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“A renda como um todo, de maneira geral nas metrópoles, cresceu no intervalo de um ano para diferentes grupos, mas cresceu bem mais para os mais ricos do que para os mais pobres, que tiveram um aumento bem mais tímido”, explica o coordenador do PUCRS Data Social, Andre Salata. A média da renda domiciliar per capita do trabalho cresceu 4,6% em um ano nas metrópoles brasileiras, mas entre as famílias mais pobres o crescimento foi de apenas 1,54%. Esta análise se refere ao período entre o quarto trimestre de 2022 e o quarto trimestre de 2023. Como resultado, a média de renda chegou a R$1.801,60, o maior valor da série histórica, iniciada em 2012.

Estas informações estão na 15ª edição do “Boletim Desigualdade nas Metrópoles”, produzido em parceria pelo INCT Observatório das Metrópoles, a PUCRS Data Social e a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina (RedODSAL). Os dados são provenientes da PNAD Contínua trimestral (IBGE) e dizem respeito à renda domiciliar per capita do trabalho somente, incluindo o setor informal. O recorte utilizado é o das 22 principais áreas metropolitanas do país, de acordo com as definições do IBGE. Todos os dados estão deflacionados para o quarto trimestre de 2023, de acordo com o IPCA.

Conforme o estudo, se entre as famílias que fazem parte das 10% mais ricas o crescimento foi de 7,6% no período, entre aquelas que estão na base da pirâmide – 40% mais pobres –, o crescimento interanual ficou em 1,54%. A média da renda das famílias desse estrato mais baixo alcançou o valor de R$269,54 no final de 2023, o que ainda é 4,7% menor que a média registrada no quarto trimestre de 2019, o último antes da pandemia: R$282,85. Já entre os 50% intermediários, o aumento da renda entre final de 2022 e final de 2023 foi de 4,98%, fazendo sua média chegar a R$1.669,70.

De todo modo, Salata esclarece que os outros estratos já se recuperaram, e ultrapassaram o período pré-pandemia, mas os 40% mais pobres, não. “Quando se compara com a situação de 2014, melhor momento da série histórica, ainda está muito atrás desse cenário. Isso ajuda a dar uma dimensão temporal para uma comparação. Os 40% mais pobres ainda estão atrás do período pré-pandemia, coisa que não acontece para os 10% mais ricos e para os 50% intermediários”, ressalta.

Aumento da desigualdade

A razão entre a média da renda dos 10% mais ricos e dos 40% mais pobres apresentou comportamento de aumento desde o final de 2022. No quarto trimestre de 2022, a média de renda das famílias mais ricas era 30,8 vezes maior que a das famílias mais pobres. Um ano depois, no final de 2023, essa razão havia subido para 32,7. Segundo o pesquisador do INCT Observatório das Metrópoles (e coordenador do estudo, junto com Andre Salata), Marcelo Ribeiro, o que se vê na comparação de um ano é o aumento da desigualdade. “Esse aumento está sendo captado pelo coeficiente de Gini – quanto maior seu valor maior a desigualdade –, comparando com o quarto trimestre de 2022, apesar de ter uma estabilidade nos últimos três trimestres, é maior agora em relação ao último de 2022. Com relação à razão de renda, os mais ricos terem aumentado o nível de renda tem feito com que a desigualdade também esteja aumentando”, aponta. Se no final de 2022 o coeficiente de Gini para o conjunto das regiões metropolitanas ficava em 0,620, no final de 2024 o valor registrado foi de 0,626. O valor encontrado nos últimos três trimestres foi o mesmo (0,626), o que indica tendência de estagnação neste indicador.

