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Violações do Direito ao Trabalho dos Camelôs no Rio

By 09/04/2015janeiro 29th, 2018Destaque, Publicações

Violações do Direito ao Trabalho dos Camelôs no Rio

A Plataforma Dhesca, o Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro e o Movimento Unido dos Camelôs divulgam o Relatório “Violações ao Direito ao Trabalho e ao Direito à Cidade dos Camelôs do Rio de Janeiro”. O documento recupera o processo de legalização dos trabalhadores ambulantes na capital fluminense no contexto dos megaeventos esportivos, e aponta repressão, abuso de autoridade e violência policial.

Acesse o relatório completo no link Violações ao Direito ao Trabalho e ao Direito à Cidade dos Camelôs do Rio de Janeiro.

O que motivou o relatório

Nos dias nove e dez de setembro de 2014, a Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Plataforma Dhesca) e o Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro realizaram, em parceria com o Movimento Unido dos Camelôs (MUCA), uma missão para verificar o cotidiano e as condições de trabalho dos camelôs no centro da cidade do Rio de Janeiro. Nesta ocasião, foi verificada uma série de graves violações às suas condições de trabalho, as quais se repetem recorrentemente na fala dos camelôs entrevistados.

As entidades que organizaram a missão oficiaram e tentaram agendar audiências com a Prefeitura Municipal da Cidade do Rio de Janeiro, por meio do gabinete do prefeito e da secretaria de ordem pública, mas não foram atendidas. O relatório que se segue é produto dessa atividade, e busca não somente elencar as denúncias coletadas, como recuperar o recente contexto de legalização da atividade ambulante proposta pelo Choque de Ordem do prefeito Eduardo Paes – operação inserida na preparação da cidade para megaeventos como a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.

Como poderemos observar, sob a aparente legalização e ordenação da cidade, estabelece-se um padrão de relação entre poder público e trabalhadores marcado por arbitrariedades e violência.

De acordo com Mariana Werneck, após o final da Copa do Mundo em julho a Prefeitura do Rio de Janeiro começou o desmonte de depósitos irregulares dos trabalhadores ambulantes no Centro e na Zona Sul do Rio de Janeiro. Nessa ocasião, uma representante do MUCA entrou em contato com o Comitê Popular denunciando a violência e arbitrariedade por parte do poder público com os ambulantes – sem negociação e sem direitos.

“O Comitê Popular entendeu que havia um recrudescimento por parte da Prefeitura – algo que tinha ficado mais tranquilo durante a Copa pelo menos no centro da cidade. Mas terminado o evento a Prefeitura surgiu com força total com várias ações para estourar os depósitos – com apoio da mídia e fortalecendo a SEOP como organizadora do espaço público”, relata Mariana e completa:

“Nós entendemos que havia nessas ações, mais uma vez, violação do direito ao trabalho dos camelôs. Por isso convidamos a Plataforma Dhesca Brasil para uma missão de visitar o centro da cidade e coletar as denúncias desses trabalhadores”.

OS CAMELÔS NA CIDADE OLÍMPICA: NOVOS CIRCUITOS DE EXPLORAÇÃO

De acordo com o relatório, após o último mandato de César Maia, Eduardo Paes assumiu a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro em 2009. Dentre suas promessas de campanha, Paes garantia ordenar a cidade, implementando, entre outras medidas, a reorganização do sistema de ônibus; a legalização e licitação das linhas de vans; o combate aos flanelinhas; e a regularização dos camelôs.

Além disso, havia se comprometido a criar uma Secretaria de Ordem Pública, para o ordenamento e o combate a pequenos delitos. As propostas faziam alusão à sua experiência como subprefeito da Barra durante o primeiro mandato (1993-1996) de seu predecessor, quando instaurou as “Caravanas da Legalidade”. Paes também se apoiava na doutrina de “tolerância zero”, modelo importado de Nova York que tinha grande receptividade por parte da mídia brasileira.

Poucos meses após tomar posse, o novo prefeito assinou, em 7 de abril de 2009, o Decreto nº 30.587, instituindo o cadastramento do comércio ambulante. O decreto ordenava o cadastramento de ambulantes autorizados e das demais pessoas interessadas em exercer a atividade de comércio ambulante na recém-inaugurada Secretaria Especial de Ordem Pública (SEOP).

