos urgentemente, a fim de equilibrar a justiça socioespacial. Aquelas famílias em condições de vulnerabilidade social e econômica, com dificuldade de acesso ao mercado formal da habitação, têm buscado espaços residuais, inclusive até mesmo fora dos limites administrativos, como áreas de risco e de preservação ambiental, prédios abandonados e deteriorados para suprir a necessidade de morar. Sem dúvida, o significado e importância da moradia ganhou outro sentido nesta pandemia, como o centro.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2020, apesar da Aracaju concentra 33.817 domicílios em aglomerados subnormais (nomenclatura utilizada pelo IBGE referente aos espaços de moradia precária) que corresponde à 63,56% do total dos domicílios em Sergipe. Distribuídos em 95 aglomerados localizados na franja periférica da porção norte, nos bairros Porto D’Antas, Soledade, Lamarão, Bugio, Olaria etc. e ao sul, nos bairros São Conrado, Marivan e Santa Maria, onde vivem famílias em situação de vulnerabilidade e extrema pobreza, com baixo índice de escolaridade, que dificultam o acesso ao mercado de trabalho formal e comprometem as relações sociais. No caso do Santa Maria, caracterizado pela fragilidade na situação urbanística, dos 9.540 domicílios que constam no Cadastro Único do Bolsa Família em 2017, conforme o Observatório Social de Aracaju, 29,39% não dispõe do abastecimento de água através da rede geral de distribuição, se constituiu um grande entrave quanto a higienização das mãos, condição é fundamental para a prevenção da Covid-19. Sem dúvida

Esses números retratam uma Aracaju que se apresenta distante da real efetivação do direito à moradia, conforme estabelecido na Constituição Federal. Mesmo diante da injeção de recursos federais dos programas Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), ainda há necessidade de intervenções no tocante à dotação de infraestrutura, regularidade fundiária e construção de novas habitações. Apesar de o discurso do PMCMV ter como foco a redução do déficit habitacional, os resultados da implementação não foram favoráveis para tal objetivo, em especial quanto ao atendimento por níveis de renda. Em Aracaju, entre 2009-2021 (janeiro) foram contratadas 15.294 habitações, sendo que apenas 1.857 foram destinadas às famílias que recebem até R$1.800 de renda mensal, segundo pesquisa do Centro de Estudos de Planejamento e Práticas Urbanas e Regionais (CEPUR), do Departamento de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal de Sergipe. De fato, a proporção de unidades destinadas para famílias de baixa renda demonstra o rompimento entre efetivação do direito à moradia digna e o aquecimento do mercado da construção civil, que coloca a habitação como produto e não como política pública que garante o lugar do cidadão no espaço.

É preciso olhar a Aracaju de nuances. É preciso romper paradigmas e transformar os contrastes. É preciso reconhecer as diferenças e reduzir as desigualdades socioespacias. É preciso construir uma cidade que abrace todos os aracajuanos de forma justa, equilibrada, resgatando o protagonismo da participação social na implementação das intervenções urbanas. É preciso reconhecer o lugar do povo aracajuano no fortalecimento da identidade, da memória, das riquezas e das oportunidades da cidade para todos.

Feliz dia, felizcidade, feliz Aracaju!!

Em 17 de março de 2022.

____________________________________________________________________

* Arquiteta e Urbanista, professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe, Líder do Centro de Estudos de Planejamento e Práticas Urbanas e Regionais – CEPUR, membro pesquisadora do Observatório das Metrópoles e coordenadora do Núcleo Aracaju. Cidadã aracajuana.