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Favela do Vidigal, no Rio de Janeiro

O INCT Observatório das Metrópoles vem mostrando que, nos últimos anos, ocorreu um processo de mercantilização da cidade do Rio de Janeiro, marcado pelos princípios da urbanização neoliberal no contexto dos preparativos para os grandes eventos esportivos. O Rio passou a ser a cidade empreendedora, da revolução dos transportes, da revitalização, das novas centralidades e do legado olímpico. As favelas também estavam “incluídas” nesse projeto a partir da implantação das UPPs, e de investimentos em infraestrutura urbana através do PAC Favelas, Morar Carioca, entre outros. Neste artigo para o UrbFavelas, Patrícia Ramos Novaes, Lívia Salles e Larissa Lacerda analisam os impactos da urbanização neoliberal na favela do Vidigal, e apontam para dinâmicas de ressignificação simbólica e valorização imobiliária, geradores de transformações na configuração urbana e de gentrificação desse território.

O artigo “Urbanização neoliberal no Rio de Janeiro e seus impactos na favela do Vidigal”, de Patricia Ramos Novaes, Larissa Lacerda e Lívia Salles, foi apresentado no II UrbFavelas — Seminário Nacional Urbanização de Favelas, realizado em novembro de 2016 no Rio de Janeiro.

O artigo é mais um resultado do projeto Planejamento Urbano e Direito à Cidade: conflitos urbanos e os desafios para a promoção da função social da propriedade no Brasil”, que está sendo realizado pela Rede INCT Observatório das Metrópoles, com apoio da Fundação Ford. O projeto busca, a partir de uma pesquisa advocacy, influenciar a definição de políticas urbanas na cidade do Rio de Janeiro. Desse modo, a pesquisa não apenas monitora a revitalização da região portuária, o Porto Maravilha, as transformações nas favelas da zona sul e os conflitos resultantes, como busca estratégias de incidência capazes de promover o direito à moradia e o direito à cidade.

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NEOLIBERALISMO URBANO NO RIO DE JANEIRO

De acordo com pesquisas do Observatório das Metrópoles, a cidade do Rio de Janeiro vem passando por mudanças no seu padrão de governança, que parece se caracterizar por uma gestão empreendedora, levando a profundas reestruturações na cidade em direção à chamada urbanização neoliberal, ou seja, transformações socioespaciais adequadas à dinâmica de mercantilização das cidades.

Desde a década de 1990, o Rio vem reproduzindo um modelo de cidade empreendedora inseridos nos negócios do capitalismo urbano que se expande pelo mundo. Esse paradigma é traduzido em políticas urbanas e modelos de gestão que privatizam a cidade e promovem renovações pontuais como instrumentos de ativação dos circuitos da acumulação urbana controlada pelas grandes empreiteiras, construtoras e concessionários de serviços coletivos e suas conexões político-eleitorais nos planos municipal, estadual e federal.

Na última década, o Rio de Janeiro se tornou palco de grandes eventos internacionais. Dos jogos Pan-Americanos, em 2007, passando pela Jornada Mundial da Juventude, em 2013, a Copa do Mundo, em 2014, e culminando nos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, em 2016, a cidade tem passado por um momento de intensa transformação e reorganização de seu território. Tais eventos foram divulgados pelo poder público e pela grande mídia como um “momento de oportunidade” para a realização de grandes intervenções urbanísticas que, passados os eventos, seriam um legado para a população.

Enquanto a cidade vivia uma espécie de belle-époque de transformações que encantavam a grande mídia e as empresas da indústria global do divertimento, e frações da alta classe média tinham seus patrimônios imobiliários sobrevalorizados, o direito à cidade e o bem-estar da população se degradam em várias dimensões.

Para além da construção e reforma de equipamentos esportivos e de investimentos em mobilidade urbana, que envolveram a expansão da linha do metrô ou a implantação do sistema de corredores exclusivos para BRT (Bus Rapid Transportation), a construção de uma imagem de cidade preparada para estar sob os holofotes internacionais passou também pela proposição de políticas públicas voltadas para a promoção do Rio de Janeiro como uma cidade “socialmente integrada”, que deixaria para trás as profundas desigualdades que marcam sua história.

