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José Júlio Ferreira Lima¹
Juliano Pamplona Ximenes Ponte²

A Região Metropolitana de Belém (RMB), no Pará, desde 2023 totaliza oito municípios: a capital, Belém; Ananindeua; Marituba; Benevides; Santa Bárbara do Pará; Santa Izabel do Pará; Castanhal e Barcarena. Os primeiros dois municípios constituíam a RMB original definida em Lei em 1973. A definição da RMB em 1995 abrangia os cinco primeiros municípios até os anos 2010, com a ampliação para sete municípios em 2023. Por fim, Barcarena foi incorporado à RMB. A dinâmica populacional da RMB, contudo, incorpora elementos oriundos de desmembramentos e remembramentos territoriais de municípios seculares, de frentes migratórias, processos de colonização dirigida e impacto de implantação de equipamentos públicos e infraestrutura urbana. Neste contexto, os dados preliminares do Censo Demográfico 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), operação realizada durante o estado de emergência da pandemia de Covid-19, serão comentados e analisados de acordo com tendências demográficas históricas da população metropolitana local.

É importante o mapeamento de populações tradicionais indígenas e quilombolas do Censo. A RMB tem, em 2022, 3.389 moradores indígenas, sendo 57% em Belém e 15% em Ananindeua. Por sua vez, dos 10.600 quilombolas da RMB, 51% estão em Barcarena (município original do Baixo Tocantins, área de distritos e ilhas com tradição de nucleações territoriais de remanescentes de quilombos) e 21% em Santa Izabel do Pará. Apesar de representarem cerca de 0,7% da população metropolitana, o caráter autodeclaratório destas populações tende a se elevar com o tempo, dado o processo de reidentificação com suas origens e reconhecimento do histórico de seus padrões culturais e econômicos.

Porto de Belém (PA). Foto: SETUR – Governo do Pará.

Dados gerais dos municípios da RMB

Belém é o único dos municípios da RMB que teve decréscimo aparente de população, o que indica a continuidade da retração histórica da migração para a capital. Dentre os motivos, apontamos o alto custo da moradia, a falta de política habitacional, além das citadas reduções da taxa de fecundidade e média de moradores por domicílio. Deve ser notado que Belém, como capital de mais de 1 milhão de habitantes, segue tendência nacional apontada por Baeninger (2010), inclusive com tendência preliminar rastreável ainda no Censo 2010, quando o crescimento do número de domicílios ultrapassou o crescimento da população, com redução da média de moradores por domicílio e mesmo redução absoluta do número de moradores em bairros populosos como o Guamá, que perdeu 7% da população entre 2000 e 2010.

A maior variação de população absoluta da RMB ocorre em Santa Izabel do Pará, o que atribuímos à atração pela política habitacional, pela relativa estrutura urbana e acesso rodoviário. O contexto de mobilidade intrametropolitana é identificado desde os anos 2010, quando a elevação dos aluguéis deslocou moradores de bairros periféricos de Belém para antigas zonas rurais de Marituba e Benevides, formando novos assentamentos precários.

O município com segunda maior variação absoluta foi Castanhal, o que indica a importância microrregional do município como polo educacional, de serviços e da agroindústria e pecuária. Destaque para o crescimento populacional de Benevides (taxa geométrica de 1,74, a maior da RMB, próxima à de Santa Bárbara do Pará). Ambos os municípios conformam uma sub-região do ponto de vista de um arco logístico para a RMB. Ali estão se instalando centros de distribuição logística, fábricas (Natura Cosméticos, Cervejaria Heineken, granjas, processamento de milho e ração animal), além do aumento de condomínios residenciais com a absoluta licenciosidade dos Planos Diretores deficientes da RMB.

O caso de Marituba, outrora município metropolitano mais precário do país, chama a atenção pela baixa variação absoluta, apesar de ali ter se instalado o maior dos conjuntos habitacionais do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) da RMB. O aumento de aproximadamente 2.300 pessoas deve-se em grande medida a um único empreendimento às margens da rodovia federal da Região Metropolitana de Belém.

