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Por Antenor Pinheiro*

Ao completar 25 anos de vigência, o Código de Trânsito Brasileiro deveria ser a base da resposta institucional para reduzir o grave quadro epidemiológico da violência no trânsito do país, perto de 22 óbitos/100 mil habitantes e 150 mil feridos graves/ano, ao custo assustador de 50 bilhões de reais/ano. São perdas que não tangem os dramas psicológicos envolvidos (porque não medíveis), mas agonizam os sistemas de saúde pública e previdenciário (OMS, IPEA/ANTP, 2022).

Na Região Metropolitana de Goiânia (21 municípios), o quadro é mais grave: 30,3 óbitos/100 mil habitantes, ao custo de 300 milhões de reais/ano, reservados a Goiânia 17 óbitos/100 mil habitantes ao custo de 160 milhões de reais/ano (Observatório das Metrópoles/Goiânia, 2022) – não por menos, os hospitais de urgência mantêm 75% de seus leitos ocupados por vítimas graves do trânsito.

São números indecentes a denunciar o fracasso das políticas de gestão do trânsito no Brasil, em suas três esferas de competências: federal, estaduais e municipais. Todas elegantemente escritas no código de trânsito e legislações dele derivadas, mas totalmente desarticuladas entre si, mesmo integradas num pretenso Sistema Nacional de Trânsito que de sistema só tem o nome.

Especialmente os serviços municipais de trânsito afundam em sucessivos desacertos conceituais, cujos órgãos executivos vêm sendo rigorosamente escorchados ao longo dos anos, alvos de interferências indevidas que culminam no sucateamento e esvaziamento de suas estruturas administrativas, financeiras, operacionais e capacidades laborais acumuladas por agentes de trânsito concursados, engenheiros bem formados e educadores dedicados.

Foto: Fernando Frazão (Agência Brasil).

É o caso de Goiânia, onde recentemente as atribuições do órgão responsável pelas políticas de trânsito (SMM), previstas em leis federais e municipais, estão sendo flagrantemente usurpadas por outro órgão municipal, a Guarda Civil Metropolitana (GCM). Ato jurídico perfeito ou não, o fato é que o município conflita com o próprio município, já que o mesmo possui seu órgão de trânsito jurídica e tecnicamente constituído. Logo, o que se observa dessa anomalia institucional é a cínica prevalência do interesse político nas disputas de poder dos estágios decisórios responsáveis pela gestão pública dos espaços urbanos de mobilidade – o que certifica ser este o fator determinante da deterioração dos serviços do trânsito local ao longo dos anos.

O detalhe curioso é que tudo parecia sucesso com o novo código de trânsito do país. A taxa de mortalidade declinara 11,5% nos dois primeiros anos de sua vigência (1998-2000). A expectativa era promissora com o advento das leis federais de acessibilidade universal (2000), do Estatuto da Cidade (2001), da Lei Federal de Mobilidade Urbana (2012) e do Estatuto da Metrópole (2015).

Esperava-se com elas que o código de trânsito amainasse sua tendência punitivista e se associasse às estratégias modernas de gestão pública e planejamento urbano em sua dimensão socioespacial. Por outro lado, a experiência exitosa do protocolo “visão zero” (1997) na prevenção de acidentes de trânsito, adotado por centenas de cidades no mundo, seria o caminho natural para que a temática da segurança viária no Brasil se reinventasse no ambiente da “abordagem do sistema seguro” – mas
não o foi, muito pelo contrário!

Por estas e outras razões é que no aniversário de 25 anos do Código de Trânsito Brasileiro continuamos avacalhados e atufados na companhia do grupo dos cinco países mais sanguinários no trânsito do planeta (OMS/CDC, 2021).


*Antenor Pinheiro é jornalista, geógrafo, pós-graduado em políticas públicas, pesquisador do Observatório das Metrópoles Núcleo Goiânia, membro da Associação Nacional de Transportes Públicos/ANTP.