De acordo com os pesquisadores, alguns fatores ajudam a entender as razões pelas quais o crescimento da renda foi menor na base da pirâmide. Segundo Salata, entre o quarto trimestre de 2022 e o mesmo período de 2023, setores de atividade como transporte e construção, importantes fontes de emprego na base da pirâmide, tiveram desempenho inferior aos demais, chegando a apresentar queda na renda média. Como consequência, o aumento da atividade econômica foi menos benéfico para os trabalhadores pouco qualificados, de modo que entre aqueles com baixa escolaridade a média de renda chegou a cair. “Enquanto na base da pirâmide temos as camadas mais pobres e que tem uma escolaridade menor, ocupando postos de trabalho em setores que não tiveram um ganho de renda tão forte como construção e transporte, a gente vê num outro extremo pessoas mais escolarizadas e em setores que conseguiram elevar o rendimento e, também, com um potencial maior de negociação de salários”, sublinha Salata.

Marcelo Ribeiro lembra que no período houve crescimento da atividade econômica, com redução da taxa de desocupação no país – 7,9% para 7,4% –, retomada e aprimoramento de diversas políticas sociais (como o Bolsa Família), e retorno da política de valorização real do salário-mínimo (de R$1.212 para R$1.320). Segundo o pesquisador, estas medidas foram importantes para impulsionar o mercado de trabalho e aumentar a renda das famílias a ponto de chegar no maior valor da série histórica. “No entanto, os dados mostram que tais medidas ainda não garantiram crescimento substantivo do rendimento das famílias mais pobres”, pontua.

Salata afirma que a nível nacional, para além do recorte das regiões metropolitanas, as tendências mencionadas chegam até mesmo a se intensificar. Segundo ele, para o Brasil como um todo, a renda dos 40% mais pobres chegou a apresentar queda de 2,54% no período, caindo de R$192,97 para R$188,07. “Ou seja, os resultados observados por nós não se restringem à realidade metropolitana. Por outro lado, os resultados apresentados se restringem aos rendimentos do trabalho. Os dados analisados não incluem, por exemplo, fontes de renda como o Bolsa Família ou BPC. Ao incluí-los, é possível que as tendências observadas sejam diferentes”, conclui.

Cenário para 2024

De acordo com Marcelo Ribeiro, para o futuro há uma perspectiva de continuidade de crescimento econômico, mesmo que possa ser menor que no ano passado. E, também, de certa estabilidade do nível de preços, pois a inflação não está crescendo tanto. “Temos uma expectativa que seria de continuidade dessa tendência de elevação do nível de renda média, traduzindo para todos os grupos, mas talvez continue sendo de forma diferenciada como estamos vendo entre os estratos de rendimento”, reflete. André Salata afirma que existe a tendência de continuidade do crescimento da renda média, mas a principal ameaça é a inflação e o desemprego. “Conseguir equilibrar esses dois fatores é difícil, ou seja, manter o mercado de trabalho aquecido e ao mesmo tempo a inflação controlada”, afirma.

Em relação à distribuição entre os grupos, para os pesquisadores é mais complexo fazer uma previsão. Porém, segundo eles, se for mantida a política de valorização real do salário-mínimo, há possibilidade de ter um crescimento mais significativo para grupos inferiores. “Se conseguir manter essa política num contexto de mercado de trabalho aquecido, é um caminho para ter uma tendência que seja mais benéfica para quem está na base da pirâmide”, pontua Salata. Além disso, para o bem-estar das famílias que estão na base, continuar aprimorando programas de transferência de renda e assistência social tem grande importância. “É necessário continuar investindo e expandindo esses programas, não basta só pensar no mercado de trabalho”, ressalta o pesquisador.

Sobre o estudo

Lançado em 2020, o “Boletim Desigualdade nas Metrópoles” é elaborado pelo INCT Observatório das Metrópoles, em parceria com o Laboratório de Desigualdades, Pobreza e Mercado de Trabalho – Data Social, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) e o Observatório da Dívida Social na América Latina (RedODSAL). O estudo tem divulgação trimestral e, atualmente, está na décima quinta edição. O objetivo é reunir um conjunto de informações relevantes acerca das desigualdades de rendimentos no interior das regiões metropolitanas do país.

Confira na íntegra o “Boletim Desigualdade nas Metrópoles nº 15”.

Acesse aqui as tabelas e gráficos do estudo.