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Colóquio realizado pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE)

O Observatório das Metrópoles divulga para o público brasileiro o livro “Arquitectura Popular — Tradição e Vanguarda”, organizado por Paula André e Carlos Sambricio, do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE). A publicação busca desenvolver um exercício de história comparada, com uma reflexão teórica e uma abordagem contemporânea da arquitectura popular, colocando em paralelo e em confronto Portugal e Espanha, inseridos no contexto Europeu. Conceitos operacionais são colocados em confronto, como tradição vs modernidade; nacional vs internacional; verdadeiro vs supérfluo; academismo vs vanguardismo; erudito vs vernáculo.

De acordo com a professora Paula André, no livro os olhares, as leituras, e as interpretações do mundo popular são levadas a cabo por antropólogos, etnólogos, geógrafos, engenheiros agrónomos, e arquitectos, permitindo posicionar o popular como uma plataforma entre o tradicional e o moderno, oscilando entre uma manipulação dirigida pelo poder, e uma alternativa desejada pela vanguarda.

O livro procura assim desenvolver um exercício de história comparada, como reflexão conjunta de problemas que foram comuns e singulares, e que caracterizaram o debate e a cultura arquitectónica de ambos os países.

A seguir a Apresentação do livro assinada pela profª Paula André.

Arquitectura Popular e Morfologia da Cultura

Por Paula André

Em 1942 Jorge Dias colocava a questão: “Poderá só a raça responder aos problemas que o estudo da mentalidade dum povo levanta? E de modo claro sublinhava que “um povo é um complexo de inúmeras influências; um composto formado de múltiplas causas (étnicas, geográficas, culturais e históricas), que não se pode reduzir a uma fórmula simples e invariável”. Numa conferência pronunciada na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Santiago de Compostela, Jorge Dias refere: “Cultura Popular é, à letra, tudo aquilo que é criação do povo, ou de que o povo se apropriou, fazendo hoje parte do seu património espiritual, moral ou de capacidade de realização prática”, assinalando que “o conceito povo é duma complexidade enorme”, e que “a cultura popular é o produto de três elementos distintos: o homem – elemento antropológico, a terra – elemento geográfico, e a tradição – conjunto dos valores culturais ou históricos anteriormente adquiridos”.

De modo esclarecedor afirma que “o popular, além do interesse que tem em si como fenómeno de cultura, pode também, pela tendência conservadora que o caracteriza, dar a chave de muitos recantos obscuros do passado. São inúmeras as sobrevivências de formas culturais velhíssimas que se encontram pelas aldeias dos nossos países. Não apenas dos romanos, mas de muitos outros povos que, em vagas sucessivas, invadiram o território que é hoje a nossa pátria, e de cuja amálgama e fusão resultou o povo, que nós somos”.

Numa análise exploratória salienta que “há formas de organização comunitária anteriores à romanização que perduram vigorosas. No litoral temos moinhos de madeira com velas feitas de tabuinhas, como os que existem no Noroeste da Europa, e na praia de Mira as casas de madeira fazem lembrar as construções escandinavas”, levando-o à designação de “mare magnum de valores culturais”.

Ao contrário da Cultura Popular que tem um carácter localista e anónimo, a Cultura Superior tem um carácter universalista e cosmopolita, mas tal como chama a atenção “não existe nunca o indivíduo completamente liberto do tradicional e das influências do ambiente: em todos existe o popular, em maior ou menor grau de intensidade”, e na verdade “a cultura de cada povo mantém um carácter próprio através de todas as formas que reveste” e “se não fosse esse fundo permanente, que lhe imprime feição específica, perderia o sentido chamar-se a uma francesa, e outra espanhola, inglesa ou italiana”, sendo o estudo dos fenómenos da Cultura Popular “a chave importante para o esclarecimento de muitos aspectos da Cultura em geral”.

Clima e carácter foram operativos na interrogação de finais de Oitocentos sobre a existência de “um tipo português, de casa de habitação”, que por sua vez foi fundadora das seguintes investigações, inquéritos e vícios historiográficos. No entanto, desde a publicação de A Cava de Viriato (1893) de Henrique das Neves, que embora se estabeleça a existência de características similares em algumas construções, não permitem contudo a fixação de um tipo. Segundo Jorge Dias “o amor do tradicional e do passado começou no séc. XIX em todas as sociedades cultas da Europa.

Uma das características do Romantismo é precisamente o culto pelos valores populares e nacionais, em oposição ao ideal clássico que, até então, tinha dominado as letras e as artes”, e em contexto dos estudos alemães de Hegel a Spengler a cultura comporta-se como um ser vivo e a moderna concepção da História da Cultura chama-se Kulturmorphologie (Morfologia da Cultura).

Reveladores de uma morfologia da cultura, de um compromisso com o território e de um conjunto de inquéritos às construções, são os estudos de:

— José Leite de Vasconcelos, no seu trabalho “Casa Portuguesa, um inquérito etnográfico” (1916) realizado a partir de um inquérito levado a cabo pelos seus alunos da Faculdade de Letras de Lisboa, onde cada aluno de forma breve e sistematizada apresenta os caracteres da habitação tradicional, salientando a sua integração, tipo e materiais de construção, organização interna do espaço, apresentando por vezes plantas, a utilização do espaço e seu mobiliário, e salientando os modos de habitar;

— Vergílio Taborda na sua tese de doutoramento “Alto Trás-os-Montes. Estudo geográfico” (1932), um trabalho de reconhecimento, “multiplicando os inquéritos e as excursões realizados em dezenas de aldeias, junto dos que trabalham a terra e para ela só vivem, excursões que abrangeram no total alguns meses”;

— Mariano Feio, no seu livro guia “Le Bas Alentejo et L’Algarve” (1949) resultado da excursão ao sul por ele organizada e percorrida durante sete dias no âmbito do XVI Congres Internacional de Geographie realizado em Lisboa, reunindo um conjunto de mapas e imagens do território, da morfologia da propriedade e do aglomerado, da arquitectura e da habitação.

Em 1950 Jorge Dias no I Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros realizado em Washington apresenta um trabalho sobre “Os elementos fundamentais da cultura portuguesa” considerando-o um tema vasto e complexo pela heterogeneidade cultural que se verifica no espaço (sincrónica) e no tempo (diacrónica), complicada ainda pela heterogeneidade vertical dos vários estratos sociais, não deixando porém de se lançar no estabelecimento de alguns dos elementos fundamentais da cultura portuguesa, considerando que para tal será necessário procurar-lhe o conteúdo espiritual. Segundo Jorge Dias a cultura portuguesa tem carácter essencialmente expansivo, determinado em parte por uma situação geográfica que lhe conferiu a missão de estreitar os laços entre os continentes e os homens, e em parte pela feição psíquica portuguesa e a maneira como esta actuou perante as circunstâncias, embora não deixe de salientar que a personalidade psico-social do povo português é complexa e envolve antinomias profundas, que se podem talvez explicar pelas diferentes tendências das populações que formaram o país.

Faça o download do livro “Arquitectura Popular — Tradição e Vanguarda”.