Em síntese, o crescimento absoluto da população de pequenos e médios municípios não representa impacto significativo na população metropolitana devido à concentração em torno de Belém e Ananindeua, porém indica o espraiamento territorial da população, com sinal claro de permanência da precariedade habitacional (em 2019, a RMB ainda constava entre as cinco metrópoles brasileiras com maior percentual de aglomerados subnormais), procura pelo acesso ao solo urbano de menor custo imediato e tendência de proximidade em relação a dinâmicas econômicas pontuais e locais. A Região Metropolitana de Belém ainda apresenta traços de relativa estagnação econômica e precariedade infraestrutural e habitacional que têm de ser sistematicamente enfrentadas com políticas urbanas metropolitanas e integradas, mesmo não mais possuindo características de frente migratória de expansão.

Gráfico 1 – Série histórica da população da RMB (1970-2010), segundo Censos Demográficos do IBGE.

Um terço da população paraense está concentrada na RMB

Como metrópole da Amazônia Oriental, a Região Metropolitana de Belém (RMB), historicamente, concentrou parte relevante da população do Estado do Pará, em torno de um terço: 34% da população do Estado em 1970 era equivalente à atual constituição da RMB; 33% em 1980; 32% em 1991; 33% em 2000; 31% em 2010, de acordo com dados dos Censos Demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 1970; 1980; 1991; 2000; 2007; 2010; 2021; 2022). De modo correspondente, a população urbana da atual composição da RMB, se comparada à população urbana do Estado do Pará, variou de 63% em 1970 para 55% em 1980, 41% em 1991, 47% em 2000 e 43% da população urbana estadual em 2010. Tomando a população urbana dos atuais oito municípios metropolitanos em série histórica, e comparando-a com a população urbana do Pará, nota-se uma tendência oscilante de declínio. Isto se deve à urbanização da população, ou da condição de domicílio da população estadual ao longo das décadas recentes e, portanto, a um fenômeno de relativa diluição da participação da RMB no total da população das áreas urbanas do Estado. Quanto à população rural, consequentemente, a atual composição da RMB equivalia a 9% da população rural do Estado do Pará em dados de 1970; 13% em 1980; 22% em 1991; 5% em 2000 e 6% em 2010, apontando para o processo de hegemonia da condição urbana dos domicílios no Pará e em sua primeira Região Metropolitana.

Processo de modernização capitalista e a virada demográfica da população

Como parte do processo de modernização capitalista, apresenta-se uma tendência de aumento da participação de domicílios e população urbanos nas metrópoles. Paralelamente, esse consequente movimento de redução da população rural induz a outras modificações de indicadores demográficos locais. Em termos conceituais verifica-se, quando da virada demográfica da população, a tendência ao aumento do número de domicílios em maior taxa do que a do aumento de população e, ao mesmo tempo, a diminuição da média de moradores por domicílio no universo da população progressivamente urbanizada, sobretudo metropolitana. Este processo, em geral, se faz acompanhar de evidente redução das taxas de fecundidade, como mudança duradoura da composição das famílias e características dos domicílios, com impactos etários, dentre os quais o mais célebre é o envelhecimento médio da população urbana (WELTI, 1997). Em contextos de crise econômica (ou sanitária), a redução da taxa de fecundidade é um padrão demográfico.

No Brasil, em termos regionais, a virada demográfica dos anos 1970/1980 demarca uma diferença sensível nas taxas de crescimento/variação populacional na comparação entre Regiões Metropolitanas e municípios do interior, médios e pequenos, em que as metrópoles passam a crescer menos, evidentemente (BAENINGER, 2010), indicando horizonte de estabilização da população. O crescimento populacional proporcionalmente maior de municípios de médio e pequeno porte, fenômeno capturado nos Censos 1991 e 2000, é apontado com o que Baeninger (op. cit.) chama de “[…] territorialidades ‘fora das fronteiras metropolitanas’“ (Idem, op. cit., p. 211). Embora ainda contidos na Região Metropolitana de Belém (RMB), os demais municípios metropolitanos apresentam dinâmicas próprias e tendências de nucleação populacional nas últimas décadas.