Estavam aptos a participar do cadastramento qualquer pessoa física que atendesse, ao menos, uma das condições estabelecidas pelo artigo 5º da Lei 1.876/19921 – lei que, em conjunto com o Decreto 29.881/2008, rege a venda ambulante no município. O texto também instaurou o Cadastro Único do Comércio Ambulante (CUCA) para reunir as informações referentes ao comércio ambulante da cidade. Todas as autorizações deveriam ser inseridas no CUCA até setembro de 2009; caso contrário, seriam automaticamente canceladas.

À SEOP coube, de acordo com o artigo 3º do mesmo decreto, definir os locais proibidos e os locais adequados para o comércio ambulante; estipular o número de autorizações concedidas para cada local; identificar os comerciantes ambulantes autorizados e em exercício da atividade, assim como seus locais de assentamento; adequar o número de autorizados exercendo regularmente a atividade; cancelar as autorizações comprovadamente irregulares ou que não atendessem à legislação em vigor; e autorizar novos ambulantes, caso fosse constatado que o número de autorizações já concedidas fosse inferior ao número possível para o local. Comissões Regionais, no âmbito das Subprefeituras, foram criadas para identificar os logradouros onde os ambulantes poderiam se instalar.

Em junho de 2009, a prefeitura realizou a primeira fase de cadastramento e recadastramento de 18.400 vendedores informais. Além dos quatro mil trabalhadores recadastrados, 14.400 vagas de venda foram abertas na cidade. O número, no entanto, estava muito abaixo das estimativas das lideranças de rua.

Um levantamento feito pelo MUCA no mesmo ano apontava, somente no Centro, a existência de 6 mil vendedores informais chamados do “pulo”, caracterizados por exporem suas mercadorias em uma estrutura de fácil desmonte para escapar da fiscalização quando necessário. Em todo município, calculasse a existência de até 60 mil ambulantes: são cerca de 35 mil ambulantes assentados com ou sem autorização, e o número pode dobrar quando se contabilizam os vendedores itinerantes.

Já em setembro, a Prefeitura lançou a operação Choque de Ordem, anunciando-a como o fim da desordem urbana, o “grande catalisador da sensação de insegurança pública e a geradora das condições propiciadoras à prática de crime”. O objetivo declarado era realizar a limpeza urbana do centro e de outras regiões da cidade. Na época, o secretário da SEOP, Rodrigo Bethlem, declarou que as medidas tinham o caráter de devolver aos cidadãos os espaços públicos ocupados ilegalmente.

Para tanto, viam-se como providências prioritárias a retirada das ruas de crianças abandonadas e moradores de rua, assim como a repressão ao mercado informal e irregular como também às ocupações urbanas. Nesse sentido, o recente cadastramento havia permitido a pronta identificação dos ambulantes autorizados, o que contribuía para uma ação imediata sobre aqueles que não possuíam autorização.

Segundo Mariana Werneck, o recadastramento da Gestão Eduardo Paes começou do zero – sem incluir os ambulantes que já havia obtido o direito de trabalhar na cidade durante a Gestão do Prefeito César Maia; ou seja, os camelôs que já trabalhavam com o cadastro se viram, de um dia pro outro, sem nenhuma garantia. Além disso, a Lei afirma que o trabalho dos camelôs deve ser regulamentado por meio de comissões da sociedade civil.

“Mas o recadastramento do prefeito Eduardo Paes desrespeito essa prerrogativa A SEOP divulgou pelos jornais uma chamada pública convidando as pessoas – com prioridade para os idosos”, explica Mariana e completa: “Essa chamada pública deu cadastro para muitas pessoas que não trabalhavam efetivamente com comércio ambulante. O que se viu daí foi a consolidação de uma rede de exploração. Trabalhadores ambulantes tendo que pagar aluguel a outra pessoa para ter o cadastro e poder estar na rua”.

A nova conjuntura reforçou a legitimidade das políticas já postas em marcha pelo governo municipal. Uma nova onda de repressão e criminalização passou a ser praticada contra os camelôs e os trabalhadores informais da cidade, baseada em uma retórica que conjuga, por um lado, o embelezamento da cidade e o incentivo ao turismo, com a ordenação e a limpeza de áreas valorizadas, e por outro, a proteção aos patrocinadores.