A preparação da cidade para os megaeventos, portanto, agrega, sob a ideia de legado, intervenções revestidas de peso simbólico significativo, visando a operar uma ressignificação na imagem da cidade, porém servindo aos interesses do capital internacional, que invade a cidade no contexto dos megaeventos, e das elites locais, que se beneficiam da promoção de um modelo empreendedor de cidade, que privilegia a expansão do capital e a mercantilização de seus territórios.

As favelas, especialmente da zona sul da cidade, se destacam como um dos pontos centrais para a promoção desta nova imagem de “cidade integrada” – como contraponto à ideia largamente difundida de “cidade partida” (ver Zuernir Ventura,”A Cidade Partida”,1994).

Além da implantação do projeto de Unidades de Polícia Pacificadora – UPP, investimentos na infraestrutura urbana destes territórios através do PAC Favelas, do programa Morar Carioca ou de obras pontuais, como as executadas pela GEORio, por exemplo, vem se desenvolvendo nos últimos anos e algumas são incorporados ao discurso dos legados sob a promessa de que todas as favelas do município seriam urbanizadas até 2020.

Frente a estas e outras ações do poder público, o artigo Urbanização neoliberal no Rio de Janeiro e seus impactos na favela do Vidigal tem como objetivo discutir o impacto da urbanização neoliberal nos territórios de favelas da zona sul do Rio de Janeiro, observando seus efeitos sobre a reorganização territorial da favela do Vidigal.

VALORIZAÇÃO E RESSIGNIFICAÇÃO DO VIDIGAL


Projetos de novos hotéis e aumento do preço dos imóveis geraram a evasão de antigos moradores do Vidigal. (Crédito: Favela Chique).

Segundo as autoras da pesquisa, os discursos em torno do Vidigal mudam mais radicalmente a partir da implantação da UPP, em 2012. Com a ‘pacificação’, as transformações parecem ter tomado proporções significativas, seja pela velocidade, seja pela alteração da própria paisagem urbana.

As entidades de classe do setor imobiliário são grandes entusiastas do programa de pacificação, principalmente pela valorização dos imóveis de bairros do entorno da favela: “segurança pública é um elemento fundamental, os bairros com UPP tiveram valorização quase imediata. Foi um fator determinante”, afirmava a então vice-presidente do Sindicato da Habitação no Rio (Secovi Rio), em entrevista à Folha de S. Paulo, em 2011.

Logo após as forças policiais entrarem nas favelas do Vidigal e da Rocinha, as últimas da zona sul a receberem as Unidades de Polícia Pacificadora, a imprensa já afirmava que as entidades do mercado imobiliário apontavam uma valorização de mais de 30% dos imóveis da região devido a instalação da UPP. Nas palavras do presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do Rio (Ademi-RJ): “a UPP vai valorizar os imóveis entre 70% e 100% em algumas regiões do bairro. É o preço real de morar bem, em área nobre, ao lado de uma comunidade pacificada.”

Essas previsões começam a se confirmar rapidamente, segundo reportagem do jornal O Globo. Apenas em 2013, compraram casas no morro o artista plástico Vik Muniz, a produtora de cinema Jackie De Botton, o casal proprietário do Zazá Bistrô e bar Devassa, além da construção do hotel de luxo realizada pelo arquiteto Hélio Pellegrino em parceria com o dono da rede de bares Belmonte, isso sem contar os moradores “ilustres” mais antigos, como o cantor Otto.

Corroborando com essas informações, ao analisar os dados do Fipe/Zap, o maior portal de anúncios imobiliários do Brasil, notou-se que, entre os anos de 2008 a 2015, o valor do metro quadrado no Vidigal aumentou de R$ 2.372,74 para R$ 8.757,00. No ano de 2012, período da chegada da UPP no Vidigal, a valorização do metro quadrado foi de 273,86% em relação ao ano de 2008.

Acesse o artigo completo Urbanização neoliberal no Rio de Janeiro e seus impactos na favela do Vidigal.