Tabela 1 – Série histórica da população da RMB (1970-2010), em sua composição atual de 08 municípios, segundo Censos Demográficos do IBGE.

A ausência de dados para os municípios metropolitanos de Marituba e Santa Bárbara do Pará na série histórica 1970-1991 deve-se apenas ao fato de que estas localidades, à época, ainda não haviam sido formalizadas como municípios autônomos. Originalmente extensos, municípios como Belém ou Vigia de Nazaré (este, externo à RMB) detinham como distritos os territórios de vários atuais municípios da RMB. Eventualmente, reduções populacionais aparentes entre decênios censitários podem ser parcialmente atribuídas a redivisões territoriais e emancipações municipais.

Tabela 2 – Percentuais de composição da população municipal da RMB, em série histórica (1970-2010), por situação do domicílio.

Censo 2022 passou por adiamento e dificuldades de execução

A operação do Censo 2022 teve dificuldades, que se referiam à pandemia de Covid-19, motivo parcial para o adiamento do Censo, e, também, ao impedimento do próprio Governo Federal na gestão Jde air Bolsonaro, com Paulo Guedes à frente do então chamado Ministério da Economia. O ministro, além de reduzir em mais de 90% o orçamento do Censo em mais de uma Lei Orçamentária Anual, inviabilizando-o, chegou a propor que a pesquisa se reduzisse a dez perguntas no total, pois “[…] se perguntar demais vai descobrir coisas que não quer saber” (FORUM, 22 fev. 2019). Após decisão do Supremo Tribunal Federal obrigando o Executivo a realizar o Censo Demográfico em 2022, o IBGE declarou que deveria fazer ajustes operacionais para, com tempo e orçamento reduzidos, executar a pesquisa.

Com taxas altas de recusa inicial na recepção do pessoal recenseador, o IBGE refazia as tentativas e, em caso de impossibilidade de acesso ao domicílio, procedeu à imputação de pessoas (e seus perfis) nos domicílios (IBGE, 2022). Esta operação padrão na Demografia, foi feita com base em amostra mínima do setor censitário ou equivalente, adotando-se valores médios para os domicílios sem resposta, o que tornaria mais “plano” o resultado, sem maior impacto no universo.

Tabela 3 – Comparação em série histórica entre a população da RMB, a população do Estado do Pará e as respectivas populações por situação do domicílio, 1970-2010.

Os possíveis impactos sobre o Fundo de Participação dos Municípios

Há debate sobre as taxas geométricas de variação da população entre Censos. As taxas geométricas de variação 2022/2010 do Censo 2022 foram de 0,57 para o Estado do Pará; 0,12 para Ananindeua; 2,00 para Barcarena; -0,55 para Belém (única taxa negativa neste universo); 1,74 para Benevides; 0,88 para Castanhal; 0,17 para Marituba; 1,74 para Santa Bárbara do Pará e 1,73 para Santa Izabel do Pará (IBGE, 2022). O IBGE informa que é possível a revisão dos contingentes populacionais totais e parciais conforme o calendário de divulgação do Censo 2022 transcorra. Em todo caso, municípios e Prefeituras surpresos com a aparente redução do contingente populacional e, possivelmente, com a redução dos repasses financeiros do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), provocam o debate público. Em atenção ao FPM, o Governo Federal se manifestou garantindo valores no mínimo equivalentes àqueles praticados no ano anterior. A questão, contudo, seria a própria dinâmica demográfica e a confiabilidade da pesquisa, para alguns.

Deve ser considerado o contexto de realização do Censo 2022, em curso, e o hiato entre o Censo 2000, a Contagem/Estimativa Populacional 2007, o Censo 2010 e, por fim, o Censo 2022 no Brasil. Apesar das Projeções da População (1980-2060) serem atualizadas, e das Estimativas Populacionais anuais serem enviadas ao Tribunal de Contas da União (TCU), baseadas nas Estatísticas do Registro Civil (nascimentos, mortes, etc.), captação da tendência da população pode não ter sido constatada devido à falta da pesquisa intermediária entre os decênios dos Censos 2010 e 2022, isto é, a Contagem e Estimativa Populacional 2015 (ou equivalente). Sem recensear parcialmente entre Censos, perde-se referência empírica para a pesquisa decenal.

Tabela 4 – Taxas de fecundidade do Estado do Pará e municípios da Região Metropolitana de Belém (RMB), 2016-2020.

Tabela 5 – Série histórica de população metropolitana e de municípios, segundo Censos Demográficos, Estimativas Populacionais e Contagem do IBGE, 1970-2022.


¹ Professor da professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), pesquisador do Núcleo Belém do Observatório das Metrópoles.

² Professor da professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), coordenador do Núcleo Belém do Observatório das Metrópoles.

REFERÊNCIAS

BAENINGER, Rosana.  Crescimento das cidades: metrópole e interior do Brasil. In: ______ (org.) População e Cidades: subsídios para o planejamento e para as políticas sociais. Campinas: Núcleo de Estudos de População-Nepo/Unicamp; Brasília: UNFPA, 2010. p. 209-222.

FORUM, Revista. Guedes pede redução de perguntas do Censo: “Se perguntar demais vai descobrir coisas que não quer saber”. Ministro da Economia sugeriu, durante a cerimônia de posse da nova presidente do IBGE, que o instituto reduza o questionário do Censo, principal pesquisa demográfica do país, a 10 perguntas; no mesmo evento, Guedes defendeu as privatizações e usou a contratação de prostitutas como exemplo. Entenda. Caderno Política, 22 fev. 2019. Disponível em: https://revistaforum.com.br/politica/2019/2/22/guedes-pede-reduo-de-perguntas-do-censo-se-perguntar-demais-vai-descobrir-coisas-que-no-quer-saber-53210.html. Acesso em: 26 out. 2023.

IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Censo demográfico 1970. Rio de Janeiro: IBGE, 1970. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-catalogo.html?id=769&view=detalhes. Acesso em: 26 out. 2023.

_____. Censo demográfico 1980. Rio de Janeiro: IBGE, 1980. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/?id=772&view=detalhes. Acesso em: 26 out. 2023.

_____. Censo demográfico 1991. Rio de Janeiro: IBGE, 1991. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-catalogo?id=782&view=detalhes. Acesso em: 26 out. 2023.

_____. Censo demográfico 2000. Rio de Janeiro: IBGE, 2000. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/pesquisa/censo-demografico/demografico-2000/inicial. Acesso em: 26 out. 2023.

_____. Contagem e estimativa populacional 2007. Rio de Janeiro: IBGE, 2007. Disponível em: https://censos2007.ibge.gov.br. Acesso em: 26 out. 2023.

_____. Censo demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2010. Disponível em: https://www.censo2010.ibge.gov.br. Acesso em: 26 out. 2023.

_____. Estimativas da população enviadas ao Tribunal de Contas da União (TCU) após publicação no Diário Oficial da União (DOU). Rio de Janeiro: IBGE, 2021. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9103-estimativas-de-populacao.html. Acesso em: 26 out. 2023. [Séries 2001-2021].

_____. Censo demográfico 2022. Rio de Janeiro: IBGE, 2022. Disponível em: https://www.censo2022.ibge.gov.br. Acesso em: 26 out. 2023.

_____. Pesquisa nacional por amostra de domicílios contínua trimestral (PNAD T). Rio de Janeiro: IBGE, 2023. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/5436. Acesso em: 27 out. 2023.

WELTI, Carlos (ed.) Demografía I. Cidade do México: Programa Latinoamericano de Atividades en Población; Universidad Nacional de México, 1997.